domingo , 22 dezembro 2024
Opinião

Artigo de 1940 desvenda os sete dispositivos da propaganda. Continua atual até hoje

O corretor de imóveis Manoel Dias postou no seu perfil do Facebook um interessante artigo sobre propaganda.

 

Leia:

 

Os sete dispositivos da Propaganda

Em 1940 um artigo denunciava os chamados “sete dispositivos da Propaganda” e exortava os leitores a detectá-los por ser uma necessidade absolutamente vital para não serem enganados. Setenta e três anos depois esses dispositivos continuam ativos apesar da absoluta obviedade, exagero, “overacting” e, principalmente, canastrice dos intérpretes desses verdadeiros scripts que são reeditados sob uma roupagem moderna e descolada por marqueteiros e publicitários. Como é possível que depois de tanto tempo esses dispositivos continuem na linguagem da mídia, da Política, do Marketing e da Publicidade? E, apesar da explícita natureza fake e não-espontânea desses dispositivos, continuam a pautar a sociedade e conquistar corações e mentes. Qual a causa dessa invasão da canastrice na política e na esfera pública?

Nesse final de semana um amigo mostrou-me um antigo exemplar de uma revista de artes gráficas norte-americana chamada “Print – A Quartely Journal of the Graphic Arts” de setembro de 1940. É muito mais do que uma revista, pois combina delícias visuais e belíssimas fotografias com textos pesados e com foco sério.

A revista abre com um ensaio intitulado “Propaganda e Artes Gráficas – a influência na opinião pública para a Unidade Nacional” de William E. Rudge. O texto nos oferece diversos exemplos de “mensagens positivas”, abordando como o design gráfico pode ser uma ferramenta para “condicionar o comportamento humano”. Rudge escreve: “é absolutamente vital distinguir, através da compreensão e análise, a boa e a má propaganda. Não se deixe enganar!”.

O mais notável é uma lista que o autor faz dos “Sete Dispositivos de Propaganda para os quais devemos estar atentos”.

Os sete dispositivos descritos pelo autor parecem ser um tanto óbvios. Mas o incrível para mim é que, ainda em 2013, esses dispositivos clichês, exagerados, óbvios, saturados ou “overacting” (essa expressão inglesa parece ser a que melhor define-os) ainda são as principais ferramentas de engenharia de opinião pública. Vemos esses dispositivos o tempo todo sendo usados por políticos, relações públicas de empresas e “front groups”, reportagens em telejornais, discursos de porta-vozes de governos e peças publicitárias. A cada crise, eleições ou intervalos publicitários, lá encontramos esses mesmos dispositivos, reeditados em formatos modernos, descolados e antenados.

Por que tais dispositivos ainda continuam mobilizando pessoas, moldando a opinião pública e agendando a pauta de discussões das mídias e entre as pessoas? Como é possível que táticas tão caricatas, antigas e surradas ainda têm credibilidade e ressonância na sociedade?

Para tentar encontrar uma resposta, em primeiro lugar vamos enumerar e atualizar esses sete dispositivos explicados por Rudger.

1. Dispositivo de Estereotipagem

Incita as pessoas a criarem um julgamento sem examinar a evidência no qual o objeto possa estar baseado. Os propagandistas apelam para os nosso ódio e medo. Isso é feito ao aplicar “xingamentos” a indivíduos, grupos, nações, raças, políticas, práticas ou crenças. Em telejornais, qualquer show popular na periferia onde ocorreu um crime, chacina ou desordem é rotulado como “baile funk”. Qualquer culto afro-brasileiro é associado a “macumba”. “Terrorista”, “radicais”, xiitas ou “muçulmanos” são rótulos genéricos que dão nomes aos nossos temores mais irracionais. Suas fotografias são caricatas e exageradas – barbas mal aparadas, olhos esbugalhados ou ferinos, enfim, rostos de “maus”. A estereotipagem é evidente por si mesma, não são necessárias provas ou evidências. Por exemplo, em um “baile funk” só pode ocorrer coisas ruins. Ou pessoas com aquelas caras só podem ser terroristas.

