sexta-feira , 22 novembro 2024
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Em artigo demolidor, Marcelo Coelho desmonta tese da inocência de Genoino: “Quem resolve dar festa num chiqueiro termina sujo também”

Não é nem nunca foi inocente.

Esta é a conclusão do articulista da Folha de S. Paulo, Marcelo Coelho, mestre em Ciências Sociais, em longo artigo no qual analisa um a um os argumentos que supostamente indicariam a inocência de José Genoino e a “injustiça” da sua condenação no processo do mensalão.

É um artigo demolidor.

Leia a íntegra:

Questões de Ordem: Qual a culpa de Genoino?

MARCELO COELHO
DE SÃO PAULO

Dói muito ver a prisão de uma pessoa com o passado de José Genoino. Está muito acima, pelo caráter, pela coerência, pela simplicidade, da grande maioria dos políticos brasileiros.

Não enriqueceu, nem quis enriquecer, com os cargos que ocupou. Fica difícil aplicar nele o rótulo de “corrupto”. Na linguagem de todos os dias, corrupto é aquele que recebe propinas ou favores. Com toda certeza, Genoino não é dessa laia.

Mas foi condenado no julgamento do mensalão, e vale lembrar o que aconteceu. Genoino foi condenado a 6 anos e 11 meses de prisão por formação de quadrilha e corrupção ativa. Tire-se do debate o crime da formação de quadrilha, ainda a ser reexaminado nos embargos infringentes.

José Genoino foi condenado de forma praticamente unânime no STF. Dos dez ministros, somente Ricardo Lewandowski o absolveu. Até Dias Toffoli, um dos mais enfáticos em favor de José Dirceu, condenou Genoino sem nenhuma hesitação. Qual o crime? Corrupção. Pela lei, não se pune somente quem recebe dinheiro, mas também quem oferece.

José Genoino ofereceu dinheiro a deputados e líderes partidários do mensalão? Sabia o que estava fazendo quando assinou um empréstimo junto ao Banco Rural, para irrigar as finanças do esquema? Ou foi tudo responsabilidade de Delúbio Soares e de José Dirceu, sendo claro que Genoino nunca entendeu muito de contabilidade, de orçamento, de economia?

Os ministros se basearam nos testemunhos dos autos. Primeiro, é bom recordar, rejeitaram os argumentos do Ministério Público, que acusava Genoino de ter corrompido parlamentares do PMDB e do PL. Não havia nenhuma menção concreta a tratativas de Genoino com esses partidos. Até por isso, Delúbio terminou com uma pena maior do que ele.

Houve, entretanto, encontros de Genoino com líderes do PTB e do PP. Políticos como José Janene, Pedro Henry, Emerson Palmieri e Pedro Corrêa admitem esses encontros. Nem precisamos falar de Roberto Jefferson, cujos depoimentos são sempre postos em dúvida pela defesa. Se tudo se baseasse apenas nas declarações de Jefferson, dificilmente algum ministro condenaria quem quer que fosse.

Ricardo Lewandowski absolveu José Genoino afirmando que, afinal de contas, todos esses testemunhos vinham de réus do processo também. Em tese, esse tipo de depoimento vale pouco, porque é plausível que um réu acuse outro para livrar a própria pele. Os outros nove ministros levaram em conta, todavia, o que esses petebistas e pepistas disseram sobre Genoino. E também levaram em conta outro depoimento, de Vadão Gomes, também político do PP, mas que não era réu do mensalão.

Todas essas testemunhas confirmam que José Genoino, junto com Delúbio e José Dirceu, mas também sozinho ao menos uma vez, participava dos encontros em que se discutia o apoio do PP e do PTB ao governo. Tanto Genoino quanto os demais envolvidos seguem a mesma linha de argumentação. Havia encontros, sim, mas tudo se resumia a tratar de acordos políticos, não se discutiu ajuda financeira. Essa versão dos acontecimentos foi sendo elaborada ao longo do processo; no início, os pepistas dizem que o apoio financeiro foi combinado, sim.

Quando a história é contada mais detalhadamente, vê-se que o problema financeiro estava o tempo todo em pauta. Vadão Gomes conta que, numa conversa com Genoino, Delúbio, Pedro Henry e Pedro Corrêa, discutiu-se a necessidade de ajuda em dinheiro para o PP, com vistas às eleições de 2004. Outro parlamentar do PP, o falecido José Janene, testemunhou sobre reunião em que Genoino, e apenas ele, representava o PT.

