sexta-feira , 19 abril 2024
Goiás

Henrique Tibúrcio: “Não é razoável que o Ministério Público continue presidindo investigações”

Presidente da OAB-GO, Henrique Tibúrcio, diz em entrevista ao Jornal Opção que o Ministério Público não deve investigar.

A entidade apoia a proposta que dá essa função à polícia.

Veja a reportagem do Jornal Opção:

PEC 37
Ministério Público não deve investigar, avalia OAB-GO
Entidade reforça apoio à proposta do deputado Lourival Mendes (PTdoB-MA), que restringe essa função à polícia
Elder Dias e Thiago Burigato

Qual é o papel exato que o Ministério Pú­blico (MP) deve cumprir institucionalmente dentro do chamado Estado democrático de Direito nacional? É isso que está posto em discussão, levantando inúmeras celeumas, com a Proposta de Emenda à Cons­ti­tuição (PEC) nº 37/2011. O projeto é de autoria do deputado federal Lourival Mendes (PTdoB-MA) e vem sofrendo duras críticas dos principais atingidos — procuradores e promotores de Justiça.

Por sua vez, o Conselho Sec­cional da Ordem dos Advogados do Brasil – Seção Goiás (OAB-GO) debateu e aprovou, por ampla maioria, um posicionamento institucional favorável à proposta — ou seja, reafirmando que o Ministério Público não tem competência para conduzir uma investigação criminal.

Na segunda-feira, 20, foi a vez do pleno do Conselho Federal da OAB também aprovar apoio à PEC, que deve ser votada em plenário em junho. O mesmo conselho já havia proferido pareceres contrários a que o Ministério Público presida inquéritos. Agora, o tema voltou à pauta por meio de proposta de um conselheiro federal por Goiás, o advogado Pedro Paulo Guerra de Medeiros.

Nascido em Goiânia e com especialização em vários ramos do Direito, ele diz que a OAB, como instituição, tem o papel tem o dever de resguardar os direitos fundamentais do cidadão e precisa se pronunciar sobre assuntos que possam interferir no estado democrático de direito, como o caso da PEC 37. “A OAB participou ativamente da elaboração da Constituição de 1988, com sugestões e críticas. E essa Constituição é que diz o que o MP tem de fiscalizar de acordo com as funções que tem. Mas essas funções também têm seus limites”, explica.

Medeiros diz que o sistema brasileiro é feito para que as diversas instituições façam o contrapeso entre si: assim, então, é o MP para a polícia, a Justiça para o MP, e assim por diante. “Tudo faz peso e contrapeso diante da sociedade. E a Constituição entregou à polícia o poder de investigar, não ao MP”, completa. Para ele está bem definido o papel do Ministério Público: iniciar a ação penal, pedir mais investigação ou o arquivamento, se for o caso.

“Se alguém entrega ao MP a tarefa de investigar, não terá como o órgão fazer essas etapas de forma independente, já que ele próprio esteve envolvido na investigação. O que tende a fazer, obviamente, é apenas comprovar o que ele foi apurado pela investigação.” Pedro Paulo Guerra de Medeiros dá o exemplo da Ação Penal 470, o julgamento do mensalão. “O MP suprimiu um documento altamente relevante; esperou a ação penal e só depois juntou o documento, que demonstra que vários dos acusados, em realidade, não teriam culpa e, portanto, nem chegariam a ser réus”, relata.

Incoerência do MP

O presidente da OAB-GO, Henrique Tibúrcio ressalta que, apesar da importância inquestionável do Ministério Público para a sociedade e para a democracia brasileira, é preciso definir os limites de sua atuação da instituição, para evitar abusos e distorções. “O MP tem função salutar na democracia e, com a PEC 37, continuará a exercer sua prerrogativa de controle externo da autoridade policial”, justifica. “Apenas não é razoável que o órgão continue presidindo investigações, sendo ele próprio parte do processo acusatório. Isso é incoerente com o sistema jurídico.”
Tibúrcio acredita que a proposta ratifica a Constituição. “É um avanço democrático ao esclarecer a investigação como de competência das polícias judiciárias, ao reforçar o que já estabelece a Carta Magna. É a sua defesa que interessa ao cidadão, ao Estado democrático de direito e é dever da Ordem lutar para que os princípios da democracia, duramente conquistados pelos cidadãos brasileiros, sejam respeitados.”

Henrique Tibúrcio comentou o apelido dado ao projeto, que acabou se difundindo na mídia: “PEC da Impunidade”. “É evidente que não somos favoráveis à corrupção. Pelo contrário. Quando divulgam essa pecha de ‘PEC da Impuni­da­de’, leva-se a discussão para um lado passional. O MP quer justamente colocar a população contra a proposta”, diz.

