Ainda a questão do programa
Paulo Garcia critica o que não conhece e não consegue propor alternativa ao que critica
Helvécio Cardoso*
O dr. Paulo Garcia tem passado mais tempo nos estúdios de emissoras de rádio do que em seu gabinete. Ele adora entrevistas, sobretudo com radialistas deslumbrados que o interrogam delicadamente, levantando a bola para ele cortar. Mas destes não quero falar pois radialistas condescendentes também são criaturinhas de Deus.
O dr. Paulo é um fanfarrão. Ele estufa o peito para dizer que não foge a nenhuma questão e que não manda recados. Na verdade, ele não enfrenta questão alguma e toda sua fala são bilhetes em garrafas por todos os mares. Perguntado se apoia a postulação de Antônio Gomide, por exemplo, ele enrola, embroma, tergiversa e responde que hoje o sol está mais brilhante. Um radialista que o entrevistou recentemente, afetando alguma ousadia crítica, disse que na ciclovia da Nova Suiça periga o ciclista ser atropelado.
Pobre rapaz! O prefeito, com aquela empáfia que lhe é peculiar e aquela arrogância que o distingue, deu uma lição de urbanismo ao desinformado radialista. Tratando-o com aquela condescendência altiva com que repreendemos as crianças, ele falou que o moço não sabe nada… e citou Paris, Tóquio, Londres e outros lugares que o nosso prefeito globe trotter frequenta com certa assiduidade.
Deixemos para lá essas bagatelas. Fiquemos no que tem relevância. Paulo Garcia, em suas críticas enviesadas ao governo estadual, no propósito de promover a causa oposicionista, afirma, em resumo, que a oposição tem um “projeto” para Goiás, que seria, diz ele, distinto do “projeto que aí está”, o de Marconi, que é, segundo afiança, “um modelo esgotado”.
O uso da palavra “projeto” já denota o despreparo de quem a emprega, revela sua profunda insuficiência intelectual e cultural. Partidos que aspiram o poder devem se apresentar aos eleitores com um programa – a chamada “plataforma eleitoral” -, do qual deriva um plano de metas e a partir do qual se elabora planos de ação governamental. Um programa político é informado por princípios doutrinários, destilados de alguma filosofia.
Claro, estou falando de política em países civilizados, ou de um tempo, aqui mesmo em Goiás, em que os políticos eram motivados por um acendrado espírito público, uma genuína vocação para servir à pátria e à república. Um tempo em que à tão propalada “ética na política” os homens de partido preferiam se guiar por princípios transcendentais de honra.
Os partidos de oposição em Goiás não têm programa, todos estão carecas de saber. Não têm nem mesmo um “projeto”, seja lá o que for isso, a menos que se entenda por “projeto” o prosaico objetivo de alcançar o poder, nele permanecer e nele se cevar, ainda que não se saiba o que fazer com ele. O Dr. Paulo poderia ter gasto os incontáveis minutos, em que ficou fazendo piadinhas tolas, para discorrer, ainda que perfunctoriamente, sobre este “projeto”. Em que consiste? O que propõe? Que alternativas oferece “ao que aí está”? Ninguém se lembrou de fazer essas perguntinhas básicas ao Dr. Paulo. Talvez porque julgam que esse “projeto” seja uma coisa dada, há muito conhecida e assimilada por todos. Ou talvez para não vexar o ilustre visitante com impertinências.
O “projeto” das oposições é um ente metafísico. Existe tão somente na cabeça de uns poucos petistas e peemedebistas, e são, assim como os desígnios de Deus, de tal modo imperscrutáveis que escapam à nossa fraca compreensão de homens vulgares. Nunca saberemos o que é, a não ser quando, e se, os doutos oposicionistas se dignarem, numa generosa concessão à nossa vulgaridade, reduzir a escrito, e em língua vernácula, o que pretendem realizar em Goiás, quando, onde e como, se alcançarem o poder. Aguardemos pacientemente.
Enquanto os sábios a soldo da oposição não formulam o programa oposicionista, examinemos a fala seguinte do dr. Paulo. Ele fala de um “modelo esgotado”. Não descreve este “modelo”, e não explica por que está esgotado, ou o que o esgotou.
Paulo não se dá conta de que ao afirmar que o governo tucano promove um “modelo esgotado”, reconhece implicitamente que este governo possui algo que as oposições não tem: “um modelo”, ou um programa. Com efeito, o governador Marconi submeteu-se ao voto popular apresentando um programa de governo e um plano de metas, os quais informaram os planos de ação administrativa desenvolvidos e detalhados com brilhantismo pela turma do Giuseppe Vecci, e atualmente executados por uma eficiente equipe governamental.