2. Dispositivo das Generalidades Brilhantes

Propagandistas criam a identidade de um programa através de “palavras virtuosas”. Aqui se encontra o apelo a emoções como amor, generosidade e amizade. Usam-se palavras genéricas contra as quais ninguém pode se contra: liberdade, verdade, honra, justiça social, interesse público, direito ao trabalho, lealdade, progresso, democracia, defesa da Constituição etc. Se um artista como Bono Vox faz uma turnê com sua banda U2 pelo “fim da fome e da pobreza na África”, quem poderá se insurgir contra um desejo tão virtuoso? Afinal, Bono Vox está fazendo a “sua parte”. Essas palavras sugerem brilhantes desejos de “homens de boa vontade”. Mas, concretamente, o “como” realizar tais ideais é colocado entre parêntesis. Afinal, cada um faz “a sua parte”. Outra pessoa que ponha em prática. A tática da estereotipagem nos influencia a criar um julgamento para rejeitar e condenar sem provas. A tática das generalidades brilhantes nos faz aceitar e aprovar sem nenhum exame crítico dos possíveis meios para alcançar o ideal divulgado.

3. Dispositivo de Transferência

Propagandistas transferem algum tipo de autoridade, sanção ou prestígio de alguma coisa que nós respeitamos ou reverenciamos para algum programa que querem que aceitemos. Alguém se torna “presidente de honra” de uma empresa para que transfira seu prestígio ao novo presidente que o substituirá. Um jovem candidato é fotografado ao lado de uma lenda da política. Ou um cientista com pesquisas no exterior se deixa fotografar com a camisa aberta para que vejamos uma outra verde-amarela para conseguir a sanção nacionalista da opinião pública. Símbolos são constantemente usados: a cruz, a bandeira, combinações de cores etc.

4. Dispositivo do Testemunhal:

Aceitamos qualquer coisa, de uma patente médica ou um cigarro a um programa de política pública. O propagandista lança mão de testemunhos. Um recurso metomínico da parte substituir um todo. Um depoimento de um só médico, de uma só celebridade ou de um popular garante a aceitação do programa ou produto. A evidência está na visibilidade do testemunho. (Visibilidade x fama = Credibilidade). Essa fórmula resolve o problema lógico de um só exemplar representar a totalidade de um gênero.

5. Dispositivo da Pessoa Simples

O mito da “pessoa simples” é o dispositivo usado por líderes políticos, homens de negócios, ministros, cientistas ou celebridades para ganhar nossa confidencia e parecerem “pessoas como nós”. Candidatos mostram sua devoção com crianças no colo de potenciais eleitores; um emérito cientista torce por determinado time de futebol no twitter. À época da ascensão dos Nazistas ao poder nos anos 1930, a imprensa divulgava fotos de Hitler na sua vida privada ao lado de seus cães. Na revista “Life” Mussolini posava em uma foto com seus filhos e netos nessa mesma época.

6. Dispositivo das “Cartas Empilhadas”

Propagandistas contam uma única parte da verdade. Mas é como empilhasse cartas sobre a verdade, de tal maneira que um lado ou fator será mais enfatizado do que o outro. Dados estatísticos, gráficos e tabelas nada dizem, a não ser criar uma espiral de interpretações: números absolutos são tomados como verdade, esquecendo-se dos números relativos. A inflação caiu, mas por outro lado, podemos dizer que ela subiu, porém em um ritmo menor… Propagandas de pasta de dentes são hábeis em contar meias verdades: uma tem “flúor garde”; outra diz ser “antitártaro”, como qualidades únicas e exclusivas. Omitem que todas as pastas têm flúor e são antitártaros.

Uma variação desse dispositivo é o doublespeak (dupla fala) onde alterações de palavras podem alterar a resposta emocional do público. Por exemplo, a utilização do jargão pode contaminar a compreensão, obscurecendo o verdadeiro significado que seria passado com palavras diretas. A expressão “artilharia aérea” substitui a palavra “bomba”. “Defesa” é colocada no lugar de “Guerra”. Enchentes viram “pontos de alagamento” e quebras em composições de trem e metrô tornam-se “falhas pontuais no sistema”.

