Em entrevista aos jornalistas Bruno Rocha Lima e Fabiana Pulcineli, publicada hoje em O Popular, o secretário Giuseppe Vecci (Gestão e Planejamento diz que “a burocracia está corroendo o Estado”. De forma corajosa, o principal auxiliar de Marconi Perillo aborda assuntos considerados tabus e fala da gestão e política. Veja a entrevista na íntegra:
Apontado como um dos secretários mais fortes do governo Marconi Perillo – e também um dos maiores alvos de críticas de outros auxiliares –, o secretário de Gestão e Planejamento, Giuseppe Vecci, defende a contínua modernização da gestão como principal bandeira do governo tucano e admite que sua função desagrada alguns aliados. Para ele, o grande desafio é fazer o Estado recuperar sua capacidade de arrecadar para investir.
O governo criou o Conselho de Investimento e Desestatização, presidido pelo senhor, para intensificar privatizações, concessões e parcerias. Até agora avançou a questão das OSs e o VLT. E quanto aos demais pontos?
Antes de responder, é preciso mostrar a relação entre as ideias do PSDB e os três governos do Marconi Perillo. O PSDB, do ponto de vista programático, sempre teve uma consistência de princípios, a democracia como seu foco, planejamento, o desenvolvimento econômico, a coragem de enfrentar reformas, uma visão social e uma gestão moderna. Os três governos do Marconi se relacionam perfeitamente com esse ideário do PSDB. Nosso governo continua trabalhando em todos esses pontos. Então, acredito que houve uma vitória do planejamento e da modernidade de Estado, capitaneada pelo PSDB. Mantemos o foco social e do ponto de vista econômico tivemos a coragem de trabalhar ações mais dinâmicas, com atratividade de empresas e trabalhando a competitividade. Coisa que começou lá atrás e que fez com que nosso PIB passasse de R$ 17 bilhões para R$ 115 bilhões em dez anos de governo. Nunca deixamos de reconhecer – e o ajuste fiscal sempre esteve presente nos governos do PSDB – que é preciso recurso para fazer o que foi prometido na campanha. E se você tem uma máquina que não oferece recursos suficientes, é preciso chamar, sem ideologia, a iniciativa privada no interesse público. E temos um conjunto de concessões que estão sendo trabalhadas, como a possibilidade de o autódromo permanecer estatal e fazermos subconcessões lá dentro. Discutimos a possibilidade de fazer o mesmo com o estádio Serra Dourada.
“Nós tivemos um percalço político complicadíssimo no segundo ano, que foi a Operação Monte Carlo. O Estado é um ente político e foi contaminado pela operação. Com certeza um conjunto de questões administrativas ficou paralisado ou num ritmo menor em função do que ocorreu.”
Há uma expectativa por inovação no terceiro mandato do governador, já que os dois anteriores conseguiram imprimir marcas. Até agora, essa marca da terceira gestão não aparece. O que o governo pode fazer neste sentido?
É característica dos três governos do Marconi trabalhar na questão da modernidade do Estado, da gestão administrativa. E a cada dia que se atende as demandas da população, criam-se outras. Nós podemos dizer que toda a estrutura que fizemos de modernidade, das agências, da profissionalização, continua. A meritocracia, por exemplo, é uma tentativa de profissionalizar a administração pública. Isso é o Estado voltado para o cidadão. Quando se coloca cerca de 800 gerentes não sendo escolhidos pelo QI (“quem indica”), mas por um processo seletivo, isso provoca um choque internamente, como está ocorrendo. Isso por si só não resolve os problemas do Estado, mas é um passo importante para podermos trabalhar a administração.
Mas o que o sr. acha que vai marcar esse terceiro governo Marconi?
Primeiro, não é uma questão de marcar. O bom atendimento, a vitória do planejamento e da modernidade é algo muito positivo, embora sutil. Naturalmente, na campanha procura-se responder as demandas da população ofertando muito mais do que temos condições de realizar. Então entramos, fizemos um PPA e depois enxugamos para escolher 40 programas para ofertar à população, dentro do PAI (Plano de Ação Integrada de Desenvolvimento). Nosso foco maior é poder tornar Goiás um dos maiores polos de desenvolvimento do País. Tivemos um primeiro ano muito difícil, de ajustes, que é normal. O trabalho que fizemos permite agora que o Estado pegue empréstimos por conta do ajuste. Nós tivemos um percalço político complicadíssimo no segundo ano, que foi a Operação Monte Carlo. O Estado é um ente político e foi contaminado pela operação. Com certeza um conjunto de questões administrativas ficou paralisado ou num ritmo menor em função de tudo que ocorreu. Mas agora acho que estamos organizados e preparados, até porque não ficamos parados. Alguns setores podem ter sido mais contaminados com a Monte Carlo, mas certamente hoje estamos aptos para responder a isso. E como estamos respondendo? Estamos procurando ainda melhorar a infraestrutura do Estado. Ontem (quinta-feira) foi publicado o PIB. Goiás continua crescendo acima da média nacional. Nos quatro trimestres do ano de 2012,crescemos mais que a média. Ora, isso não vai ocorrer para o resto da vida se a gente ficar parado.
