O radialista-militante Altair Tavares continua esticando os limites do seu partidarismo na Rádio Vinha FM. No programa desta sexta-feira 13, Altair chegou ao cúmulo de dizer que não existe indústria da multa no trânsito de Goiânia.
“Dados não sustentam isso”, diz o radialista.
A afirmação de Altair contraria investigações sérias e consistentes tocadas pelo Ministério Público (em particular pelo promotor Fernando Krebs) e pelo Tribunal de Contas dos Municípios (TCM).
Veja reportagem publicada no dia 9 de setembro deste ano no portal da Rádio 730:
Ministério Público de Contas constata indústria da multa em Goiânia
Inspeção feita por servidores do Tribunal de Contas dos Municípios concluiu que a Secretaria Municipal de Trânsito “multava para se sustentar”. Em abril deste ano, a Corte determinou readequações na secretaria, que até hoje não encaminhou documentação comprovando as mudanças
Um órgão que multa para se sustentar. Essa é a lógica perversa da fiscalização do trânsito constatada por servidores do Tribunal de Contas dos Municípios (TCM), que realizaram esse ano uma inspeção in loco na Secretaria Municipal de Trânsito, Transporte e Mobilidade (SMT) para tentar responder o que muitas pessoas perguntam: afinal, para onde vai o dinheiro arrecadado em Goiânia com as multas aplicadas por seus agentes?
A conclusão é desalentadora. Desde 2004 o órgão vinha aplicando os recursos obtidos com as multas irregularmente, custeando os gastos de pessoal e desrespeitando a lei. Como o órgão era mantido unicamente pelas taxas e multas cobradas, não recebendo qualquer aporte de recursos por parte do Executivo municipal, isso só reforçou que a falada indústria da multa não era simplesmente um factoide. Além disso, a Rádio 730 recebeu denúncia anônima de um próprio agente de trânsito afirmando que os profissionais ganham sim por multas aplicadas.
Na análise feita pelo Ministério Público de Contas do TCM, o órgão era compelido a aumentar o número de autuações, fazendo da multa e não do trânsito seguro, seu objetivo maior. “Se os condutores passarem a se comportar diligentemente, reduzindo assim a um nível mínimo a quantidade de multas aplicadas, a secretaria não poderá honrar sua folha de pagamento”, descreve o documento.
O Código Brasileiro de Trânsito é claro ao determinar que o dinheiro proveniente das multas deve ser aplicado exclusivamente em serviços de sinalização, engenharia de tráfego e de campo, policiamento, fiscalização e educação de trânsito. A reportagem da Rádio 730 teve acesso ao relatório emitido pelo MPC e que resultou no acórdão do TCM em abril deste ano determinando respostas da secretaria.
Pela tabela é possível observar que os valores arrecadados com multas de trânsito, historicamente, correspondem à quase totalidade da receita corrente líquida da secretaria. Ainda que a folha de pagamento consuma cerca da metade dos valores obtidos das multas, o quadro mereceu atenção no relatório. Afinal, no linguajar mais popular, se a SMT deixar de multar, ela “quebra”.
Técnicos do tribunal levantaram ainda a seguinte pergunta: que papel a Prefeitura de Goiânia reservaria para a educação no trânsito? “O que já reserva, é obvio: mínimo”, descreve o documento. No exercício de 2009, a pasta arrecadou mais de R$ 22 milhões com multas de trânsito, mas aplicou pouco mais de R$ 492 mil em educação de trânsito, sendo R$ 249 mil destes correspondentes à folha de pagamento.
No ano passado, o Ministério Publico Estadual abriu inquérito para investigar a indústria da multa na capital. O promotor de Justiça, Fernando Krebs, já havia constatado que a receita recolhida com as multas não era destinada para as finalidades especificadas pela lei. Além disso, Krebs recebeu a denúncia que os agentes eram instruídos a multar mais para alcançarem os escalões mais altos da pasta. Para abrir o inquérito, o promotor se baseou em um abaixo assinado feito por 150 servidores da secretaria, que denunciaram “condutas impróprias” e assédio moral. Na época, Miguel Tiago atribuiu a denúncia à rixa com Sindicato dos Agentes de Trânsito de Goiânia (Sinatran) e pelo momento eleitoral de 2012.
Passados mais de um ano após a abertura do inquérito, o promotor não concluiu a investigação. Krebs não quis dar mais detalhes sobre o assunto e afirmou que ainda não há previsão para a conclusão do inquérito.
SMT ignora acórdão do TCM
Apesar da lentidão do Ministério Público Estadual em concluir a investigação, em abril deste ano, a Corte do TCM determinou, por meio de um acórdão, que a atual gestão da secretaria comprovasse os ajustes necessários para a aplicação dos recursos oriundos de multas de trânsito no prazo de 90 dias. Também firmou entendimento que as receitas não poderiam ser destinadas mais ao custeio de remuneração e encargos de pessoal, uma vez que existe uma “qualidade extravagante e indesejável da receita de multas”. Além disso, a Corte alertou que em caso de descumprimento do prazo, seria aplicada multa diária e individual, correndo risco dos gestores terem suas contas rejeitadas.
No entanto, o conselheiro relator, Paulo Ernani Ortegal, não acatou o parecer do MPC sobre a indústria da multa, alegando que seria “temeroso” concluir esse relato visto “à falta de precisão nas informações relatadas pela comissão”. Ele acolheu apenas outras observações feitas pelo MPC.
