quarta-feira , 24 abril 2024
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Jornal Opção: MP de olho em falta de transparência nos empréstimos do BNDES. JBS/Friboi está na mira

Veja matéria do Jornal Opção:

 

Ministério Público de olho em falta de transparência nos empréstimos do BNDES

Questionamentos do órgão federal em vários Estados mostram que há muitas brechas a serem esclarecidas no investimento de dinheiro público em transações, muitas delas com empresas que acabaram por fracassar

Elder Dias

O uso de recursos do Banco Nacional de De­senvolvimento Eco­nômico e Social (BNDES) para financiar o crescimento de grandes empresas é sempre controverso e tem sido questionado ao longo do tempo. Não é diferente agora, poucos dias após o Ministério Público Federal (MPF), no Rio de Janeiro, anunciar que está investigando um eventual uso de dinheiro público na implantação de pátios logísticos em São João da Barra, município do norte fluminense, mais especificamente no Porto do Açu. O projeto é conduzido pela LLX, uma empresa do ex-candidato a homem mais rico do mundo Eike Batista. Diante das intempéries por que passa o mega­em­presário e seus negócios, a em­presa passou ao controle da EIG, uma multinacional dos Estados Unidos, em meados deste mês.

Para o MPF, é necessário que haja mais transparência na negociação com o uso de recursos federais, haja vista que houve “cancelamento de diversas obras” e há uma “situação de venda de ações da empresa OGX”, de Eike. A LLX obteve em­préstimos junto ao BNDES (Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social) para construção do projeto, que além do porto prevê a instalação de empresas no seu entorno. Recentemente, a LLX rolou dívida de R$ 518 milhões com o banco estatal, por mais três anos.

Não só no Rio de Janeiro o MPF se preocupa com a participação do BNDES em transações com grandes grupos. Pelo menos em Mato Grosso do Sul — onde a preoocupação se concentrou na participação do banco no salvamento de frigoríficos — e no Distrito Federal, o órgão está de olho em operações.

Em Brasília, desde o fim do ano passado, tramita uma ação civil pública ajuizada pelo MPF contra o BNDES, pela qual se objetiva que o banco seja obrigado a dar transparência aos financiamentos a todos os projetos e demais demandas que envolvam recursos públicos nos últimos dez anos e naqueles que vierem a ser realizados de agora em diante. A ação se baseia na Lei de Acesso à Informação (Lei nº 12.527/2011).

Na primeira investida, o MPF perdeu: a Justiça Federal, por meio da 20ª Vara Federal, de Brasília, negou pedido liminar para que os dados sobre empréstimos e apoios do banco estatal fossem divulgados na internet. Para fundamentar a decisão, a juíza Adverci Rates Mendes de Abreu argumentou que o sigilo bancário e empresarial de terceiros deve ser protegido e, como as transações afetam clientes do banco, uma publicação traria efeitos “irreversíveis”.

Agora, o MPF busca reverter a situação, em grau de recurso — e esclarecendo que não busca divulgação de dados sigilosos relacionados às atividades em si desenvolvidas pelas empresas fomentadas pelo BNDES —, recorrendo ao Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1). O que quer o MPF está relatado e especificado na própria peça: “promover amplo acesso aos dados relacionados aos negócios firmados pelo BNDES, tais como os montantes financeiros empregados, os prazos do investimento, o grau de risco, as taxas de juros empregadas, os valores de aquisição de ações, a forma de captação do recurso utilizado, as garantias exigidas, os critérios ou justificativas de indeferimento de eventuais pedidos de apoio financeiro, a compatibilidade do apoio concedido com as linhas de investimento do banco”.
Política das “campeãs”

Nada que os cidadãos brasileiros não possam saber — ou não deveriam poder. O fato é que o funcionamento da distribuição das benesses do BNDES tem soado como algo frequentemente baseado em uma questão de “QI” (“quem indica”): aos amigos, tudo; aos inimigos, a lei, para citar uma frase de autoria atribuída a Getúlio Vargas (e também, em Goiás, a Pedro Ludovico, que costumava citá-la). O fato é que Eike Batista — com sua moribunda EBX —, Joesley Batista — que comanda a JBS-Friboi — e Abílio Diniz — sócio majoritário do grupo Pão de A­çú­car, que por pouco não se fundiu com o francês Carrefour —, todos eles estiveram em al­gum momento do lado do governo federal e foram agraciados com empréstimos vultosos.

