Veja o que o jornalista Gerliézer Paulo escreveu em seu blog no Portal 730:
Um dia de CAIS
Meu raro dia de folga em um dia de semana foi interrompido no início da manhã com um telefonema do meu pai, que avisava que minha mãe tinha passado mal e estava com ele no CAIS do Setor Finsocial, que é o mais próximo de casa. Peguei o carro e rapidamente estava lá para começar a viver o meu dia de CAIS.
Apesar de preocupação com a suspeita de pneumonia e de conjuntivite da minha genitora, quem é jornalista acaba nunca se desligando da profissão. Quando cheguei ao CAIS, o atendimento acontecia pela entrada destinada às ambulâncias com pacientes graves, isto porque funcionários de uma empresa terceirizada fazia a limpeza da portaria principal. Muitos pacientes e acompanhantes formavam uma grande aglomeração.
Conversei com minha mãe que havia chegado ao local com pressão de 19×11. Ela havia sido medicada e aguardava completar uma hora da medicação para aferir novamente a medicação e conferir se o medicamento havia causado efeito. Ainda me contou que seria necessário fazer uma radiografia dos pulmões, mas como o aparelho de raio-x estava quebrado, teríamos que buscar outra unidade. Eu liguei para minha mulher e pedi para ela descobrir onde seria possível fazer o exame. Em seguida, ela me retornou informando que no Cais do Jardim Curitiba estava-se fazendo as chapas. Neste período comecei a observar o cenário, as falas e ações.
Enquanto minha mãe aguardava o segundo atendimento um jovem aparentemente com 20 anos desmaia na fila. Ele é carregado para o interior da unidade por dois homens que estavam acompanhando outros pacientes. Mais tarde, no período da tarde, minha mãe me contou que ele foi colocado em uma maca por onde aguardou por atendimento, na avaliação dela, por muito tempo. “Eu estava com medo dele ter morrido, mas todos estavam muito tranquilos,” me relatou.
Do lado de fora da unidade, enquanto aguardava ser atendido um senhor moreno criticava o sistema de saúde, e alguns políticos com cargos executivos. Em seguida emenda. “O único do PT que prestou foi o Darci Accorsi.” Quase simultaneamente, mães com crianças enfermas trocam informações sobre onde há pediatras atendendo. A conclusão delas é de que não há profissionais da especialidade nas três unidades mais próximas da região – Finsocial, Curitiba e Cândida de Morais. A solução era passar por um clínico geral.
Minha mãe já havia feito um exame de sangue, que seria entregue ás 10h30, após aferir a pressão pela segunda fez (13×11), fomos até o laboratório, mas o resultado ainda não estava disponível. Para ganhar tempo, preferimos não esperar e ir até o CAIS do Jardim Curitiba fazer o raio-x.
Curitiba
No segundo CAIS da região Noroeste, me informei com uma senhora, que atuava como uma espécie de porteira, sentada e segurando um cordão, que bastava puxar para que o pequeno portão de grade de abrisse. Ela me avisou que eu precisaria preencher o pedido do médico com dados da pacientes (nome completo, nome da mãe, endereço e data de nascimento). Depois que fiz isto, ela me disse que eu precisaria seguir por um longo corredor, e depois virar à direita para chegar à sala de raio-x. E lá fomos nós. No caminho vi quatro pessoas tomando soro em cadeiras alojadas no corredor. Ao lado deles, quatro policiais militares do COE pareciam fazer a segurança. Mesmo sem informações concretas, imaginei que fosse algum bandido ferido. Ao encontrar a sala, minha mãe se sentou um banco de concreto, enquanto eu fui buscar alguém para ter alguma informação de como agir.
Quando encontrei o técnico responsável pelo raio-x, ele pediu para que eu esperasse um instante, até que ele atendesse um senhor que já estava no local. Enquanto aguardava, ouço o choro de desespero de uma mãe, que logo em seguida aparece no corredor, com uma criança de aproximadamente quatro anos no colo. A menina de cabelos cacheados parece estar desmaiada. Ela é levada para a sala de reanimação. Eu sairia da unidade antes de saber o que houve com a garotinha. Rapidamente minha mãe fez o exame e deixamos a unidade, como a chapa na mão, sem nenhum tipo de proteção, como aqueles usuais envelopes.
De volta ao CAIS do Finsocial, fomos ao Laboratório, mas este já estava fechado. Uma mulher, que também aguardava para pegar resultado, me informou que os funcionários disseram que só reabriria às 13h00. Como ainda era 11h30, eu sugeri a minha mãe que fossemos para casa e retornássemos no horário. Ela concordou.
