Veja entrevista de Francisco Weffort, fundador do PT, publicada pela revista Época:
O cientista político Francisco Weffort, de 75 anos, é um dos pensadores mais respeitados do país. Ex-ministro da Cultura no governo de Fernando Henrique, fundador do PT e secretário geral do partido entre 1984 e 1988, Weffort voltou à vida acadêmica, como professor colaborador do Instituto de Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Em entrevista a ÉPOCA, cujos principais trechos estão na edição desta semana da revista (conteúdo restrito para assinantes), ele fala sobre os grandes pecados do PT desde a sua fundação, em 1980, o papel do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva nesse processo e a crença no socialismo ainda existente entre os militantes do partido. Segundo Weffort, Lula “nunca autorizou” a defesa do socialismo pelo PT. “O Lula, na verdade, nunca falou muito de socialismo. Ele não sabe o que é isso”, afirma.
ÉPOCA – O senhor foi um dos fundadores do PT, em 1980, e se desligou do partido em 1995. Por quê? O que o afastou do PT naquela época?
Francisco Weffort – Na verdade, eu tinha me afastado um pouco antes, desde 1988, 1989, porque a experiência do PT foi muito interessante para mim, nos primeiros anos, realmente muito interessante. Mas, depois, comecei a me dar conta de que a competitividade interna do PT era mais ou menos igual à de qualquer outro partido. O PT deu naqueles anos uma importante contribuição democrática para o Brasil. O problema é que o PT se dividia em facções, que tinham bandeiras ideológicas muito explícitas e disputavam eleições internas e externas. Quando tinha uma eleição qualquer, para vereador ou deputado, havia disputas acirradas por lugar nas chapas do partido. O sistema brasileiro de voto estimula a competição entre os que são mais semelhantes entre si, dentro do mesmo partido, estimula a competição intrapartidária. Então, aquele sujeito que tem ideias mais semelhantes às suas dentro do partido, e que colabora com você durante os tempos de atividade normal do partido, vira seu adversário na eleição.
ÉPOCA – Em que sentido o senhor diz que a legislação leva a uma disputa interna nos partidos do país?
Weffort – É porque quem disputa com um candidato que venha do professorado é outro professor; quem disputa com um outro candidato que venha do sindicalismo é um outro sindicalista, porque é ali que ele vai poder encontrar voto. Quem disputa com os candidatos do seu bairro é outro candidato do seu bairro, tanto na indicação na chapa do partido como na eleição propriamente dita. Isso acabou introduzindo um elemento de competitividade que azedou em vários momentos as relações dentro do PT. Não era nada muito grave, mas azedou. Para as pessoas que estivessem mais dispostas a se dedicar profissionalmente à política, esse era o caminho a trilhar. Mas não era o meu caso. Eu já era professor na universidade, professor titular, tinha nos primeiros anos do PT sacrificado parte da minha carreira acadêmica por causa da política. Então, eu falei: “Não, isso não me interessa”.
Além do mais, logo depois, na eleição de 1994, eis que o competidor do Lula era o Fernando Henrique, que foi meu professor. Para mim, era tudo muito complicado. Primeiro, eu não estava muito bem no PT. Em segundo lugar, eu iria participar de uma competição, como participei, apoiando o Lula, contra o sujeito que tinha sido um dos meus melhores professores e era meu amigo. Eu tinha trabalhado com ele no Chile, na época do regime militar no Brasil. Houve um momento em que eu falei: “Tudo isso é um preço muito alto, eu vou sair fora”.
ÉPOCA – Hoje, quando o PT está completando 33 anos, como o senhor, que participou de sua fundação, vê o partido, sob impacto do Mensalão, da condenação de algumas lideranças importantes pelo Supremo Tribunal Federal (STF) e da multiplicação de casos de corrupção no governo?
