Veja o artigo publicado na edição deste sábado em O Popular:
Opinião
31/08/2013
IPTU: legal, mas imoral
O Projeto de Lei do prefeito Paulo Garcia à Câmara Municipal para alterar a tributação do Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU), no município de Goiânia, de forma que a alíquota aplicável deixe de ter como parâmetro a localização do bem imóvel (zona fiscal), para levar em consideração as faixas de valor venal dos imóveis, trata-se de técnica fiscal denominada progressividade. Após forte repercussão, a Prefeitura de Goiânia retirou o projeto para reavaliação e propôs a formação de uma comissão mista, com vereadores, entidades e membros do Poder Executivo.
O imposto dito progressivo, por outro lado, é aquele em há que um aumento gradual no peso da tributação na medida em que há um aumento da demonstração da capacidade econômica do contribuinte. Por isso mesmo, a nossa Constituição Federal de 1988, em seu artigo 145, já nasceu com a orientação de que “sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte”, ou seja, a progressividade é legitimada observando-se o conjunto: patrimônio, rendimentos e atividades econômicas do contribuinte. Por isso o Imposto de Renda, imposto pessoal, possui alíquotas diferentes para cada faixa de patrimônio, rendimentos e atividades econômicas diferentes.
Mas com o IPTU é diferente! Este é um imposto dito real, que é aquele que incide somente sobre a visão míope de parte do patrimônio, sem considerar a capacidade contributiva global do indivíduo ou empresa.
Não por outro motivo, desde o nascedouro da nossa Constituição Federal de 1988, o artigo 182 somente previa a possibilidade de cobrança progressiva do IPTU em caráter excepcional, ou seja, com o passar do tempo, de forma a assegurar o cumprimento da função social da propriedade. Assim, se o indivíduo não edificasse, subutilizasse ou não utilizasse o solo urbano, pagaria mais IPTU com o passar dos anos.
Incomodados com este engessamento da cobrança de IPTU, prefeitos do Brasil, já na década de 90, começaram a editar leis municipais que estabeleciam a progressividade com fins fiscais, objetivando o aumento exclusivo da arrecadação. O Supremo Tribunal Federal (STF) considerou todas estas leis inconstitucionais, por ferirem de morte os princípios da capacidade contributiva e da igualdade (isonomia).
Com o tempo, para burlar o STF, os prefeitos do Brasil conseguiram encampar e aprovar no Congresso Nacional a Emenda Constitucional 29/2000, que alterou a redação do texto constitucional, permitindo, a partir de então, aos municípios estabelecer cobrança progressiva do IPTU, ainda que com nítido objetivo de aumento arrecadatório de tributos sobre o contribuinte.
E mais recente, no dia 1º de julho de 2013, para brindar os prefeitos, o STF uniformizou o entendimento legal de que as prefeituras podem exercer a técnica fiscal da progressividade, alterando a base de cálculo e elevando o Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU), mas apenas por lei, aprovada pelo Legislativo.
Incrivelmente após sete dias, e já com a sanha arrecadatória aguçada, a Prefeitura de Goiânia remeteu seu projeto de lei ao Legislativo. Mas, e aqui se inicia a indignação, utilizando servidores públicos para propagar a falácia, enganando o povo e a sociedade, de que a “mudança terá como base uma cobrança justa”.
Ora, o Supremo Tribunal Federal tem entendimento firme de que o valor do IPTU pode ser atualizado anualmente, desde que o porcentual não exceda a inflação acumulada nos últimos 12 meses. A inflação acumulada nos últimos 12 meses no Brasil, segundo o IPCA, indicador oficial de inflação no País, está em 6,7%.
Assim, e segundo o extorsivo projeto de lei da Prefeitura de Goiânia, os moradores pobres que moram na periferia, incluídos na atual Quarta Zona Fiscal, que tenham uma casa avaliada em R$150 mil (valor da casa no programa Minha Casa, Minha Vida), passam a pagar, a partir de 2014, 150% a mais de IPTU, ou seja, as pessoas pobres da cidade passarão a pagar incríveis 22 vezes mais que a inflação do período no País. E nem estamos falando da previsão da Prefeitura de realizar, em outubro, a atualização da Planta de Valores Imobiliários de Goiânia, que alterará, para maior, o valor da base de cálculo do mesmo imposto.
Na forma em que foi apresentado pela Prefeitura, vê-se que o infeliz projeto de lei visando alterar a tributação do IPTU, embora seja legal, é imoral, e não leva em conta nenhum princípio social ou de justiça, eis que haverá um aumento da tributação não somente para os endinheirados, mas também, e principalmente, para as classes sociais de baixa renda. Demonstra com isso que a Prefeitura de Goiânia caminha em sentido diametralmente oposto aos anseios da sociedade goianiense, que, ao que parece, terá de sair novamente às ruas para exigir melhores serviços públicos e menor carga tributária.
Frederico Oliveira Valtuille é advogado, especialista em Direito Público, presidente da Comissão de Precatórios da OAB/Goiás, membro da Comissão de Defesa dos Credores Públicos do Conselho Federal da OAB