Veja artigo do jornalista Afonso Lopes, postado na internet:
Goiânia: das flores ao lixo
Galeria 22 de abril de 2014 Afonso Lopes Deixe um comentário
Conexões: Goiânia
Quando o então prefeito Nion Albernaz transformou Goiânia no mais belo cenário urbano brasileiro, em meados da década de 1990, a oposição dizia que o povo não comia flores. Talvez, não mesmo. Não com a boca. Mas pobres e ricos alimentavam seus espíritos, os olhos, o orgulho de ser goianiense e de perceber a admiração dos visitantes pela cidade limpa e cheirosa construída por cada goianiense. Por cada goianiense ou pelo poder público? Sim, por cada goianiense. A Prefeitura apenas plantou as flores. Quem cuidou e não depredou foi o cidadão.
Foi um tempo em que Goiânia ensinou ao Brasil como se comportar nas ruas, sem colher as flores, sem pisotear os canteiros. Uma aula de cidadania. Não havia uma só plaquinha proibindo arrancar rosas vermelhas ou pisar nos bem cuidados gramados das praças. E praticamente ninguém fazia esse tipo de coisa. Era muito difícil observar motoristas atirando latas ou restos de embalagens pela janelas dos seus carros. Hoje, há lei que promete punir quem joga lixo das ruas, mas é fácil flagrar veículos deixando rastros de dejetos.
Havia uma prática que chegou a ser moda naqueles tempos: pendurar um saquinho de plástico no câmbio dos carros para acomodar o lixo produzido em trânsito. Os postos de gasolina compraram a ideia e passaram oferecer essas sacolinhas aos clientes. O cidadão parava para abastecer e entregava o saquinho cheio de lixo (papel de bala, restos de cigarros e cinzas dos cinzeiros, latas de refrigerantes, papéis de propaganda…) para receber imediatamente uma nova sacola.
Saudosismo? Sim, sem dúvida. Muita saudade daquela Goiânia e daqueles quase 1 milhão de goianienses. Mas o que aconteceu? Primeiro, falaram que povo não comia flores. E arrancaram as flores, e as substituíram por folhagens. Depois, com descaso no recolhimento do lixo doméstico e na varrição das ruas, a cidade ficou suja, e assim arrancaram também a ideia de que um papelzinho a mais atirado na calçada, ou uma latinha de refrigerante, não faz a menor diferença diante de tanta sujeira. Levaram a nossa autoestima, nosso orgulho de ser goianiense.
O desafio agora é outro
Goiânia vive um dramalhão mexicanizado com lixeiras transbordando de sacos não recolhidos. Está assim na cidade toda, do centro aos bairros nobres, dos bairros menos centralizados até a periferia. Flores? Será que elas ainda existem? Nem folhagens bem cuidadas se vê por aí.
É claro que a Prefeitura vai conseguir resolver essa situação vexatória de não ter capacidade de ao menos recolher lixo. Mais cedo ou mais tarde, a situação será normalizada. Isso vai devolver o orgulho de ser goianiense? Claro que não. Recolher lixo é só o básico, e ninguém consegue sentir orgulho por realizar o básico.
Há muitos outros desafios. Inúmeros, e todos eles básicos na vida urbana. Não é só o lixo que está acumulado.
Apesar dos esforços, as ruas e avenidas tem muito mais buracos do que deveriam ter. Nas ruas internas dos bairros, então, a buraqueira é espantosa. Um horror total.
E também é urgente equacionar os problemas do trânsito. Mesmo com tantos carros nas ruas, nada justifica os caóticos congestionamentos que infestam Goiânia, uma cidade completamente enlaçada por avenidas de 4 pistas (duas para ir, duas para voltar). Já na década de 1990, o assunto entrava na pauta da cidade. E de lá pra cá não avançou nada.
Onde está o dinheiro? – A Prefeitura arrecada hoje muito mais do que arredava antes. Muitíssimo mais. Mas ainda arrecada menos do que deveria arrecadar. Neste ponto, o problema é provocado por um tal pacto federativo. As cidades brasileiras ficam com 5% de todos os impostos que esfolam os cidadãos, os Estados somam menos de 25% e mais de 70% se concentram em Brasília. Dessa forma, a conta não irá fechar nunca.
Mas se o quadro é esse, então é necessário cumprir nas cidades pelo menos o básico. E como o dinheiro é curtíssimo, todo controle é vital. Dizem que o dinheiro não aceita desaforos. No caso da administração municipal, qualquer descuido com o cofre resulta nisso que ora se vê: incapacidade de recolher o lixo doméstico ou de manter ruas e avenidas em condições. Os erros se acumularam nesta administração. E isso não invalida a desconfiança de que a herança recebida por Paulo Garcia foi péssima financeiramente.
Em boa hora – antes tarde do que nunca – o prefeito Paulo Garcia colocou a mão sobre a Secretaria de Finanças, e encontrou um especialista, Cairo Peixoto, para cuidar do cofre. Só a sua nomeação para o cargo já valeu a indicação. Foi graças a ida dele para lá que se descobriu a situação calamitosa das finanças da Prefeitura. Uma pindaíba monumental, que gera um rombo mensal de cerca de 40 milhões de reais. Praticamente, 1 bilhão de reais por ano.
Para se ter uma melhor ideia do que representa esse 1 bilhão, Marconi Perillo passou um ano inteiro mergulhado numa crise administrativa brabíssima ao assumir o atual mandato, em 2011, por causa de um rombo calculado pelo secretario da Fazenda na época, Simão Cirineu, em 2 bilhões de reais.
Qual foi a fórmula adotada pelo Estado em 2011? Abrir-se e mostrar a situação. Vá lá que não existiam constrangimentos porque o governo anterior lhe fazia oposição. Mas isso pouco importa em situações como a atual. Não adianta nada a Comurg se calar diante do caos e prometer milagres que não vão ser consolidados a curto prazo. Não adianta frente de trabalho para recolher sacos de lixo até em carroceria de caminhões comuns. A crise vivida pela Prefeitura de Goiânia, como bem mostrou Cairo Peixoto, é financeira, mas também é uma crise de transparência, de explicações. Sem admitir o que estava errado, dificilmente se estabelece uma meta para corrigir o erro. Ou os erros, como parece ser o caso.
Cairo profetizou que 2014 e 2015 vão ser anos muito difíceis. Foi o primeiro sinal de luz num túnel marcado pelo silêncio. Se a máquina administrativa inteira entender o recado, talvez em 2016 possamos todos retomar a pauta. Aquela, de antigamente. De melhorar a nossa qualidade de vida. Até lá, o lixo vai continuar como vizinho incômodo.