Weffort – Eu acho que o PT deu uma contribuição democrática importante ao país na sua fase inicial e com as próprias campanhas do Lula para a presidência. Mas a minha hipótese é que o PT carrega o vício do imposto sindical. O PT era contra o imposto sindical. E era contra por razões boas. O imposto sindical não é fiscalizado por ninguém. Então, no Brasil, você tem um sindicalismo que o próprio pessoal do PT classificava como “sindicalismo de carteirinha”, que é uma fantasmagoria que serve para financiar a ascensão pessoal de alguns sujeitos em nome do sindicalismo. O Lula – e alguns outros – foi uma exceção na primeira fase. Mas a máquina é tão poderosa que o próprio Lula, embora fosse contra o imposto sindical, acabou sendo um “filhote do Getúlio”. Eles acabaram fazendo mais ou menos aquilo que eles condenavam
Quando Getúlio criou as leis sindicais, em 1943, aquilo representou uma conquista no que diz respeito aos direitos sociais dos trabalhadores, mas introduzia também o vício do corporativismo. Isso não levou ao mensalão, mas abriu espaço para algo desse tipo acontecer. Eles ultrapassaram o Getúlio, porque seria uma injustiça histórica ao Getúlio dizer que ele inventou o Mensalão. Porém, o contexto no qual o Estado absorve as lideranças políticas emergentes transformou a atividade política em certas áreas em algo vulnerável a esse tipo de coisa.
ÉPOCA – Por que o senhor considera essa questão do corporativismo tão importante na trajetória do PT?
Weffort – Esse ambiente corporativista no Estado brasileiro significou para alguns quadros importantes do PT uma ascensão sindical muito mais fácil do que seria sem o imposto sindical. Embora muitos tenham sido lideranças efetivas o ambiente sindical em que eles viviam era um ambiente amolecido. Agora, o grande problema é a introdução pelo corporativismo de um desvio da lógica representativa. Quando você tem dinheiro público para fazer um tipo de política, abre espaço para as irregularidades. O MST (Movimento dos Trabalhadores Sem Terra) recebe dinheiro do Estado. Várias entidades são chamadas de organizações não governamentais, mas na verdade não são independentes. Elas foram criadas nessa atmosfera populista. Isso introduziu um veneno na representação partidária. Era algo condenado no início do PT, mas eles acabaram adotando isso como norma.
Essa democracia corporativa brasileira desnaturou, transtornou a lógica do sistema representativo no Brasil. Então, os partidos que estão sempre agrupados em torno do incentivo federal. Por quê? Porque o dinheiro vem de lá. Por que os grandes estados, como São Paulo, Minas e até o Rio, Pernambuco, são menos afetados? Porque têm um pouco mais de recursos. Agora, há estados cuja administração é quase inteiramente dependente do dinheiro federal. Então, o corporativismo não afetou só o PT. Afetou o PT e todos os outros partidos, a política como um todo no país. Além do mais, é um corporativismo que também afetou o próprio sistema de representação sindical e empresarial. O PT deu um passo a mais no descaminho. Mas o descaminho já era um descaminho institucional.
ÉPOCA – Então, quando o senhor olha o PT hoje qual é a sua visão do que se tornou o partido?
Weffort – Apesar dos desvios, das distorções eu acho que o PT tem, ainda hoje, um compromisso popular. Até porque na democracia brasileira, que é uma democracia de massas, todo mundo tem que, pelo menos, aparentar um compromisso popular, porque se não fizer isso, não ganha eleição. E eu acho que o PT e o Lula, em especial, têm esse compromisso popular. Mas, em termos de política, o PT se desnaturou completamente. Seu compromisso popular vai até o Bolsa Família, até uma política econômica que enfatiza o consumo permanentemente, mas é um compromisso popular que perde inúmeras oportunidades de desenvolvimento econômico do país, porque não é capaz de aceitar que compromisso com o popular tem de ser um compromisso com o desenvolvimento da Nação. Isso às vezes é duro de fazer.
Época – Em sua opinião, qual foi o papel do Lula na evolução do PT?
Weffort – O Lula sempre foi mais importante que o PT, desde que ele apareceu como o primeiro grande líder de massas no movimento sindical depois de 1964, naquela famosa greve dos metalúrgicos de 1979. A partir daí, ele emplacou na política e continuou com um desempenho de massas impressionante. Às vezes os brasileiros não se dão muito conta de que o Brasil é a terceira ou quarta maior democracia do mundo, depois da Índia e dos Estados Unidos. É muita gente. A comunicação de massa no Brasil é importantíssima. E o Lula na área do PT é o primeiro crooner. Ele sempre teve uma grande habilidade de ficar em cima do muro quando a conveniência o aconselhou. Dentro e fora do partido. É um excelente negociador. O Lula tem, provavelmente, a responsabilidade de ter controlado certo radicalismo petista de origem ideológica. Evidentemente, é muito mais importante para o PT ter uma figura que chegue à massa, como o Lula, do que meia dúzia de radicais.