Segundo ele, o que a OAB defende é o equilíbrio entre as relações. Para mostrar isso, ele destaca que o MP ainda poderá requisitar a abertura de inquéritos, solicitar a produção de provas e pedir por documentos e interceptações telefônicas, cumprindo suas atribuições legais. “O que o MP não pode é presidir um inquérito se é parte do processo. Se o órgão se envolve em uma investigação, será que não vai ter o interesse em omitir provas e depoimentos que podem inocentar o acusado? A parte processual deve ser imparcial.”

Ele ressalta as razões que levaram a Ordem a tomar um posicionamento sobre o assunto e destaca que a aprovação da proposta será benéfica à democracia. “Nós queremos trazer a discussão para a razão, tirá-la da emoção. A PEC vai ser debatida pelos parlamentares em poucos dias e o que eles devem analisar é o aspecto jurídico da questão.”

O Conselho Federal já havia se manifestado anteriormente contra a tese de que o MP está autorizado a presidir inquéritos, mas nunca houve um posicionamento formal por parte da entidade. Ainda que alguns integrantes afirmassem que a OAB não deveria se manifestar a respeito, prevaleceu o entendimento do ex-presidente nacional da entidade, José Roberto Batochio, para que o Conselho Federal não apenas mantivesse decisão histórica proferida sobre o tema, como também se posicionasse favoravelmente à PEC.

O presidente do Conselho Federal, Marcus Vinicius Furtado, disse que “a OAB passa, agora, a se manifestar de modo uníssono, em todos os cantos desse País, postulando, batalhando e empregando toda sua força no sentido de apoiar a aprovação da PEC 37”.

O que é a PEC 37/2011

A Proposta de Emenda à Constituição nº 37/2011 é um acréscimo de um parágrafo ao Artigo 144 da Constituição:

Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos:
I — polícia federal;
II — polícia rodoviária federal;
III – polícia ferroviária federal;
IV — polícias civis;
V – polícias militares e corpos de bombeiros militares.
§ 1º A polícia federal, instituída por lei como órgão permanente, organizado e mantido pela União e estruturado em carreira, destina-se a:
I — apurar infrações penais contra a ordem política e social ou em detrimento de bens, serviços e interesses da União ou de suas entidades autárquicas e empresas públicas, assim como outras infrações cuja prática tenha repercussão interestadual ou internacional e exija repressão uniforme, segundo se dispuser em lei;
II — prevenir e reprimir o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o contrabando e o descaminho, sem prejuízo da ação fazendária e de outros órgãos públicos nas respectivas áreas de competência;
III — exercer as funções de polícia marítima, aeroportuária e de fronteiras;
IV — exercer, com exclusividade, as funções de polícia judiciária da União.
§ 2º A polícia rodoviária federal, órgão permanente, organizado e mantido pela União e estruturado em carreira, destina-se, na forma da lei, ao patrulhamento ostensivo das rodovias federais.
§ 3º A polícia ferroviária federal, órgão permanente, organizado e mantido pela União e estruturado em carreira, destina-se, na forma da lei, ao patrulhamento ostensivo das ferrovias federais.
§ 4º Às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira, incumbem, ressalvada a competência da União, as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais, exceto as militares.
§ 5º Às polícias militares cabem a polícia ostensiva e a preservação da ordem pública; aos corpos de bombeiros militares, além das atribuições definidas em lei, incumbe a execução de atividades de defesa civil.
§ 6º As polícias militares e corpos de bombeiros militares, forças auxiliares e reserva do Exército, subordinam-se, juntamente com as polícias civis, aos Governadores dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios.
§ 7º A lei disciplinará a organização e o funcionamento dos órgãos responsáveis pela segurança pública, de maneira a garantir a eficiência de suas atividades.
§ 8º Os Municípios poderão constituir guardas municipais destinadas à proteção de seus bens, serviços e instalações, conforme dispuser a lei.
§ 9º A remuneração dos servidores policiais integrantes dos órgãos relacionados neste artigo será fixada na forma do § 4º do art. 39.

No intuito de “definir a competência para a investigação criminal pelas polícias Federal e Civis dos Estados e do Distrito Federal”, a emenda do deputado Lourival Mendes (PTdoB-MA) propõe o acréscimo do parágrafo 10 (§ 10), com a redação:
“§ 10º A apuração das infrações penais de que tratam os parágrafos 1º e 4º deste artigo, incumbem privativamente às polícias federal e civil dos Estados e do Distrito Federal, respectivamente.”