7. Dispositivo do “Carro de Propaganda”

Esse dispositivo nos faz seguir a multidão, aquilo que supostamente a maioria pensa e faz. Ou, pelo menos, o que a gente pensa que a maioria pensa e faz. O tema aqui é “todos estão fazendo isso”. Como ninguém quer ser deixado para trás por temer a solidão, exclusão ou esquecimento, queremos seguir a tendência majoritária. Está associado ao conceito de “Espiral do Silêncio” de Elizabeth Noelle-Neumann onde a criação de um “clima de opinião” pode isolar grupos discordantes até a extinção pela sua autopercepção do isolamento. “Havaianas: todo mundo usa!”. Poderíamos responder, “todo mundo quem, cara pálida!” O slogan quer criar o clima de opinião onde pessoas isoladas, temendo ficarem de fora da “onda”, embarquem em uma mera percepção psicológica sem fundamento real, o “carro da propaganda”. Claramente esse dispositivo baseia-se no medo de ficar excluído e no ódio daqueles que estejam fora do grupo, da massa, da maioria ou da nação.

A Canastrice na Propaganda

Lendo esses sete dispositivos de propaganda é nítido que eles se baseiam nos instintos mais básicos humanos: medo, ansiedade e sexo – este último latente no dispositivo do testemunhal onde sex appeal reforça a conexão retórica entre “celebridade” e causa, programa ou produto.

Mas apenas isso não explica a longevidade dessas táticas.

Há algo na estética de tudo isso que incomoda pela previsibilidade e canastrice dos atores que representam os scripts elaborados por publicitários, relações públicas e marqueteiros.

No filme “Mera Coincidência” (Wag The Dog, 1997) um presidente concorrendo à reeleição nos EUA é envolvido em um escândalo sexual. Com a ajuda de um produtor de Hollywood e um relações públicas cria uma guerra fictícia com a Albânia como estratégia de desvio da atenção. Um suposto vídeo real (na verdade produzido em estúdio) é exibido pelas emissoras de TV: vemos uma jovem albanesa com um gatinho branco nos braços fugindo de terroristas estupradores em meio ao fogo cruzado de bombas e incêndios. Tudo muito melodramático, “over”, kitsch, estereotipado e com o “appeal” e “look” semelhante às produções medianas de Hollywood e “sitcons” do horário nobre. Apesar disso, jornalistas e a opinião pública mordem a isca do suposto vídeo “vazado” como fosse um vídeo documental.

Fica a questão: como ninguém percebe a evidente natureza ficcional do vídeo, feito com recursos estéticos manjadissimos do pior do cinema e TV? A opinião pública não percebe a natureza “fake” ou “forçada” destes pseudoeventos porque própria estrutura de percepção do real já foi alterada anteriormente por décadas de cultura pop: tomar o real não a partir dele mesmo, mas a partir dos seus simulacros.

Depois de décadas de cultura pop visual nossa percepção para o real foi invertida pelo hiperrealismo das imagens: tomamos o real não mais por ele mesmo, mas a partir de imagens anteriormente feitas dele. Olhamos nossos filhos a partir das suas fotos e vídeos caseiros, vamos a pontos turísticos esperando que eles confirmem as fotos dos folders promocionais do pacote de viagem.

Se observarmos as fotos de momentos íntimos e afetivos postadas no Facebook perceberemos um grande número de imagens que reproduzem os clichês de composição visual dos filmes hollywoodianos – amantes se beijando tendo o sol poente em contraluz, namorados correndo para se abraçarem com o mar azul ao fundo etc.

Ou seja, toda a canastrice dos intérpretes desses dispositivos de propaganda e a obviedade dos scripts não são percebidos como fakes, forçados ou não-espontâneos, pois a nossa percepção do real já está há muito tempo invertida por gerações de vivência em ambientes midiáticos e, principalmente visuais.

Apesar de toda obviedade e “overacting” esses sete dispositivos da propaganda ainda continuam conquistando corações e mentes. A canastrice dominou a Política.
Por Wilson Roberto Vieira Ferreira – Cinegnose