A surpresa maior ficou por conta da própria SMT, que mesmo passados os 90 dias, ainda não encaminhou documentação que comprovasse que as receitas obtidas com as multas estavam sendo aplicadas agora em conformidade com a lei. A reportagem da Rádio 730 tentou falar com a secretária, Patricia Veras, mas ela se recusou a dar entrevista e muito menos autorizou um responsável de confiança para explicar a situação no seu lugar. A assessoria de imprensa do órgão disse que não foi possível agendar entrevista por telefone ou pessoalmente, mesmo tendo sido avisada do pedido com dois dias de antecedência.
Para evitar maiores questionamentos, a secretaria preferiu responder à reportagem por e-mail, onde afirmou que neste ano, a então agência foi transformada em secretaria e que todos os pagamentos passaram a ser de responsabilidade única e exclusiva do tesouro municipal. A SMT afirmou que as informações foram encaminhadas ao TCM pela Controladoria Geral do Município.
A reportagem entrou em contato com o TCM, para ter acesso aos dados repassados pela prefeitura. Mas o tribunal informou que nenhum documento havia chegado comprovando as adequações feitas pela SMT. Diante do impasse, o TCM disse que vai abrir um novo processo para averiguar o não cumprimento da decisão e aplicar as penalidades cabíveis ao órgão e seus gestores.
Folha salarial mal explicada
Horas extras que chegam a R$ 3 mil, outros proventos contabilizando mais R$ 3 mil, “diferenças” de R$ 5 mil e, no final do mês, um salário polpudo que pode totalizar mais de R$ 7 mil. Esse tem sido o salário de uma boa parte dos agentes de trânsito, de acordo com dados da folha salarial da categoria disponibilizada no Portal da Transparência da prefeitura. O salário base dos agentes grau 7 (ensino médio) e grau 8 (ensino superior) não passa de R$ 1,3 mil. No entanto, a quantidade de benesses concedidas pela secretaria levanta também dúvidas se existe uma relação entre o pagamento do salário com a produtividade dos agentes nas ruas de Goiânia.
Como explicar o pagamento de gratificação, gratificação incorporada, outros proventos, “diferenças” e a política de horas extras que resultam no contra-cheque do agente, pagamentos que variam entre R$ 3 mil a R$ 8 mil? Afinal, alguns “penduricalhos” dão margem para que seja incluída a “produtividade” em outros acréscimos na folha de pagamento.
No final de 2011, o Sinatran teria apresentado uma proposta de sistema de pontuação para aferir a produção dos agentes, ou seja, a produtividade seria vinculada ao salário. Mas a ideia teria sido descartada pelo prefeito Paulo Garcia (PT), já que ela poderia vincular a pontuação à multa.
A SMT não explicou com detalhes sobre a política de pagamento da hora extra ou o acréscimo chamado de diferença. Mas ela explica que os acréscimos estão previstos em lei. A gratificação é um acréscimo no vencimento para o profissional que exerce cargo específico, como chefia, diretoria, supervisão, entre outros. A gratificação incorporada é paga após 5 anos de efetivo exercício em função de confiança ou 10 anos intercalados, cujo valor é relativo à maior gratificação recebida durante pelo menos um ano.
A secretaria afirma ainda que outros proventos são adicionais referentes aos incentivos para condutores de veículos, no valor fixo de R$ 625,68. Ou seja, é pago aos agentes que conduzem os veículos da SMT. Os profissionais recebem também adicional de incentivo à educação de trânsito, no valor de R$ 1.464,66 e adicional de risco de vida no valor de R$ 951,34.
Apesar das constatações do MPC, a SMT rebate a ideia que em Goiânia exista a indústria da multa. Salienta que na capital o que pode ser visto é uma “verdadeira indústria de infrações”. “Com motoristas trafegando na contramão, falando ao celular, conduzindo veículo sem utilizar o cinto de segurança, avançando o sinal vermelho, desrespeitando as faixas de pedestres, estacionados em locais proibidos, etc”, informa a nota.
Ela rechaça ainda que alguns agentes agem de má-fé, pelo puro e simples prazer de multar. Quando comprovado a prática do ato e a responsabilidade do servidor, um processo disciplinar é aberto. A reportagem entrou em contato com dois agentes de trânsito, que também descartaram a indústria da multa ou q existência de orientação por parte da secretaria para aplicar mais infrações aos condutores.
No entanto, um agente admitiu que alguns profissionais “têm prazer” em multar, engordando assim o caixa da prefeitura. Nesses casos, o discurso fica bem distante da prática que é educar e orientar os motoristas e pedestres. “Alguns agentes sentem prazer em multar. Mas não multam por nada, mas sim porque veem muitas irregularidades. A prioridade, no entanto, continua sendo orientar e educar os motoristas”.
O presidente do Sinatran, Glauber Maia, o manifesto assinado no ano passado pedindo a saída de Miguel Tiago estava relacionado à insatisfação dos agentes quando ao critério de escolha dos supervisores e cargos de confiança. Ele disse que nunca houve orientação explícita para que os agentes confeccionassem mais autos de infração nas ruas. “Mas nós sabíamos internamente na época que havia um ranking e que esse ranking onde eram escolhidos os supervisores, em um dos critérios havia sim a quantidade de notificação de multas. Foi o que nos levou a ter essa indignação e a fazer esse manifesto”.
Hoje Glauber desconhece a indústria da multa na capital e diz que os agentes nunca receberam nenhum centavo a mais pelo quantitativo de autuações aplicadas por eles. O presidente explica também que todos os “penduricalhos” da folha salarial dos agentes são previstas em lei e que muitas gratificações são estendidas também a outros servidores do município.