quinta-feira , 28 março 2024
Goiás

Promotor de Justiça escreve artigo questionando a criação de 127 cargos comissionados… pelo MP de Goiás

Carlos Vinícius Alves Ribeiro, mestre e doutorando em Direito pela Universidade de São Paulo (USP) e promotor estadual de Justiça, publica artigo nesta quinta-feira no site Rota Jurídica questionando a criação de 127 cargos comissionados – que o procurador-chefe Lauro Machado pediu em mensagem encaminhada à Assembleia no início de julho e só agora divulgada pela imprensa.

O artigo tem grande importância justamente porque é assinado por um membro do “parquet”, como os membros do Ministério Público gostam de chamar a instituição. E um membro ilustre porque, apesar de muito jovem, o promotor coleciona títulos, atua também como professor de Direito Público na Universidade Federal de Goiás e é um nome conhecido nacionalmente.

Carlos Vinicius registra que há um risco de inconstitucionalidade rondando o projeto que cria os 127 cargos comissionados no MP Estadual. É que esses cargos deveriam forçosamente ser preenchidos por servidores de carreira, mas a previsão é que eles sejam ocupados por nomes indicados “politicamente”, ou seja, por livre indicação – e é aí que mora o perigo.

O promotor adverte que “é preciso sondar se essa assessoria está adequada e alinhada com a Constituição Federal”.

E ele mesmo responde: os cargos devem ser preenchidos por servidores escolhidos por concurso público. Caso contrário…

Veja o artigo do promotor Carlos Vinicius na íntegra:
As funções de confiança e os cargos em comissão

Carlos Vinícius Alves Ribeiro

Exatamente um ano atrás o Supremo Tribunal Federal, novamente, pois cuida-se de decisão que segue na esteira de tantas outras reiteradas, reconheceu a inconstitucionalidade de lei do município de Tucanduva, no Rio Grande do Sul, que criava cargos em comissão, inerentes às funções de chefia, direção e assessoramento.

Naquela oportunidade, no julgamento do ARE 680288 AgR, determinou o Ministro Luiz Fux que a faculdade de que dispõe a administração de criar por lei cargos de livre nomeação e exoneração, não é própria e completamente uma faculdade. Esbarra, sempre, nas balizas impostas pela própria Constituição da República.

A primeira baliza, a legalidade, por contraditório que seja, acaba servindo de escudo para inconstitucionalidades. É que, como já dito em outra oportunidade nesta coluna, o legislador e, por vezes, o administrador, vê na legalidade – criação de uma lei – uma licença para esconder uma inconstitucionalidade latente. Se está na lei é legal, concluem alguns…

Mas o que a legalidade constitucional impõe ao agente do Estado é bastante mais que isso. Impõe, na legalidade, uma ampla observação à juridicidade, aos princípios e regras estampados na Constituição.

E definitivamente, a Constituição não possibilitou que o gestou ou o legislador criasse, ainda que por lei, cargos de livre nomeação e exoneração ou cargos em comissão – direção, chefia e assessoramento a serem preenchidos por servidores investidos em funções públicas por concursos públicos – de maneira livre.

Essa semana a imprensa goiana noticiou que o Ministério Público encaminhou para a Assembleia projeto de lei que cria novos cargos de servidores, havendo a previsão de 127 cargos de livre nomeação ou exoneração.

Sem ter acesso ao projeto, tampouco à exposição de motivos, faço observação com base, unicamente, no que foi veiculado pela imprensa.

A criação de 127 cargos de livre nomeação, segundo entrevista do Procurador-Geral de Justiça em O Popular de hoje (29/8), respeita a Constituição pois, segundo ele, há tal licença para cargos de chefia, direção e assessoramento.

Em verdade, o artigo 37, inc. V da Constituição fixa que as funções de confiança são exercidas exclusivamente por servidores ocupantes de cargos efetivos, e os cargos em comissão (direção, chefia e assessoramento), serão preenchidos por servidores de carreira.

Se os 127 cargos de livre nomeação estão sendo criados, como sustenta o Procurador-Geral, para fazer frente às licenças maternidades que acabam por afastar assessores de suas funções, em verdade, é preciso sondar se essa assessoria está adequada e alinhada com a Constituição Federal.

Ao que parece, a função de assessor – assessoramento -, seja de Promotor de Justiça, seja de Procurador de Justiça, seja daqueles membros que estão exercendo funções na administração superior do Ministério Público, é, em verdade, cargo em comissão, que, segundo o texto constitucional, deverá ser preenchido por servidores investidos em função pública por concurso público.

Talvez a inconstitucionalidade nem esteja onde se aponta, mas um pouco abaixo…