O “modelo” tucano de gesta está apoiado em um tripé: obras, assistência social, eficiência administrativa. Depois de sanear as finanças públicas, o governo deu início a um programa de obras que é o mais ambicioso de todos os tempos. Obras programadas a partir de um diálogo franco com a sociedade, do qual emergiram as prioridades. O governo estadual executa, ao mesmos tempo, uma pletora de programas compensatórios e de transferência de renda que revelam o compromisso da atual administração com as classes trabalhadoras. O PT teria alguma objeção a isso? Por fim, este governo vem investindo pesadamente em aperfeiçoamento dos métodos de gestão administrativa, buscando reduzir o custo do aparato burocrático, tornando-o mais eficiente e excelente. O PT do dr. Paulo Garcia teria alguma objeção a isso?
Mas esse tripé não resume o “modelo” marconista. O marconismo tem, sim, um projeto de desenvolvimento sócio-econômico para o Estado de Goiás. Um modelo que eu ouso denominar de “regional-desenvolvimentista”, ainda que esta terminologia não seja benquisto em alguns arraiais do marconismo. Baseia-se em fomento da industrialização ( via incentivos fiscais, principalmente), modernização da economia rural, ampliação e melhoramento da infra-estrutura e da logística, geração de emprego e distribuição de renda, qualificação profissional e melhoria do ensino público.
A partir de l982, o governo estadual começou a incentivar a industrialização do Estado de Goiás, a partir do desenvolvimento de nossa então incipiente agro-indústria. O instrumento dessa ação política foi o Fomentar, hoje com o nome de “Produzir”. Consistia em outorgar crédito tributário a quem se dispusesse a investir em atividade industrial. O setor industrial, em l982, respondia por menos de 3% do PIB goiano. Éramos, então, uma economia eminentemente agro-pastoril.
Origens do regional-desenvolvimentismo
A concepção de um modelo de desenvolvimento regional planejado e executado pelo Estado é coisa de Mauro Borges. Mas, antes dele, já se percebia no ciclo ludoviquista movimentos conscientes no sentido de engajar o poder público na construção do progresso. Já nos anos 30, Domingos Velasco, a quem os goianos estão devendo uma estátua em praça pública, já preconizava, tenentista que era, o emprego do poder público como indutor do desenvolvimento.
Não nego que os governos biônicos, pós 1964, tivessem um viés desenvolvimentista. Ma\s seu modelo era diferente do que temos hoje, Era um modelo tecno-burocrático, autoritário, com foco mais na modernização do setor primário do que na industrialização.
Quem primeiro agitou o assunto da industrialização foi o economista Flávio Peixoto. Em entrevista concedida ao Jornal Opção, por volta de l981, o professor disse que deveríamos investir no desenvolvimento industrial, com o Estado induzindo e planejando o crescimento do setor. “Temos que ser keynesianos”, bradou Flávio Peixoto. Um intelectual arenista, o saudoso e venerável Chico de Brito, fazendo-se porta-voz do conservadorismo, publicou artigo atacando violentamente o professor Flávio, acusando-o de atentar conta a “vocação natural” do Estado de Goiás para a agropecuária. A entrevista concedida por Flávio Peixoto a este repórter soou como ato de impiedade.
Foram Flávio Peixoto e Servito Menezes que formularam os princípios básicos da política de desenvolvimento industrial do governo goiano do PMDB, a qual, consubstanciada em lei, virou o “Fomentar”. Ainda hoje os méritos disso tem ido exclusivamente para o sr. Íris Rezende. Na verdade, o “regional-desenvolvimentismo” era a doutrina de todo o PMDB daquela época, um PMDB que não tem mais nada a ver com o PMDB de hoje.
Era um PMDB dinamizado pela ação de grupos compostos por políticos brilhantes, aguerridos, dispostos a arrancar Goiás do atraso. Em torno de Mauro Borges e de Henrique Santillo gravitava uma plêiade de intelectuais brilhantes que pensavam a política filosófica e cientificamente, sem o cabresto escravizante da marquetagem eleitoral. Nenhum desses intelectuais ficou no PMDB. Todos saíram, primeiramente com Mauro, depois com Santillo. O último a pegar o boné foi Flávio Peixoto, o mais irista deles.
Mas foi a intelectualidade santillista que realmente impulsionou o PMDB goiano. Henrique Santillo, homem culto, que lia muito e falava demais, foi quem primeiro a levantar a questão da justiça social, do fortalecimento do mercado interno, de necessidade de se eletrificar o campo, melhorar a educação pública, universalizar a saúde etc. O discurso santillista ia muito além do estreito rodoviarismo irista, avançava léguas em relação aos paliativos propostos pelo irismo. Quando Henrique Santillo foi virtualmente banido do PMDB, a intelectualidade o seguiu. O PMDB então perdeu a alma. Esta mesma intelectualidade hoje milita no PSDB
E foi a partir do primeiro governo de Marconi que o PSDB intensificou a construção do projeto regional-desenvolvimentista. O resultado pode ser quantificado nas estatísticas do IBGE. Compare-se o que é a economia goiana de hoje e o que era há 14 anos. Comparece-se os indicadores sociais e de qualidade de vida das últimas décadas, e veremos que este “modelo esgotado” constrói um legado de prosperidade do torrão natal e felicidade da pátria goiana.
