Veja o artigo dominical da jornalista Cileide Alves, em O Popular:
Caminho sem volta
A defesa da diversidade e da tolerância foi um dos pontos altos da sabatina que o Senado fez, na terça-feira, com o advogado Luís Roberto Barroso, 55 anos, no processo de sua aprovação para o cargo de ministro do STF.
Para o futuro ministro, a marca do mundo contemporâneo é a pluralidade e a diversidade de religiões, de origens e política. “Nós vivemos a época da tolerância, época em que se devem respeitar todas as possibilidades razoáveis de uma vida boa. A verdade não tem dono, existem muitas formas de ser feliz. Cada um é feliz a sua maneira, desde que não interfira na vida de outrem”, disse.
O 3º Congresso Goiano de Direito de Família, coincidentemente na mesma semana da sabatina, tratou de um tema conexo à manifestação de Barroso, os novos arranjos familiares existentes e que estão à margem da legislação. Ou seja, os profissionais do Direito buscam abrigar juridicamente as situações que já existem na vida real, não estão inventando a roda.
A Lei do Divórcio, em 1977, que também chocou profundamente os tradicionalistas de então, foi um passo nesse sentido, de encontro da lei com a vida dos cidadãos. Passados quase 40 anos, o divórcio é tão natural atualmente como são os casamentos, até mesmo para os grupos religiosos fundamentalistas que agora combatem as relações homoafetivas.
“Não havia no Direito brasileiro regra específica para tratar dessa questão. Mas há uniões homoafetivas, esse é um fato da vida, e o juiz precisa decidir se há direito à sucessão, se o patrimônio é comum, se na hipótese de venda de um bem o casal homoafetivo deve assinar junto. Portanto, os problemas surgem. Como o Congresso, compreensivelmente, tem dificuldade de produzir norma nessa matéria, o Judiciário teve que produzi-la,” disse Barroso, resumindo o desacerto entre a lei e a vida.
As reações contrárias, como as protagonizadas por religiosos que insistem em impedir o curso do mundo, são inúteis, pois não conseguirão frear a histórica caminhada da humanidade que, neste caso, foi desencadeada pelo surgimento do casamento por amor. Antes dessa grande revolução, a família constituía-se por arranjos econômicos e estava voltada, fundamentalmente, para a reprodução. O casamento por amor mudou tudo.
O modelo familiar com o homem chefe de família, a mulher reprodutora e cuidadora do lar e dos filhos deu lugar a uma gama diversa de arranjos familiares muito complexos. A sociedade, portanto, já mudou, já se diversificou, não há mais como ser contida, pois é um processo que vem desde o surgimento do Iluminismo, no século 18, que colocou um fim na tradição medieval.
As pessoas querem ser felizes e cada um a seu modo. Como disse em Goiânia a ex-desembargadora do Rio Grande do Sul Maria Berenice, “temos de aprender a sentir a dor do outro” e, completando seu raciocínio, não impedi-lo de ser feliz, mesmo discordando da escolha.