O PP tinha problemas para pagar a conta de advogados, contratados para defender parlamentares do partido. Entre eles, Ronivon Santiago, que confessara ter recebido propina para votar a favor da reeleição de Fernando Henrique Cardoso. O bom PT prontificou-se a resolver isso. Pode-se chamar esse tipo de combinação um “acordo meramente político”? Foi o que fizeram todos os réus. Mas prometer dinheiro em troca de apoio pode ser chamado de corrupção, e foi isso o que concluíram todos os ministros do STF, menos Lewandowski.

Também as necessidades do PTB, com relação aos gastos na campanha que se aproximava em 2004, foram discutidas com José Genoino presente. A promessa, antiga, era de R$ 20 milhões para que o PTB apoiasse Lula. O PT, entretanto, estava demorando para entregar as parcelas prometidas. Jefferson conta ter avisado Genoino: uma quantia dessas seria alta demais para ser considerada apenas “caixa 2” –doações de empresários por baixo do pano. Entenda-se: mesmo empresários dispostos a ajudar não dariam tanto dinheiro assim. Genoino teria respondido que o repasse seria feito de partido a partido, ou como contribuição de empresas ao fundo partidário.

Estava tão por fora assim dos entendimentos financeiros? Convenhamos que é dificílimo de acreditar. Qualquer pessoa, mesmo com menos experiência política de José Genoino, e com convicções de esquerda menos arraigadas, saberia perfeitamente que, numa conversa “política” com o partido de Maluf ou de Roberto Jefferson, programas e ideologias não são exatamente o prato principal.

A ministra Cármen Lúcia, em seu voto, começa manifestando seu pesar pela condenação de Genoino. Mas não estamos julgando histórias pessoais, disse ela. Estamos julgando as provas dos autos. Ela reexamina os fatos. Todos os depoimentos concordam: as finanças do PT estavam “em frangalhos” em 2002. Como é possível, pergunta ela, que do início de 2003 até meados de 2005 o PT passasse a ter tanto dinheiro para distribuir para tanta gente, e essa súbita facilidade não levasse José Genoino a perguntar “de onde vem esse dinheiro? O que é isso? Como se conseguiu isso?”
Cerca de R$ 3 milhões vinham do Banco Rural, como se sabe, através de um empréstimo inicialmente avalizado por Marcos Valério e Delúbio Soares. O empréstimo foi considerado fictício, apenas uma maneira de Marcos Valério esquentar o dinheiro que recebera do Banco do Brasil.

Lewandowski foi à carga. Consta dos autos que pelo menos uma parcela desse empréstimo foi de fato paga pelo PT; não era uma fraude. Naquela sessão do STF, Ayres Britto desmontou o argumento. Sim, uma parcela foi paga… mas em 2012! Quando o processo do mensalão já corria com mais ritmo, interessando a todos dar credibilidade às teses da defesa.
Pois bem, José Genoino foi avalista desse empréstimo do PT com o Banco Rural, quando ocorriam as renovações do crédito, a cada três meses. Certo, não entendia de finanças. Como presidente do PT, tinha de cumprir, pelo estatuto, o dever de assinar aquele tipo de coisa.

Observo, entretanto, que não é à toa que o estatuto exige a assinatura do presidente do partido. Um nome como o de José Genoino não se construiu aos poucos; está lá, justamente, para dar credibilidade e honradez aos atos partidários. Quantos não se deixaram enganar, vendo que “até o José Genoino” endossava as opções do PT no tocante a seus acordos “políticos” -que na verdade, mas isso nunca enganou ninguém, eram negociados no balcão de Jefferson, Janene e companhia?

O crime maior, que o PT cometeu contra a própria credibilidade, mas em favor de reformas econômicas que negavam o seu programa, foi ter-se envolvido em acordos com a escória da política brasileira. Há quem ache que valeu a pena, pensando no desempenho do governo Lula, há quem ache que não.

Quem resolve dar festa num chiqueiro termina sujo também. José Genoino não roubou, José Genoino fez o que lhe pareceu mais certo, sem pensar em vantagens financeiras pessoais. Mas inocente não era.

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