Veja reportagem publicada no Portal 730
Às vezes é preciso ter paciência ou simplesmente contar com a sorte para encontrar uma vaga de estacionamento nas ruas mais movimentadas de Goiânia. Quem nunca já passou pelo teste de circular um, dois ou até três quarteirões à procura de um local adequado para estacionar? Ou mesmo desistiu do calvário e apelou para os estacionamentos particulares? A dor de cabeça, no entanto, está longe de acabar. Na visão da Prefeitura de Goiânia, a falta de estacionamento é problema único e exclusivo do dono do veículo.
A afirmação é da analista de Obras e Urbanismo da Secretaria Municipal de Trânsito, Transportes e Mobilidade (SMT), Ana Damascena Mendes Mesquita. “Não cabe ao município, ao órgão gestor de trânsito gerar espaço para acomodar os veículos. Os veículos são particulares e o problema gerado para estacioná-lo é particular. Cada um tem que saber onde guardar o seu veículo antes de adquiri-lo”, diz a analista.
Para Ana Damascena, a prefeitura tem a responsabilidade de resguardar aos usuários da via, o direito de ir e vir, principalmente os de bens e serviços. “Pela legislação, o município tem que garantir o direito de passagem para ônibus, de ambulâncias, bombeiros, a coleta de lixo, o transporte de valor e não o estacionamento”.
A princípio, a afirmação da analista pode chocar e revoltar qualquer motorista que sofre no dia a dia com a falta de vagas nas ruas da capital. Afinal, como frear a facilidade de financiamentos de carros e motos com parcelas a perder de vista e que contribuem de forma considerável no aumento de veículos no trânsito? Ou como obrigar as edificações antigas a disponibilizarem vagas aos seus moradores, comerciantes e visitantes?
Sob essa ótica, Ana Damascena tem razão. “Se formos priorizar só o veículo, vamos travar a cidade inteira e ninguém anda mais”, acrescenta. Mas, como se diz na expressão popular, “o buraco é mais embaixo” e a gestão municipal simplesmente não pode virar as costas para o problema.
Além dos fatores acima citados, a falta de estacionamentos também é o reflexo da ausência de fiscalização adequada nos locais rotativos, como a área azul, o desrespeito à sinalização de trânsito e a falta de compromissos de novas empresas que não preveem em seus projetos vagas de veículos para funcionários e clientes com o objetivo de diminuir o impacto nas áreas onde se instalam. “A Prefeitura não pode obrigar um edifício antigo a ter vagas para atender seus clientes, mas com os novos empreendimentos sim. A Prefeitura não pode exigir que o dono faça a demolição de um imóvel antigo só para atender seus clientes”, explica a analista da SMT.
Soluções
Para a construção de novos empreendimentos imobiliários, o novo Plano Diretor exige a oferta de um número mínimo de vagas para veículos. Quem pretende abrir um novo negócio precisa passar ainda pelo Relatório de Impacto de Trânsito (RID). Porém, ainda assim essas exigências parecem ser insuficientes para acabar com o transtorno.
O especialista em Transporte e Trânsito e professor do Instituto Federal de Goiás (IFG), Marcos Rothen diz que a prefeitura precisa elaborar políticas públicas que reforcem a nova lei de Mobilidade Urbana, que inclusive estabelece formas para disciplinar o uso do automóvel nos estacionamentos públicos e privados. Além disso, o especialista avalia que a gestão municipal precisa ampliar o uso da área azul para outras regiões. “O que temos que ter urgentemente é reativar o estacionamento rotativo no Centro que funciona pouco e ampliá-lo para outros locais. Hoje a área azul é restrita só ao Centro e não contempla polos importantes como os setores Bueno e Campinas”.
Mesmo assim, para Marcos, a medida não seria a mais eficaz, o que obriga a própria prefeitura a retomar a discussão da adoção de parquímetros, aparelhos que visam garantir a rotatividade em vagas de estacionamento público. Em 2009, o governo municipal chegou a fechar contrato com a Câmara de Dirigentes Lojistas (CDL) para a instalação dos parquímetros, mas a Justiça determinou sua suspensão porque ele foi feito sem licitação.
Já a analista da SMT afirma que a instalação de parquímetros não soluciona o problema porque não são criadas mais vagas de estacionamento. “Isso força as pessoas a buscarem outros meios de deslocamento, mas não resolve o problema porque não cria mais vagas”. Hoje o Centro da capital conta com 1.700 vagas de estacionamento público destinado para a área azul.
A aposta da prefeitura é a priorizar o transporte público, com a criação de corredores exclusivos e a proibição de estacionar nas principais avenidas da cidade, como na T-63. A medida é polêmica e gerou protestos de comerciantes que reclamam dos prejuízos financeiros. Aos comerciantes restaria a alternativa de estabelecer parcerias com os estacionamentos particulares para não perder clientes.
Situação insustentável
O promotor de Urbanismo do Ministério Público de Goiás, Maurício Nardini afirma que enquanto a cultura do transporte público não estiver disseminada na cidade, a situação continuará insustentável. “Nós temos aqui o primado do transporte individual, não temos a cultura de um transporte coletivo e solidário, por isso Goiânia caminha para uma situação de insustentabilidade do ponto de vista do transporte coletivo”.