ÉPOCA – Quando o PT surgiu tinha um perfil internacionalista muito forte, até em oposição ao próprio PTB e PDT de Leonel Brizola que tinha aquela coisa mais dos anos 50/60, nacionalista. Hoje, o PT também parece ter perdido isso. Como o senhor explica essa mudança?
Weffort – A questão é a seguinte: o PT mudou totalmente, em termos de política internacional. Ele mantém o pretenso charme de uma antipatia americana, que, aliás, se torna cada vez menos eficiente, porque nos Estados Unidos, foi eleito o Obama, que é um negro. Isso na democracia americana é uma revolução. O PT tinha uma pretensão antiamericana, que vinha do getulismo, do brizolismo, do nacionalismo brasileiro tradicional. Hoje, não tem mais nada. O PT tem que ter a política econômica que as circunstâncias econômicas do mundo globalizado impõem. Quando o Fernando Henrique ganhou do Lula na eleição de 1994, era muito difícil distinguir qual a política econômica de um ou de outro. É óbvio que numa democracia de massas como a nossa, que é uma grande democracia eleitoral, quando dois candidatos se aproximam em expectativa de voto, a tendência deles é disputar o voto de centro. Quem decide é o indeciso. E o indeciso não está muito interessado nisso. Então, você fica com um charme um pouco mais liberal de um lado, um charme um pouco mais social democrata de outro. Eles se confundem com muita frequência, mas o meio é que decide.
ÉPOCA – Aquela coisa do socialismo do início, aquela coisa da ética na política, foi tudo para o brejo?
Weffort – Na verdade, não dá mais para falar de socialismo. A não ser que alguém diga que a Rússia hoje é socialista. Ou que a China é socialista. Não tem mais socialismo. É preciso lembrar que o PT foi criado em 1979/1980. A grande derrubada do socialismo foi em 1989, com a queda do Muro de Berlim. Quando o PT foi criado ainda havia uma União Soviética, por mais que ela estivesse desmoralizada politicamente. Cuba também não estava bem, mas ainda tinha certa força, certo prestígio em alguns círculos. Quando o Lula foi eleito para a presidência, o PT ainda mantinha um palavriado socialista, que o Lula nunca autorizou. O Lula é, até pelas dificuldades idiomáticas que ele tem, de uso da linguagem, um campeão das metáforas, que por definição são sempre muito ambíguas. Ele, na verdade, nunca falou muito de socialismo. Ele não sabe o que é isso. Nunca se interessou em saber. O Lula não tem o que dizer sobre o socialismo, porque ele não pensava em socialismo nenhum. Na verdade, o Lula tinha uma imagem do mundo, simplificada, na qual os Estados Unidos eram o mal mais óbvio, mais evidente, como também era o caso do Brizola.
Quando vem a queda do Muro de Berlim, aquela sombra lá adiante, não aquela sombra radiante, da União Soviética, já estava desmoronado. Nessa época, o socialismo, que não existia na cabeça dele, deixou de existir como referência para o pessoal do PT. Mas deve-se reconhecer que, individualmente, o sujeito pode, depois de ter se formado na leitura de Marx, numa tradição socialista antiga, manter na cabeça certas ideias do socialismo, mas não na política. Pegue qualquer um do PT, do PC do B. Por exemplo: o PC do B, que é stalinista, de linha albanesa, indicou o ministro dos Esportes, Aldo Rebelo. Em que o desenvolvimento do futebol no Brasil ajuda o comunismo? Tudo bem, o futebol é uma maravilha, uma filosofia de certa época, brasileira, mas um não tem nada a ver uma coisa com a outra. Acho que esse compromisso socialista do PT na verdade que nunca existiu.
ÉPOCA – Agora, tem muita gente que ainda acredita no socialismo no PT… É só ver o que aconteceu com a blogueira cubana Yoani Sanchéz. O Lula também vai toda hora a Cuba e devolveu refugiados cubanos a Cuba em seu governo…
Weffort – Isso é outra coisa. É política de potência. O Brasil é um país grande, por mais que os brasileiros não queiram acreditar, e Cuba é um país pequenininho. Cuba é um país muito pobre. Então, se você fizer um charme para Cuba, você aparece nos noticiários por aí como uma figura ligada à tradição da esquerda. Agora, isso de insultarem a moça foi uma senhora estupidez, uma cretinice. Mas isso é pau mandado. É como essa garotada que, em época eleitoral, aparece com faixa na rua. Pensa que é militante? Não é militante. É gente que ganha R$ 30 para ficar ali. O caso mais claro desse tipo de coisa foi o MR-8, que virou uma espécie de batalhão de choque do (Orestes) Quércia (ex-governador paulista). Eles eram o MR-8, que, na origem, significava Movimento Revolucionário 8 de Outubro, em homenagem ao Che Guevara. Ora, por favor, vamos parar com toda essa mitologia, porque tudo isso não significa mais nada.
