Veja reportagem do Jornal Opção:
Tempo
Em meia hora, o mundo será velho
Na vida atual, em que a correria e o estresse imperam, há quem busque explicações para esse fenômeno da evolução e quem não concorde com ele
Marcos Nunes Carreiro
Carlos acordou às duas da manhã de um sábado com o telefone tocando. “Eu devia ter desligado esse celular”, pensou ele quase ao mesmo tempo em que sua mulher resmungava ao seu lado. Mas essa alternativa não existia. Era um cliente e a ligação precisava ser atendida.
No fim, não era nada tão importante, mas Carlos não conseguiu dormir de novo. Então, pegou seu computador, um Mac, e voltou a fazer aquilo que tem feito com tanta frequência: trabalhar. Carlos Willian Leite é editor da Revista Bula, mas também alimenta sites e redes sociais com informações de seus clientes. Ou seja, a internet é sua principal ferramenta de trabalho. Não estranho que sua média na internet girasse em torno de 12 horas diárias. Ele já chegou a ficar 18 horas seguidas na internet.
“Daqui a meia hora, o mundo será velho”, ele costuma dizer. Uma verdade para quem vive como Carlos. Afinal, não à toa, poucas notícias passam despercebidas por ele. É a vantagem da instantaneidade do mundo. Assim, daqui a meia hora, uma notícia cotidiana comentada pelo Facebook já está velha. “Vi isso no Twitter”.
Mas nesse sábado, Carlos não queria mais ver as notícias. Seu braço começara a doer novamente. Há dias seu braço direito vem apresentando problemas. E ele atribui a dor ao tempo prolongado que passa em frente ao computador, ou mesmo no celular. Foi pensando nisso que conseguiu se encaminhar para a cama, horas depois, e descansar um pouco antes de ir para a academia.
A falta de exercícios físicos também tem causado problemas de saúde em Carlos, mas esse não é um problema apenas dele. Grande parte da sociedade tem sofrido com esse fator. Talvez, por isso, a academia estava cheia. Seu braço doía menos, mas ainda incomodava e ele foi para a esteira, quando o celular tocou. Tocou uma, duas, três vezes. Atendeu todas e resolveu aquilo que deveria ser solucionado. Trabalho.
Mas a outra ligação –– a quarta no intervalo de 21 minutos –– não era de natureza comercial. Carlos atendeu, enquanto ainda corria na esteira e um jornalista falou do outro lado da linha. Ele queria saber por que as pessoas de hoje estão sempre ligadas, isto é, conectadas, informadas e querendo mais. “Por que há pressa no mundo atual?”, perguntou o jornalista.
“São algumas questões”, respondeu Carlos. “Acho que, em grande parte, isso é um fator cultural. A vida encaminhou para isso, pois, hoje, vivemos a linguagem do instantâneo. É tudo muito rápido. Um grande exemplo são os jornais impressos que ainda não se adequaram à linguagem da internet. Eles sempre dão notícias de ontem. E isso vai de encontro à tendência de agilidade do mundo, em que tudo é para agora. Uma pessoa que entra em um site de notícias quer lê-las todas naquele momento”.
–– Certo. Mas há outro fator, interrompeu o jornalista. Quando você fala que a vida encaminhou para isso, está incluso o aspecto consumista também?
–– Em relação a hardware ou produtos informativos?
–– A materiais, como celulares e computadores. É comum que as pessoas estejam ligadas sempre a novos equipamentos.
–– Ah sim. Bom, geralmente quem está muito ligado às questões de tecnologia, quer novos equipamentos para suprir a necessidade de agilidade. Como diz um amigo meu, a facilidade na criação de novas tecnologias tende a deixar as pessoas impacientes. Mas não apenas o consumo de equipamentos. O consumo exagerado de informação também faz isso.
O amigo citado por Carlos é Hugo Wantuil, consultor e especialista em informática, que também é um refém das tecnologias. Assim como o amigo Carlos, não é raro que ele ouça o celular tocando de madrugada, ou passe noite em claro em frente ao computador. Em tal situação, ele concomitantemente diz que atualmente não é mais o poder que revela o verdadeiro “eu” de alguém. “Hoje, para conhecer uma pessoa, basta tirar a internet dela”.