O governo não está muito preso na comemoração de índices da economia, explorando investimentos privados, em vez de melhorar mais os resultados da gestão estadual, como na área de infraestrutura?
Nós não escondemos de forma alguma que temos problemas na infraestrutura no Estado. Não escondemos que temos problemas de energia, que temos de melhorar ainda as rodovias, as ferrovias, as telecomunicações, mas nós estamos com recursos suficientes em cima do ajuste fiscal. Isso está nos possibilitando, apesar das dificuldades, ter amanhã ou depois uma situação muito melhor do que temos agora.
O governo está conseguindo agora recursos de empréstimos para investimentos. Mas aí entra a questão da burocracia. Dá tempo de mostrar resultados?
O PAI está ancorado em pilares como uma boa carteira de projetos e fonte de recursos para cada projeto. Nós não estamos chorando falta de recursos. Estamos conseguindo recursos para investimentos, mas estamos procurando outras fontes, como venda de imóveis e recuperação de crédito.
Mas os outros secretários reclamam muito da falta de recursos.
Do ponto de vista de custeio, com certeza. Mas para investimentos, Goiás há muitos anos não tem tantos recursos. São valores grandiosos na área de infraestrutura, de saneamento, para o VLT. Voltando aos pilares do PAI, outro é a desburocratização. A burocracia é grande demais e está corroendo a capacidade do Estado de ser ágil na execução de projetos. Criamos o Conselho de Desburocratização. Você pode dizer “ah, é mais uma estrutura burocrática para cuidar da burocracia” É, mas temos de ter foco de que isso está atrapalhando. Às vezes temos bons projetos e dinheiro e não damos conta de executar no prazo que queremos. O PAI já reduziu a burocracia ao acabar com a exigência de análise prévia para investimentos de até R$ 500 mil.
O PAI estabeleceu metas e prevê avaliações periódicas. As secretarias têm cumprido as metas?
Uma das coisas que sempre se reclama na gestão pública é falta de recursos. Nós fizemos um acordo de resultados com 39 órgãos. Foram apresentados no dia 1º de janeiro, em reunião do governador com todo o secretariado, quem estava azul, vermelho, amarelo. Agora em maio vamos fazer novamente (a avaliação).
A maioria das pastas está azul ou vermelha?
Tem de tudo. Alguns órgãos fizeram um trabalho muito positivo. A verdade é que no Estado todo mundo tem uma ideia muito boa para gastar. Mas o Estado perdeu a expertise de captar recursos e incrementar receitas. Nós estamos resgatando a expertise do Estado nesse sentido.
É por conta dessa cobrança que existem tantas críticas de outros secretários em relação ao senhor?
Eu sou focado em resultados. A função de secretário da Fazenda ou de Planejamento garante uma visão mais macro do Estado. E estamos cobrando. Eu não faço nada que não esteja sintonizado, articulado junto com o governador Marconi Perillo. Tenho tido boa relação com maioria dos secretários. Isso não significa que um ou outro não tenha ficado descontente com algum pedido não atendido.
Outra questão que tem gerado desgastes ao governo e ao senhor é a relação com os servidores. O governo Marconi conseguiu estabelecer uma boa relação nas gestões anteriores, mas hoje há muitas críticas. Como vê essa relação?
Quem mais valorizou o servidor público na história de Goiás, com pagamento em dia, 13º, Ipasgo, capacitação, tem o dever e a responsabilidade de inserir esse funcionalismo no que há de mais moderno no serviço público. A meritocracia, a avaliação de produtividade, servem para corrigir distorções dos que trabalham muito e ganham pouco em detrimento de outros. Amanhã, quando isso estiver concluído, o servidor público terá orgulho. Vão entender que todas essas ações corroboram no sentido de dar ele a respeito perante a sociedade e condição de se inserir na administração de acordo com sua capacidade. Não é mais uma ação politiqueira. Quantas críticas tivemos por conta da meritocracia? Hoje o governo federal quer implantar.
Não apenas por parte de servidores, mas também de outros auxiliares de governo e de deputados, o que se fala é que o sr. é muito centralizador e autoritário.
Tem muita gente que gosta de plantar coisa na mídia para poder colocar um ideário, uma cara em alguém. Eu entendo o seguinte: nós precisamos ter coragem de enfrentar os problemas estruturais, que existem em todo o País. A folha de pessoal é um problema crucial. Temos de exigir profissionalização. E isso cria uma cultura do conhecimento, da educação. Temos de tirar um certo comodismo existente na administração. Esse chamado centralismo que se fala é porque a Segplan é o local de gestão do Estado. E fazemos um trabalho transformador na modernização da administração. Isso traz desgastes? Traz. Amanhã, se Deus quiser, haverá cada vez menos secretários tidos, entre aspas, como centralizadores.
Mas o sr. percebe que entra em situações de confronto com outros secretários?