ÉPOCA – Mesmo assim, ainda tem uns “dinossauros” por aí.,,
Weffort – Tem, porque a vida do sujeito foi aquela, é uma nostalgia. O que você vai fazer? Mas não é mais a política do partido.
ÉPOCA – Em outros países, como o Chile, partidos de esquerda ou centro-esquerda como o PSDB e o PT, se unem, mas no Brasil isso não acontece. Por quê?
Weffort – Porque o Brasil é muito dividido, é regionalmente muito dividido. Então, o adversário do PT é o PSDB, porque os dois São Paulo e disputam o mesmo eleitorado. Acho que a reforma política teria de mudar o sistema eleitoral. Muito. Eu sou favorável ao sistema de voto ao estilo alemão, com eleição presidencial, formação do governo no parlamento e base distrital. Na Alemanha, o eleitor tem dois votos. Quando vota, ele vota no candidato do seu distrito, no “Zé” que vai representar o seu bairro na Câmara, e num candidato indicado pelo partido, na legenda. Isso significa que você tem três ou quatro partidos e não trinta partidos. Há também uma cláusula de participação, por meio da qual, para ter representação nacional, o partido tem de obter de 3% ou 5% dos votos em todos os estados. Aqui, no Brasil, o pessoal aqui não está querendo voto distrital, mas só o financiamento público de campanha, que é de novo corporativismo. Eles querem que os candidatos sejam indicados pelo partido, mas não admitem que o eleitor indique o candidato. Aqui no nosso sistema leva a trinta e tantos partidos, dos quais seis são partidos e os outros estão aí para fazer negócios.
ÉPOCA – O PT tem demonstrado uma grande dificuldade de conviver com a Imprensa e tem defendido a regulação da mídia, o controle da mídia. O que o senhor pensa disso?
Weffort – A convicção que o pessoal do PT tem é que quem controla a mídia são os proprietários dos veículos de comunicação e para eles quem deveria controlar a mídia seriam eles mesmos. Eles quem? Os políticos. Isso pode levar a uma situação parecida com a do Equador, onde o sujeito escreve um artigo criticando o presidente da República e depois tem que ir embora do país. O cenário no qual deve operar a opinião é o cenário definido pelo mercado. Se eu não quiser ver televisão, não vejo. Se eu não quiser comprar o jornal, não compro. Os jornais e a televisão e a mídia em geral devem poder oferecer todas as possibilidades de comunicação que queiram. É claro que há limites para isso. Você não pode admitir que sejam difundidas no Brasil ideias favoráveis ao conflito racial, à violência política ou acusações sem fundamento. Você até pode fazer a acusação, mas depois terá de responder por isso na Justiça. Então, não há por que essa história de querer uma corporação seja de jornalistas ou do que for controlando o que se queira dizer.
ÉPOCA – Interessante que, quando o PT surgiu, ainda não havia liberdade total de imprensa no Brasil. E havia uma luta, o PT era um grande defensor disso na sua orgiem, e hoje a gente vê que mudou tudo.
Weffort – Como em todo o resto, aqui também houve uma inversão de valores.
ÉPOCA – Hoje, muita gente está falando de revisão da lei da anistia. O que o senhor acha disso?
Weffort – Acho que uma Comissão da Verdade tem que ter, para esclarecer fatos públicos, sem constrangimento de lado nenhum. Já essa saiu meio inclinada demais para um lado, mas de qualquer modo é melhor que nada. A Comissão da Verdade vai levantando fatos, isso acho que está bem. Mas não significa revisar a Lei da Anistia. Isso não é possível. Houve uma história brasileira que teve um período que incluiu uma Lei da Anistia. É uma ingenuidade pensar que é possível mudar uma lei que é base do sistema democrático que vem em seguida. Desde o começo, chamava anistia ampla, geral e irrestrita.
ÉPOCA – Recentemente, tivemos a eleição do Renan Calheiros (PMDB-AL) e do Henrique Alves (PMB-RN) para a presidência do Senado e da Câmara, aumentando a descrença de uma parcela crescente da sociedade nos políticos. Como isso pode afeta a política e a democracia do país?
