segunda-feira , 25 novembro 2024
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Tese de Cileide, em 2 artigos seguidos, é que a política não está acompanhando a sociedade. Marconi, Iris, Gomide e todos os demais deveriam ler

Em dois artigos sucessivos, a editora-chefe de O Popular Cileide Alves abandona sua tradicional e emocional ojeriza pela classe política e entra com profundidade, apesar do pequeno e bem vindo tamanho dos textos, na questão da defasagem entre a política e a sociedade – hoje, no Brasil e, por que não?, principalmente em Goiás.

Eis aí uma abordagem à altura de um grande jornal como O Popular – longe das manifestações de simples indignação moral que costumam permear artigos como os de Fabiana Pulcineli ou João Lemes.

A tese de Cileide é que a evolução da sociedade não está sendo acompanhada pelos políticos e sua prática. Em parte, por ganância de poder a todo custo, em parte por realmente não saber como reagir às novas demandas que surgiram nos últimos anos no país.

Os dois artigos – “Divórcio entre poder e política” e “Sobre o líder” – deveriam ser recortados, emoldurados e pendurados na cabeceira dos nossos políticos, do governador Marconi Perillo aos vereadores do menor município goiano, que deveriam ler e reler os textos a cada dia.

Os políticos brasileiros “não convencem mais com o discurso de realizadores, de salvadores da pátria unicamente por seu carisma e sua suposta missão de trabalhar pelo bem público”, diz a editora-chefe. E acrescenta: “As pessoas não precisam de guias, semideuses, mas de pessoas reais que compartilhem com elas soluções efetivas para problemas também reais”.

O Goiás 24 Horas concorda em gênero, número e grau.

Leia agora os dois artigos de Cileide Alves – e guarde para sempre:

Divórcio entre poder e política
Cileide Alves

O sociólogo polonês Zygmunt Bauman, radicado na Inglaterra, é um dos principais pensadores sobre a modernidade e as mudanças na sociedade contemporânea e defende que o mundo vive uma grande revolução cultural. Bauman afirma que os jovens de sua geração, ele tem 89 anos de idade, se perguntavam o que devia ser feito para melhorar a sociedade.

Hoje não, diz, pois as pessoas estão com medo, não têm um modelo de sociedade perfeita, uma utopia, como no passado. Para ele, a principal pergunta que as pessoas hoje se fazem não é o que fazer, pois nem chegam a pensar no que deve ser feito, porque para chegar a essa pergunta precisariam responder uma mais difícil: quem vai fazer?

O sociólogo explica que essa dificuldade de saber quem pode fazer mudanças deriva do divórcio que ele diz ter havido entre poder e política. “O poder é a capacidade de fazer coisas e a política, a capacidade de decidir que coisas devem ser feitas. Tanto o poder quanto a política estavam nas mãos do governo.” O Estado tinha a autoridade de decidir e o poder de agir. Tudo isso mudou, acredita, porque na sociedade globalizada quem decide já não são mais os Estados, mas forças globais e os conglomerados multinacionais.

Bauman refere-se à perda de poder dos chefes de Nações, mas isso também pode ser sentido em outras instâncias de poder. Governadores e prefeitos também perderam poder de decidir e de fazer. O governador Marconi Perillo não conseguiu fazer a reforma administrativa que pretendia nem consegue demitir os mais de 3 mil comissionados de cargos já extintos.

O prefeito de Goiânia, Paulo Garcia, não lidera a necessária melhoria no transporte coletivo da capital, muito menos toma as medidas de redução de despesas necessárias para adequar seu governo à Lei de Responsabilidade Fiscal. Internamente, a presidente Dilma Rousseff têm dificuldade de montar seu ministério. Na prática eles não têm o leme do poder e da política, porque são dependentes das forças políticas e de conglomerados econômicos.

Diante desse divórcio vivemos o que Bauman chama de “interregno”, um conceito que ele foi buscar em Tito Lívio, o historiador de Roma antiga: “Interregno significa, simplesmente, que a antiga maneira de agir não funciona mais, mas as novas maneiras de agir ainda não foram inventadas”, diz.

Quer dizer que vivemos um dilema: a autoridade não mais consegue atender aos anseios da sociedade e esta, que já percebeu isso, foi para as ruas gritar pelo que lhe é de direito. Se a autoridade do Estado de decidir e de fazer as coisas dilui-se, mas a sociedade clama por decisões e ações, o que poderá acontecer então? “Não sei. Eu não tenho essa resposta e não ousaria prever nada”, responde Bauman. Está aí o grande impasse da sociedade contemporânea que vai certamente exigir novos tipos de líderes, não os líderes à moda antiga. Mas isso já é tema para outro artigo.

SOBRE O LÍDER
Cileide Alves

Maquiavel disse que a um príncipe é necessário ter o povo a seu lado e que, de outro modo ele sucumbirá. Observou que o príncipe que se escora no povo se tornará apto ao comando. Considerou ainda que um príncipe “cauteloso deve conceber um modo pelo qual os seus cidadãos, sempre e em qualquer situação, percebem que ele e o Estado lhes são indispensáveis. Só então aqueles ser-lhe-ão sempre fiéis”.

Esses ensinamentos do príncipe da ciência política da Idade Média me ocorrem neste momento da história contemporânea em que o povo não mais está ao lado de seus líderes e nem estes conseguem fazer os cidadãos perceberem que eles e o Estado lhes são indispensáveis.

O que ocorre atualmente é uma insatisfação generalizada e um deslocamento completo dos cidadãos de seus líderes políticos, pois, diferentemente do que ensinou Maquiavel, a autoridade não mais consegue atender aos anseios da sociedade. O Estado perdeu a autoridade de decidir e de fazer as coisas em prol dos cidadãos.

Só que os líderes políticos brasileiros ainda se consideram príncipes maquiavélicos. Não perceberam que estão sós e que não tocam mais no coração e nas mentes de seus liderados porque se distanciaram da sociedade para se aproximarem dos grupos políticos e econômicos que sustentam seus projetos de poder. Assim, não convencem mais com o discurso de realizadores, de salvadores da pátria unicamente por seu carisma e sua suposta missão de trabalhar pelo bem público.

As mudanças da sociedade contemporânea vão exigir novos tipos de líderes, o que a política brasileira ainda não conseguiu produzir. As pessoas querem bem-estar para si e para os seus e têm demonstrado dificuldade de aceitar o discurso político que não se encaixa na sua percepção da realidade.

Em artigo no POPULAR em 28 de fevereiro, a psicanalista Luciene Godoy tocou neste assunto. Segundo ela, mudanças na família, em especial com a divisão de poder entre homem e mulher, horizontalizou as relações de poder, que estão substituindo as relações verticais. “Um líder horizontal não precisa ser modelo, mas ser ele mesmo e achar seu caminho a cada momento. Os outros seguirão os seus próprios caminhos também e eles se encontrarão naquilo que os unem.” Ou seja, as pessoas não precisam de guias, semideuses, mas de pessoas reais que compartilhem com elas soluções efetivas para problemas também reais.

Mas diferentemente desse anseio público, os políticos continuam como se tudo fosse ainda como na era de Maquiavel e recorrem às antigas táticas de marketing para construir a imagem de líder vertical, de um deus realizador, predestinado a liderar seus súditos e capaz de resolver todos os seus problemas.

Curioso que a tática é a mesma, tanto dos antigos líderes, os que estão no poder há mais tempo, como dos políticos mais jovens de idade ou novatos na vida pública. Por isso não há novo na política. Se insistirem nesse modelo vertical e na retórica vazia e desprovida de realidade vão conseguir se afastar ainda mais do público.

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