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Superávit de R$ 3,2 bilhões nos 10 meses de governo desmoraliza discurso fiscal negativo e mostra que Caiado forçou a barra

Jornalista de economia de maior credibilidade em Goiás, Lauro Veiga Jardim publica texto nesta quarta-feira (4) no jornal O Hoje registrando que o estado de Goiás encerra 10 meses do ano com superávit de R$ 3, 2 bilhões.

Diante do saldo positivo, Veiga Jardim estranha que a retórica de desvatação financeira assumida pelo governador Ronaldo Caiado – e repisada dia sim e outro também, passados mais de 11 meses de gestão – é incompatível com os números superavitários oficiais apresentados pelo próprio governo goiano à Secretaria do Tesouro Nacional (STN).

Algo não está batendo entre a pregação de terra arrasada e a realidade fiscal de Goiás, conclui o jornalista, depois analisar a incoerência do discurso de Caiado.

Leia a íntegra do artigo de Lauro Veiga Jardim:

Crise fiscal? Estado encerra primeiros 10 meses do ano com superávit de R$ 3,2 bi

Publicado por: Lauro Veiga Filho | Postado em 05 de dezembro de 2019

Parece haver qualquer coisa estranha no ar quando a retórica assumida pelo governo desde a posse – e repisada praticamente dia sim e outro também, passados mais de 11 meses de gestão – não confere com os números oficiais informados a cada dois meses à Secretaria do Tesouro Nacional (STN). Há três possibilidades a considerar: os dados não refletem de fato o quadro fiscal enfrentado pelo governo, e portanto não se prestam para definir políticas nesta área; ou o discurso tenta pintar um cenário catastrófico para justificar medidas de arrocho nas despesas e reformas amargas para o funcionalismo; ou, ainda, a se dar um crédito aos números oficiais, a melhora apresentada até aqui guarda estreita relação com a paralisia virtual do setor público estadual, indicando que o ajuste seria de fato necessário e que medidas de socorro adicionais ainda teriam que ser aprovadas pelo governo federal, permitindo, por exemplo, que Goiás faça sua adesão ao draconiano Regime de Recuperação Fiscal (RRF).

Se a última hipótese deveria ser considerada, há mais “estranhezas” a avaliar. A receita primária total (excluídas as operações de crédito e outras formas de receita financeira) experimentou aceleração no quinto bimestre do ano, trazendo o ritmo de crescimento acumulado em 10 meses para 22,47% em relação ao período de janeiro a outubro do ano passado. Para comparar, nos oito meses iniciais deste ano, as receitas haviam avançado 12,01% (sempre em valores nominais, quer dizer, sem descontar a inflação de cada período).

Medida em reais, a receita primária saltou de R$ 18,451 bilhões para quase R$ 22,598 bilhões, respectivamente no acumulado entre janeiro e outubro de 2018 e de 2019, o que trouxe um ganho adicional de R$ 4,146 bilhões, igualmente em valores aproximados (praticamente dois meses “extras” de arrecadação, a se considerar a média mensal registrada até outubro passado). Com o arrocho nos investimentos e cortes nos restos a pagar (processados e não processados) de fato pagos, as despesas primárias (excluídos os gastos com juros e amortizações) cresceu numa intensidade muito menor, saindo de pouco mais de R$ 17,673 bilhões para R$ 19,376 bilhões, em alta de 9,63%. Ou seja, registrou-se um acréscimo de R$ 1,703 bilhão, numa conta que novamente inclui os restos a pagar pagos.

Mistérios, mistérios

A diferença entre receitas e despesas mostra um superávit primário (ainda sem incluir a conta dos juros, encargos e da correção monetária sobre a dívida estadual) de nada menos do que R$ 3,221 bilhões, representando nada menos do que 16,33% da receita corrente líquida acumulada entre janeiro e outubro. Na comparação com os 10 primeiros meses do ano passado, quando o saldo informado à STN havia sido de R$ 777,893 milhões, registrou-se um aumento de nada menos do que 314,12%. O saldo cresceu pouco mais de quatro vezes, apenas para reforçar. A “poupança” foi muito maior do que a conta dos juros, o que coloca outra questão espinhosa: se faltam recursos em diversas áreas do Estado, sobretudo para investimentos, por que realizar tamanho esforço para pagar juros e ainda deixar sobras no caixa?

Balanço

·   O resultado nominal, que acrescenta as despesas com juros, encargos financeiros e correção monetária, trocou de sinal entre 2018 e este ano, saindo de um déficit de R$ 32,356 milhões para um saldo positivo de R$ 1,903 bilhão entre janeiro e outubro de cada ano.

·   A conta dos juros, já descontada das receitas financeiras obtidas pelo Estado, somou R$ 1,319 bilhão neste ano, crescendo 62,76% diante de R$ 810,248 milhões nos 10 meses iniciais de 2018. Nesse cálculo, os juros e encargos são considerados pelo critério de competência, o que significa dizer que foram lançados como devidos e pagos mesmo que uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) tenha autorizado o Estado a adiar o pagamento de juros sobre alguns dos contratos que ajudam a compor a dívida estadual.

·   Considerando apenas o que foi de fato pago pelo Estado no período, as despesas com juros e encargos sofreram baixa de 21,6% neste ano, caindo de R$ 819,729 milhões para R$ 642,671 milhões. As amortizações ficaram 11,7% menores, encolhendo de R$ 527,64 milhões para R$ 465,853 milhões.

·   Os números dos investimentos explicam em grande medida o avanço menos intenso das despesas primárias quando comparadas com as receitas. Incluindo o pagamento de restos a pagar, o Estado investiu apenas R$ 283,889 milhões nos 10 meses iniciais deste ano, num tombo de 70,43% em relação aos R$ 960,071 milhões investidos em igual intervalo de 2018. Quer dizer, houve um corte de R$ 676,183 milhões nessa conta.

·   Como proporção da receita corrente líquida realizada entre janeiro e outubro, o investimento público desabou de 5,49% para 1,44%. As demais despesas tiveram desempenho bem mais vigoroso. Os gastos com pessoal, por exemplo, subiram de R$ 11,951 bilhões para R$ 13,551 bilhões, num aumento de 13,39%. Passaram de 68,29% para 68,69% sobre as receitas correntes líquidas do período. As outras despesas correntes avançaram de R$ 4,702 bilhões para pouco menos de R$ 5,50 bilhões, num incremento de 17,0%.