Era a política das “campeãs nacionais”, iniciada no governo Lula e incentivada ao longo dos anos para colocar o Brasil e suas grandes empresas em condições de disputar o mercado internacional em pé de igualdade e, até, de forma hegemônica. Foi também graças ao apoio do BNDES que o grupo JBS-Friboi deu o pulo do gato na última década, tornando-se o maior conglomerado do mercado da carne no planeta. O crescimento internacional da empresa — fundada em 1953, em Aná­polis, e que se expandiu com o sur­gimento e crescimento de Brasília — se deu coincidentemente com a chegada do PT ao poder. A JBS foi uma das apostas (e das poucas que vingaram, é bom que se diga) na estratégia das “campeãs”: entre os fracassos se computam, além da EBX, o frigorífico Marfrig e a LBR (Lácteos Brasil). Gigantes de pés de barro.

Não só o MPF pede explicações sobre a política adotada pelo BNDES. Um artigo incisivo da senadora Kátia Abreu (PSD-TO) bate duro na JBS. O argumento dela — líder ruralista e referência do setor até mesmo em nível nacional — pegou como mote a multimilionária campanha de mídia feita pelo grupo na TV, tendo o ator global Tony Ramos como estrela. O refrão “A carne é Friboi?” virou hit nas redes sociais, produzindo uma série de “memes” [referências propagadas pela internet]. Para ela, o dinheiro investido pelo BNDES na empresa estava virando, a partir daquele slogan, uma espécie de “propaganda enganosa”. Em artigo publicado na “Folha de S. Paulo”, a senadora detonou o financiamento público. “O frigorífico JBS, em detrimento de centenas de pequenos e médios concorrentes, que passam por dificuldades econômicas, obteve do BNDES mais de R$ 7 bilhões, a juros módicos, que lhe permitem custear tal campanha e trabalhar pelo monopólio do setor”, escreveu.
Banco vai adotar agora política antecipada por Goiás, analisa economista
Professor da Pontifícia Univer­sidade Católica de Goiás (PUC-GO), o economista Jeferson de Castro Vieira considera “normal” a política adotada pelo governo federal ao investir em grandes grupos empresariais do País. Segundo ele, a estratégia de fortalecer as empresas nacionais — como a JBS, no segmento da carne — é uma forma de salvaguardar os diversos setores de uma entrada mais forte de grandes grupos do exterior. “Foi isso que aconteceu com os supermercados nacionais. O grupo Pão de Açúcar, por exemplo, sofria com a ameaça de entrada dos grandes internacionais (Carrefour, Wal-Mart etc.). Da mesma forma, o governo fez aporte para outros setores, como laticínios, gás e petróleo”, explica o professor.

Ele não crê que seja um passo fora do caminho o fato de o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) jogar seus recursos em investimentos de risco, como o que ocorreu com o grupo EBX, de Eike Batista. Formado por seis companhias — OGX (petróleo), MPX (energia), LLX (logística), MMX (mineração), OSX (indústria naval offshore) e CCX (mineração de carvão), o EBX já foi visto como um grupo “tecnicamente quebrado” e não esboça grande recuperação. O sonho de Eike Batista de se tornar o homem mais rico do mundo virou pó.

Jeferson Vieira considera que o BNDES não estava errado ao investir na holding. “O BNDES apostou em segmentos de risco um valor dentro da margem de segurança de investimento, não mais que 20% do aporte do banco. É uma margem aceitável, dentro da linha do banco. É bom lembrar que 50% do lucro do BNDES vinham dos 20% desse aporte. Mas agora está deixando de ganhar, por conta do problema nas empresas de Eike Batista”, relata o professor. De qualquer forma, se perde no mercado de ações, como sócio, o BNDES, já tem como se recuperar, com trunfos como o campo petrolífero de Libra e outras concessões em andamento.

Nesse sentido, o banco não está agindo “fora de sua missão”. O que era o foco, no entanto, vai mudar, como o próprio presidente da instituição, Luciano Coutinho, já anunciou. O centro das atenções sai do apoio às “campeãs” para um aporte firme na área de infraestrutura. “Tanto o BNDES como o FDCO [Fundo de Desenvolvimento do Centro-Oeste] vão priorizar investimentos com esse mote. O BNDES deve mudar sua linha, vai continuar fortalecendo alguns segmentos, mas entrará forte na infraestrutura, na questão de portos, aeroportos, ferrovias etc.”, afirma o professor.

É a infraestrutura que vai garantir o crescimento sustentável da economia brasileira, garante Jeferson. “É o que a China tem feito nos últimos tempos.” E novamente, então, Goiás largou na frente do restante do País, lembra o economista. Com a adoção de um programa de reconstrução de rodovias e pavimentação de novas estradas — o Rodovida — e a priorização de obras como o aeroporto de cargas e a plataforma multimodal, em Anápolis, o governo do Estado acabou por dar o tom do que deverá ocorrer no País nos próximos anos, se o BNDES realmente se firmar nessa nova linha de investimentos.