Weffort – Isso vai degenerando. Primeiro, tivemos aquele caso do (José) Sarney quando ele estava na presidência do Senado, aquelas decisões secretas de gastos. Foi um escândalo enorme. Depois, teve o Renan Calheiros, que teve que deixar a presidência do Senado, depois de ter sido acusado de corrupção. Agora, ele está de volta. Isso tudo é muito desmoralizante. A Câmara Federal e o Senado, que são instituições importantes do funcionamento da democracia estão extremamente desmoralizados. O prestígio eleitoral no Brasil é quase todo dos candidatos majoritários, prefeito, governo do Estado e presidência. Isso é um dos germes do autoritarismo, porque a democracia funciona com poderes, que se equilibram. O que a gente tem no Brasil é a perda da independência do Legislativo.
ÉPOCA – Até que ponto o Mensalão pode ter influência grande na campanha?
Weffort – O mensalão está decidido. Eu honestamente não acreditava que isso ia acontecer e me surpreendi com muita alegria, com as decisões tomadas pelo STF. A não ser que você imagine uma possibilidade de uma crise institucional de proporções monumentais e catastróficas no Brasil. Como é que você vai fazer? De que jeito? O problema não é só ministro Joaquim (Barbosa, presidente do STF), que já não é pouca coisa. Não são só os ministros. É a instituição, que é uma memória ligada às funções do Direito do Estado Democrático, que não pode ser pisoteada de qualquer maneira. Isso aqui não é o Egito.
ÉPOCA – Na eleição de São Paulo, na época do julgamento, o mensalão teve pouca influência e o Lula e o PT conseguiram derrotar o candidato do PSDB, José Serra, que era o favorito, e eleger o Fernando Haddad, quase um desconhecido, para a prefeitura…
Weffort – Indiscutivelmente, o Serra é um administrador de alta competência, um homem honesto. Agora, o Serra como candidato era muito pesado. Ele tinha de ter alguma flexibilidade para admitir pelo menos que precisava reconquistar a opinião pública. Precisava ter um pouco mais de humildade. Ele não é dono de São Paulo. Ninguém é dono de São Paulo. Nem do Brasil. Ele pode se candidatar, e tem gabarito para isso, mas minha impressão é de que ele está totalmente fora da realidade. O Haddad, que é certamente um bom professor, não era ninguém. Era um poste. Mas tinha atrás de si a maior liderança de massa do Brasil, que é o Lula. O Serra deveria ter tido um pouco mais de cuidado com o Lula, mais atenção com a opinião pública em geral e mais atenção com as lideranças do PSDB, com o Fernando Henrique. A impressão é que todo mundo atrapalhava o Serra, especialmente os amigos.
ÉPOCA – Qual a influência que programas como o Bolsa-Família e outros programas de rendas, podem ter nas eleições? O senhor acha que o voto está se tornando mais ideológico no Brasil?
Weffort – Enorme. A vitória esmagadoríssima da Dilma no Nordeste está relacionada diretamente com o Bolsa-Família. Sem a menor dúvida. O Bolsa Família era um sinal de que ela olha para o povo, de que ela era a mulher do Lula, indicada por ele. O povo é muito realista. O homem pobre, miserável, do Nordeste, que precisa de R$ 70 a mais ou R$ 140 a mais para comer é tão realista quanto nós. Ele conversa com quem conversa com ele. O fracasso do Serra na última eleição para mim foi isso. Não é que ele não queira o bem do povo. Ele quer. Mas o povo precisa sentir isso. E, para o povo sentir isso, você precisa dar sinais. Não há nada de ideológico nisso. Isso você vê em cada campo da comunicação humana. É preciso lembrar que o Jânio venceu em São Paulo em 1953 com a campanha do tostão contra o milhão. Era a mesma coisa que houve.
ÉPOCA – Como a ampliação da classe média pode mexer com o voto nas próximas eleições?
Weffort – Essa classe média não é classe média. Isso é só propaganda. Desde o Plano Real, o Itamar, o Fernando Henrique, o Lula, houve uma mudança importante, uma melhora de qualidade de vida para uma massa muito pobre no Brasil. Não acho que isso seja classe média, mas que melhorou, melhorou. A situação econômica hoje não é nada extraordinária, mas melhorou. Agora, esse pessoal vai votar em quem lhes interessar. Essa é a regra geral da democracia.