Apesar de todas as conquistas e realizações de que dão testemunha as estatísticas e os índices de satisfação, as oposições teimam em negar as evidências não reconhecem por que lhes falta honestidade intelectual.
O modelo tem falhas? Por certo que tem. Mas, está esgotado? Claro que não. Se está esgotado, o que os espertinhos da oposição sugerem como alternativa? Não há sugestões. Friboi e Gomide dizem que vão arregimentar seus tecnocratas e marqueteiros para escreverem, a toque de caixa,um “plano de governo”.
Farão isso de má vontade para cumprir uma formalidade instituída pelos costumes e exigida pela lei eleitoral. Um plano sem alma, elaborado cerebrinamente em gabinetes refrigerados, desvinculados do movimento real da sociedade, alheio ao que pensa a massa partidária e indiferente ao que esperam seus eleitores.
Que modelo é esse?
O modelo de desenvolvimento industrial de Goiás é baseado em incentivos fiscais, ou, como costuma dizer Marconi, em “troca de impostos por emprego”. Esta política, que tem atraído capitais externos para o chão goiano, incomoda os estados ricos do Sul e do Sudoeste. Com São Paulo à frente, estes estados mobilizam seus políticos para tentarem por fim ao que chamam pejorativamente de “guerra fiscal”. No ano passado, o governador Marconi Perillo visitou vários governadores dos “estados emergentes” para formar uma frente visando impedir o fim da “guerra fiscal”. O governador goiano chegou a liderar uma passeata em Brasília, protestando contra as forças que, dentro do Congresso Nacional, tentam abolir a “guerra fiscal”.
Ao fazer a defesa da “guerra fiscal”, o governador Marconi não está, de modo algum, patrocinando a causa do capital industrial. Para o capitalista alienígena, basta fechar aqui a sua fábrica e reabri-la em São Paulo, ou no Rio de Janeiro, ou em Minas Gerais. Quem leu o Capital, de Marx, sabe que uma fábrica se paga em pouco tempo pela extração da mais valia. A ação do governador Marconi em defesa da “guerra fiscal” é uma mobilização das forças vivas do Centro-Oeste, do Norte e do Nordeste em defesa dos empregos, em defesa do interesse dos trabalhadores.
Mas, a despeito disso, não se ouviu um só político do Partido dos Trabalhadores, secção de Goiás, falar alguma coisa em favor da ação marconista, uma ação que deveria ser supra-partidária. Onde estavam Rubens Otoni e Marina Santana quando Marconi foi a Brasília liderar passeata em favor da “guerra fiscal”? Quê? Não estavam lá? Pois em momento algum as oposições se manifestaram, nem para apoiar, nem para criticar. Não que a oposição seja a favor da desindustrialização de Goiás. Só louco pode ser. É que, enquanto o governador agia, politicamente, em defesa dos empregos dos operários goianos, as oposições em geral, e o PT em particular, mantinham-se alheios à questão. Nem ao menos sabiam o que está acontecendo.
Pois é este partido omisso, que se esconde na hora da luta em favor do proletariado goiano, que não tem absolutamente o que propor como alternativa ao regional-desenvolvimentismo, que vem a público, pela voz estridente do prefeito de Goiânia, afirmar que “o modelo esgotou”. O que anda esgotando é nossa paciência diante de tamanha estupidez.
Já disse alhures e aqui torno a repetir. O modelo em execução está longe de estar esgotado. Pelo contrário. A coisa a fazer é aprofundá-lo. É preciso avançar. Um partido de oposição sério e esclarecido proporia ir alem do ponto onde o marconismo não pode ir. O caminho é o que Marconi traçou, não tem como voltar atrás nem como se desviar. Temos que seguir adiante. Só os que tiverem a lucidez para perceber isso poderá aspirar o poder regional quando esgotar-se o ciclo marconista de poder. O PMDB de Friboi já ficou para trás. Este PT do Paulo Garcia, que desonra as tradições progressistas do PT goiano, também vai ficando cada vez mais igual ao PMDB.
Ouvi dizer que Paulo Garcia trama, nos bastidores, para ser candidato a vice-governador com Íris Rezende, seu mentor espiritual, como candidato a governador. Abstenho-me de julgamento. A questão é outra. Ou o dr. Paulo se informe melhor e exponha com toda clareza e objetividade o que ele propõe como alternativa ao que ele chama de “modelo esgotado”, ou tenha a bondade de brindar nossos ouvidos com o mais obsequioso silêncio.
* Helvécio Cardoso é jornalista