Carlos Castilho publica no Observatório de Imprensa artigo em que fala sobre a entrevista de Ricardo Boechat, na qual “o jornalista faz um desabafo, sem papas na língua, que bem poderia ser uma espécie de manifesto contra o jornalismo “faz de conta” que nos é servido diariamente pela maioria dos jornais, revistas e emissoras de rádio ou televisão do país”.
Veja:
Sobre desabafos e o jornalismo do ‘faz de conta’
Por Carlos Castilho em 02/08/2013
Está circulando na internet um vídeo com uma entrevista do jornalista Ricardo Boechat na qual ele faz um desabafo, sem papas na língua, que bem poderia ser uma espécie de manifesto contra o jornalismo “faz de conta” que nos é servido diariamente pela maioria dos jornais, revistas e emissoras de rádio ou televisão do país.
“Faz de conta” porque tem muito pouca coisa a ver com a realidade e procura nos passar a imagem de que se trata de informação isenta e objetiva. Não sei se a minha experiência pode ser generalizada, mas a cada dia que passa encontro mais pessoas que deixaram de ler jornais, viram a cara para as capas de revistas semanais e evitam os telejornais tentando evitar acessos de irritabilidade.
É muito preocupante ver como as pessoas estão se afastando da imprensa depois de terem sido contaminadas pelo vírus da dúvida sobre a fidedignidade e isenção das notícias publicadas nos principais veículos de comunicação jornalística do país. Mais preocupante ainda é perceber que ainda é grande o número de profissionais que não se deram conta do papel que lhes está sendo imposto pelas empresas jornalísticas.
Boechat, no auge de seu desabafo, diz que mudou sua maneira de ver a ética pública depois de constatar que as redações checam a credibilidade de declarações de cidadãos comuns, mas aceitam sem restrições afirmações de políticos que, segundo o âncora do Jornal da Band, são quase sempre mentirosas porque defendem algum interesse oculto.
A docilidade com que a imprensa aceita o jogo dos participantes do poder político no Brasil é provavelmente a maior responsável pelo desencanto da opinião pública não só em relação aos jornais, mas em relação a quase tudo o que tem a ver com governos.
O jornalismo que nos é oferecido diariamente ganha cada vez mais ares de um grande “faz de conta” em que a imprensa “faz de conta que informa” e nós, o público, “fazemos de conta” que acreditamos no que nos é passado como verdade. É cada vez maior o número de leitores e telespectadores que se preocupam mais em tentar captar o que está nas entrelinhas do que aquilo que é impresso ou dito por jornalistas profissionais.
É claro que a complexidade dos fatos, dados e eventos dificulta enormemente o desafio de informar o público, nos tempos pós-avalancha informativa. Há dezenas de percepções, posicionamentos, vieses e interesses embutidos até mesmo nas notícias mais corriqueiras. São poucos os leitores e telespectadores cientes desta dificuldade. A grande massa do público culpa os jornalistas pelo “faz de conta”.
Mas em nome da preservação do emprego e do status social, a atitude mais comum nas redações é também fazer de conta, agarrando-se ao discurso corporativo que associa críticas e agressividade contra jornalistas à ameaças contra a liberdade de imprensa. Na verdade, muitas pessoas querem dizer apenas que não aguentam mais o jornalismo “faz de conta”.
A saturação com a hipocrisia está dando origem a uma onda de desabafos de todo o tipo de pessoas. Parece que nossa quota de tolerância chegou ao limite, como mostram as explosões de descontentamento popular materializadas nos protestos de rua desde junho. A sobrevivência de Ricardo Boechat na bancada do Jornal da Band ainda é uma incógnita porque o desabafo de seu principal âncora coloca TV Bandeirantes num dilema: se tolera as duras afirmações do jornalista, coloca-se em rota de colisão com o establishment politico de Brasília; mas, se afastar Boechat do seu posto, passa um recibo de autenticidade para tudo aquilo que ele botou na boca do trombone.