Tarde
Deixei minha mãe na casa dela, fui até a minha e almocei. Em seguida voltei, e a levei de volta ao CAIS do Finsocial. Chegando lá, o laboratório estava aberto, e finalmente pegamos o resultado, mesmo com o nome da paciente errado. Em seguida, rumamos para a portaria principal da unidade, que já estava novamente aberta.
Como o caso da minha era um retorno, pedido pelo médico, nós entramos na unidade de saúde, e eu fui em busca de informações de como proceder para que ela falasse com o profissional novamente. Um rapaz sentado em uma mesinha com um computador (o único que vi) me disse que eu precisaria voltar a recepção e encontrar a ficha. Voltamos, mas não havia ninguém na sala indicada. Ficamos aguardando.
Neste período pude ver uma mulher muito nervosa, que ameaçava chamar a imprensa caso não fosse atendida, numa nítida atitude de desespero, que claramente já não assusta mais os profissionais das unidades de saúde pública, talvez os gestores.
Sem a presença de nenhum servidor na sala, retornei ao fundo do hospital, onde o mesmo servidor me disse que após concluir o trabalho que fazia me atenderia. Retornei a recepção e uma senhora que chegou à referida sala já me disse que eu precisaria falar com uma enfermeira. Outra vez no fundo do hospital, falei com o próprio médico, que apenas pediu para minha mãe aguardasse, que ele a atenderia.
Enquanto aguardava minha mãe ser a atendida, eu fiquei observando o que ocorria em volta. Quatro pastas instaladas na parede hospedam as fichas para clínico geral e pediatra. Uma rotina me chamou à atenção que todos mexiam nestes papéis, médicos, enfermeiras, guardas civis e, acreditem, até pacientes. Uma jovem médica de traços latinos, mas linguajar brasileiro, entra e sai dos consultórios dos colegas. Em certo momento, ela mexe nas fixas para atendimento, e sozinha, justifica que não adiante chamar ninguém, pois a enfermaria está cheia. Em seguida, dois guardas civis parecem reclamar das atitudes dos médicos, que não estão atendendo. Por fim, o recepcionista vai ao fundo do hospital, e também mexe nas fichas que aguardam atendimento. Ele comenta com um dos guardas civis que mais de 30 pessoas estão na fila para se consultarem.
Enquanto o médico não volta para atender minha mãe, que aguarda próxima ao consultório vazio, um médico, de rosto jovem como os demais, sai no corredor e diz a uma enfermeira que é preciso que alguém fique na sala que ostenta a placa ‘reanimação’. “Aqui tem um enfartado e uma senhorinha, que eu preciso que você aplique morfina nela,” justifica.
A acompanhante do rapaz que desmaiou na fila pela manhã tenta falar com um médico para saber se o rapaz pode ir para casa. Enquanto ela aguarda, mata um mosquito e mostra para outra acompanhante, que diz parecer ser o conhecido e temido Aedes.
Atendimento
O médico retorna e convida a minha mãe a entrar no consultório. Enquanto uma enfermeira caminha de um lado para o outro parecendo um pouco atordoada diante do trabalho, uma mãe entra no corredor e pede para que a filha sente-se ao meu lado. Eu pergunto a ela se é dengue, a mãe responde que não, mas cita que a menina sofre com dores de cabeça e em todo o corpo. Em seguida, ela me conta que há poucos dias estava doente juntamente com a outra filha. “Neste mês eu não fiz compra para casa. Gastei meu dinheiro com remédios,” desabafa, entre uma invocação e outra do nome de Cristo.
Em seguida a jovem sai sorrindo, o acompanhante estava liberado para ir embora. Voltar pra casa é sempre uma sensação muito boa para quem está em um hospital.
Minha mãe sai do consultório. Eu me despeço da senhora e nos dirigimos até a farmácia do hospital. Lá, uma servidora que tenta transformar a cadeira em uma cama, afirma que não será possível pegar nenhum dos cinco medicamentos receitados pelo médico, porque não estamos de posse de um comprovante de endereço.
Passamos em uma drogaria que ficam em frente ao hospital, compramos os medicamos e seguimos para casa. No caminho, minha mãe comentou que gostou do médico, por ele ser tranquilo e fomentar preocupações desnecessárias. E assim terminou o meu dia de CAIS. Com certeza hoje, amanhã e depois outros viverão a mesma experiência, talvez, apenas não escrevam sobre isto.