domingo , 29 dezembro 2024
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“Liberdade de expressão do pensamento representa um dos pilares em que repousa a ordem democrática”

Veja artigo de Carlos Alberto Di Franco sobre a censura na imprensa:
A síndrome da censura

O mais recente caso de proibição judicial ao trabalho jornalístico – a proibição de que o jornal Gazeta do Povo, do Paraná, publique informações sobre investigações abertas contra o presidente do Tribunal de Justiça do Estado, Cleyton Camargo – reacende a síndrome da censura prévia no Brasil.

Vamos aos fatos que serviram de gancho para o rebrotar da censura. Em abril, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) abriu investigação para apurar a suspeita de venda de sentença pelo desembargador Cleyton Camargo. A advogada de uma das partes de uma ação que ele julgou, quando atuava como magistrado da área de Família, o acusou de ter recebido dinheiro para decidir em favor da outra parte, em uma ação que envolvia disputa da guarda de filhos, em 2011. No mês passado, a corregedoria do CNJ abriu outro procedimento, desta vez para investigar suspeita de que Cleyton Camargo teria usado sua influência para favorecer a candidatura do filho, o deputado estadual Fábio Camargo (PTB), à vaga de conselheiro do Tribunal de Contas do Estado do Paraná. Fábio tomou posse no final de julho.

A liminar garantindo que as notícias sobre as denúncias não fossem publicadas no jornal foi concedida há um mês. O desembargador, no pedido, sustenta que “os fatos em notícia (…) vieram impregnados pelo ranço odioso da mais torpe mentira”. Pediu, ainda, que as reportagens sejam banidas do portal do jornal na internet. Quer dizer: censura prévia multiplataforma. Proíbe-se a sociedade de ter acesso a informação de indiscutível interesse público.

Sem prejuízo do meu sincero respeito pelas decisões do Judiciário, a censura prévia é uma bofetada na democracia. O controle ao jornal é mais um precedente gravíssimo. É importante que a sociedade reaja. Caso contrário, a violência judicial pode se transformar em rotina.

“Nada mais nocivo que a pretensão do Estado de regular a liberdade de expressão, pois o pensamento há de ser livre, essencialmente livre. Liberdade de imprensa concerne a todos e a cada cidadão. Esta garantia básica, que resulta da liberdade de expressão do pensamento, representa um dos pilares em que repousa a ordem democrática”. São palavras do decano do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Celso de Mello, um sensível defensor dos valores democráticos.

O que está em jogo, para além da garantia constitucional da liberdade de imprensa, é o direito que tem a sociedade de ser informada. É difícil imaginar que o Brasil possa superar a gravíssima crise ética que transformou amplos setores do serviço público num exercício de cinismo e arrogância, sem ampla liberdade de imprensa e de expressão.

Alem de inconstitucional, a liminar que censura o trabalho da Gazeta do Povo caminha na contramão do anseio de transparência no comportamento dos homens públicos que domina a sociedade brasileira. A experiência demonstra que a escassez de informação tem sido uma aliada da perpetuação da impunidade. É claro que os veículos podem e devem ser responsabilizados judicialmente por eventuais abusos cometidos na sua atividade noticiosa. Mas isso nada tem a ver com a permissão para a prática da censura prévia.

Mas não são apenas decisões judiciais equivocadas, mesmo por pouco tempo, que ameaçam a liberdade de expressão e de imprensa. Preocupa também, e muito, o controle da mídia por grupos com projetos de poder e perfil marcadamente radical e antidemocrático. A democracia cresce quando os meios de comunicação têm trajetórias transparentes. A defesa do Estado de Direito passa, necessariamente, por um compromisso claro e histórico com plataformas de informação. Pode-se concordar ou discordar com a linha editorial das empresas de comunicação, mas há um valor inegociável: a transparência do negócio e o compromisso com valores éticos básicos. Jornalismo não é, e não deve ser, propaganda ideológica ou passaporte para ações pouco claras.

O combate à corrupção e o enquadramento de históricos caciques da vida pública só tem sido possível graças à força do binômio da democracia: jornalismo livre e opinião pública informada.

 

Carlos Alberto Di Franco, diretor do Departamento de Comunicação do Instituto Internacional de Ciência Sociais – IICS (www.iics.edu.br ) e doutor em Comunicação pela Universidade de Navarra, é diretor da Di Franco – Consultoria em Estratégia de Mídia (www.consultoradifranco.com ). E-mail: difranco@iics.org.br

 

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