O ataque da sociedade atinge a mídia também, que é cobrada pela responsabilidade na crise de credibilidade que enfrenta. Quem diz isso é o colunista Marcelo Coelho, da Folha de S. Paulo, que criticou Arnaldo Jabor, da Globo.
Leia:
A vez da mídia
Se o pensador mais ousado da Globo se chama Arnaldo Jabor, talvez seja momento de uma autocrítica
Partidos, Congresso, sindicatos, governantes –não há instituição democrática que não esteja sob o foco de críticas. Falta falar de outra instituição, a imprensa. Ou “a mídia”, como prefere dizer quem já se põe no campo de ataque.
Acho que há três pontos a destacar. Em primeiro lugar, a ideia de que as redes sociais, como o Facebook, aposentaram a mídia tradicional. De um ponto vista, faz sentido. De outro, não.
Claro que, graças ao Facebook, foi possível avaliar, por exemplo, se valeria ou não a pena participar da manifestação de segunda-feira passada, dia 17 de junho. Quanto mais adeptos no mundo virtual, mais se sente que o momento de passar à vida real já chegou.
Não é tão claro o raciocínio de que, com as redes, elimina-se a função dos jornais e das empresas de comunicação. Muito do que se compartilha no Facebook, em termos de notícia e opinião política, tem origem nos órgãos jornalísticos organizados, sejam impressos, audiovisuais ou da própria internet.
Passo com isso ao segundo ponto. Quem está protestando contra o pastor Feliciano, a PEC 37, Renan Calheiros, os gastos da Copa, e outros mil problemas, teve sua indignação despertada pelas notícias dos jornais e da TV.
São as reportagens de sempre, com sua rotina de sempre, que acumularam essa insatisfação contra o sistema político. E, se a mídia noticiou os casos de vandalismo, também foram indispensáveis para mostrar os abusos policiais.
A imprensa sai então glorificada dessas movimentações? Com toda evidência, não. Houve ataques contra emissoras de TV e contra repórteres respeitabilíssimos, como Caco Barcellos. Há mais.
Acredito que, graças à conquista de um poder de autoexpressão possibilitado pela internet, as pessoas que se manifestam nas ruas e nas redes se sentem mal representadas na mídia tradicional.
Em parte, a “crise de representação” que se verifica no caso de partidos e Congresso se reflete nas relações entre imprensa e cidadãos.
Existe a sensação, claro, de uma desigualdade de poder de fogo: grandes empresas de comunicação podem mais do que sites e blogs isolados.
Há também um abismo geracional. Incluo-me entre os que envelheceram. E olhe que à minha volta, nos chamados formadores de opinião, nos analistas, comentaristas, sociólogos, filósofos, urbanistas, técnicos e economistas que, sempre os mesmos, são os entrevistados nessa época, a maioria está na ativa desde que eu era criança…
Quando o pensador mais ousado e “irreverente” da Globo se chama Arnaldo Jabor, talvez seja o momento de uma autocrítica.
A alienação, o distanciamento entre a imprensa e os manifestantes se dá em outros níveis também. Ao voltarem-se contra governantes, as passeatas denunciam o contraste entre o mundo oficial, movido a discursos eleitorais, planilhas técnicas e blá-blá-blá de marqueteiros, e uma realidade cotidiana da qual todos se esquecem assim que assumem o poder.
É injusto dizer que um jornal como a Folha se esquece de apontar falhas na saúde, nos transportes e na educação. Ao contrário, isso é noticiado todo dia, com investigação e detalhe.
Mas, assim como os políticos só parecem acordar para o interesse público às vésperas da eleição, também os jornais concentram-se excessivamente, a meu ver, no calendário eleitoral. Não há dia –mesmo nestas últimas semanas– em que não saiam notícias sobre as movimentações de Aécio e Eduardo Campos, ao lado dos clássicos prognósticos de que Dilma vai se reeleger se a economia não piorar muito.
A rotina desse tipo de cobertura mata os jornais, e interessa a pouquíssimas pessoas. As próprias reportagens sobre corrupção e mazelas administrativas me parecem difíceis, chatíssimas de ler.
Há a obrigação de revelar dados, estatísticas etc., sem o que estaríamos retrocedendo a um jornalismo da Idade da Pedra. Ao mesmo tempo, acho que isso trouxe um risco de rotinização e tecnicalismo que afasta o leitor –e não adianta “emburrecer” a linguagem para trazê-lo de volta.
Chamo “emburrecer” o processo que leva à elaboração de boxes, por exemplo, dizendo “entenda o que é o mensalão”, “entenda o que é reforma política” ou coisa parecida. “Entenda, é sua última chance”…. Mas os manifestantes destes dias parecem estar entendendo mais do que se pensa.