Eu sou um técnico com uma visão política de Estado. Sou obcecado por resultados. Tem uma frase muito interessante: “Em Deus eu acredito. O resto tem de me trazer dados”. E há uma outra frase que eu acho muito interessante para conjugar o interesse técnico e político: “Os trabalhos técnicos qualificam a política. E a política dá sentido aos trabalhos técnicos”. Não tem cabimento você só fazer trabalho técnico sem um norte político. E não dá também para você fazer politicagem sem estar ancorado em termos técnicos.
Há um consenso no governo de que, para se eleger, Marconi Perillo fez muitos compromissos políticos. Acha que essa questão atrapalha a administração?
Não é só Marconi Perillo. É Dilma, Alckmin, Eduardo Campos. O País é meio parlamentarista e meio presidencialista. Isso faz com que todos necessitemos de apoio para governar. Quem não faz coalizão não consegue governar. Há, sim, compromissos e é positivo ter base política, compartilhar com outros partidos.
Mas concorda que Marconi é mais alvo de pressões da própria base do que nos governos anteriores?
Concordo plenamente. As demandas crescem. As conquistas de ontem não servem mais para se vangloriar. Hoje há demandas por outras conquistas. É normal isso.
O sr. minimiza um pouco, mas o que se observa é uma disputa muito intensa entre grupos no governo e uma pressão tão grande sobre o governador, a ponto de ele não conseguir tomar medidas no momento que acha apropriado. Isso não atrapalha?
Eu acho que pressões existem de tudo quanto é lado. Dentro do PSDB mesmo. Ninguém quer uma convergência total das pessoas. Por que é importante o planejamento? Porque é o que pode nos unir. Ele foi feito antes da campanha. Eu entendo (a disputa de grupos) como natural. Pode-se dizer que está exagerado, que os grupos estão se digladiando. Mas é assim. Daqui a pouco, mexe uma peça, mexe outra peça e a coisa acalma.
Mas, por exemplo, se o governador quer trocar um secretário porque não atende justamente essa questão do planejamento e, por pressões, ele não consegue, isso não prejudica o andamento do governo em alguns setores?
Eu acho que retarda. Infelizmente, mas é esta a situação política do Brasil. É ruim porque não temos a velocidade que gostaríamos, mas é normal no viés político.
O sr. acha que todos os secretários do governo seguem, aderiram e acham positivo o planejamento que vocês propõem?
Eu nunca perguntei para eles se têm resistência, não. Porque o planejamento foi feito antes pelo candidato a governador, a vice-governador. Eles que implementaram. O PAI estabelece o que tem de ser feito. Os compromissos não foram feitos com a base, mas com a população, com os municípios. Quem entra no governo, tem de aderir a isso. Uns podem gostar mais ou menos, mas são questões definidas. A partir do momento que se está no governo, pode até espernear, mas há um norte, um planejamento. O governador toda vida gostou de planejamento. E é isto que estamos fazendo.
Acha que para o governador e o PSDB o melhor é a candidatura à reeleição?
Eu acho que hoje o Marconi ainda é o grande líder para o Estado de Goiás. Pelo seu dinamismo, capacidade, articulação política, devoção ao planejamento e garra de trabalhar para o desenvolvimento do Estado, ele certamente é o nosso plano A e plano M para ser candidato (risos). Se vai ser ou não, ele vai analisar na época certa. Nós temos muitos desafios. Visão de futuro, o abismo da renda, desequilíbrios regionais, disparidades. Ainda temos que certamente procurar interagir mais com os segmentos populares organizados. Mas eu acho que o grande desafio é ter uma nova prática política em contraste com o fisiologismo que permeia a administração pública, em contraste com o assistencialismo vicioso existente e com a prática paternalista.
O sr. será candidato a algum cargo em 2014?
Primeiro, eu me acho um técnico, focado em resultados, mas que tem visão política de Estado. Eu tenho visto algumas discussões sobre candidatura, mas não falei sobre isso. Agora, como eu trabalho e sou de partido, já estou maduro o bastante para não ficar correndo de A ou B. Eu nunca fiz nada em nível de governo, até pelo bom relacionamento e pela amizade e admiração que eu tenho pelo governador, que não fosse articulado e desenvolvido por ele. Amanhã, se meus companheiros entenderem que eu possa ser alguma coisa, não vou fugir (de candidatura) como já fugi outras vezes. Só isso.
O governador quer que o sr. seja candidato?
Até agora não tivemos uma conversa decisiva, até porque está muito longe e, como vocês mesmos colocaram, a minha pessoa ainda representa alguns barramentos. Mas se isso aparecer, eu não tenho preocupação em me entregar efetivamente a essas questões. Apesar de me qualificar como técnico, focado em resultado, que gosta de receber ordens e cumprir, eu não me furtaria certamente se as condições forem favoráveis, se ensejarem um desejo do partido e do governador, a me colocar como candidato. Como não é uma decisão pessoal, é a qualquer cargo. Eu só não estou agora, com certeza, em cima do muro.