Quando desligou o telefone, Carlos também desceu da esteira. Já havia cumprido sua meta do dia. Mas ficou o pensamento no assunto que o jornalista abordara. Por que há pressa no mundo e qual a influência dos novos equipamentos nesse comportamento das pessoas? Enquanto se arrumava para ir se encontrar com um cliente, Carlos se lembrou de quando comprou seu primeiro iPhone, sob o argumento de que ele iria facilitar a sua vida. Afinal, com o aparelho, ele poderia armazenar um maior número de arquivos, além de editar as fotos e acessar a internet de maneira mais rápida.
Alguns anos depois, ele percebeu que a facilidade não foi o único fator acrescentado em sua vida. Na época, ele sinceramente achava que a tecnologia poderia amenizar sua falta de tempo. Pura inocência. Na verdade, ocorreu o contrário. Se antes, ele separava um tempo para almoçar, hoje divide esse tempo com o recebimento de e-mails, novas mensagens no Whatsapp e as notificações do Facebook, do Twitter e do Instagram. Ao perceber isso, Carlos resolveu ler mais e questionar outras pessoas a respeito do assunto.
Primeiro, ele resolveu mandar um email para uma ex-colega de trabalho. A jornalista Déborah Gouthier. Recentemente, ela esteve fora do Brasil e ele queria saber quais eram suas impressões e o que ela vira. Ele escreveu:
“As pessoas hoje vivem numa correria frenética em busca de muitas coisas, principalmente, independência financeira e conforto (melhores celulares, computadores, carros, etc.). Mas o grande fator é que temos, atualmente, pessoas que não se desligam. Isto é, gente que anda com um notebook, um tablet e três celulares para estar sempre ligado nas notícias e ambientado em vários assuntos. ‘É a busca vã de ser onipresente’, vi um filósofo dizer. Por quê? Qual o sentido? Existe necessidade? O que você pensa sobre isso? Nas suas viagens, o que você viu ou o que sentiu?”.
Mandou o email e, enquanto esperava, ligou para um psicanalista conhecido, que também era filósofo. Queria saber mais sobre o assunto e os dois marcaram de se encontrar em um restaurante. Já era quase hora do almoço, então o encontro veio a calhar.
Quando chegou ao local, Carlos encontrou o psicanalista Cristiano Pimenta ainda no estacionamento do restaurante. Inevitavelmente, como se o volume do som estivesse alto, ele não pôde deixar de ouvir a música que tocava no carro:
“–– Olá! Como vai?
–– Eu vou indo. E você, tudo bem?
–– Tudo bem! Eu vou indo, correndo pegar meu lugar no futuro… E você?
–– Tudo bem! Eu vou indo, em busca de um sono tranquilo… Quem sabe?
–– Quanto tempo!
–– Pois é, quanto tempo!
–– Me perdoe a pressa, é a alma dos nossos negócios!
–– Qual, não tem de quê! Eu também só ando a cem!
–– Quando é que você telefona? Precisamos nos ver por aí!
–– Pra semana, prometo, talvez nos vejamos… Quem sabe?”
O diálogo característico de “Sinal Fechado”, música do velho Paulinho da Viola, gravada no disco homônimo em 1974 por Chico Buarque de Holanda, serviu para que os dois logo iniciassem o diálogo sobre o tema proposto. Afinal, como analisou o próprio Cristiano, a canção retrata uma conversa entre duas pessoas, que há muito não se viam, e se encontraram em um sinal fechado. Conversa pouca. Conversa breve, assim como a dos dois que ali se encontravam.
Entraram no restaurante e fizeram seus pedidos. Conversaram sem pressa, embora os celulares não parassem de tocar. Em dado momento, como o assunto já estivesse a muito estabelecido, Cristiano explicou que cada caso de pressa excessiva ou ligação intensa com o ritmo frenético do mundo atual deve ser tratado de uma maneira:
–– Se tenho pacientes que vivem apressados e isso traz algum tipo de transtorno para eles, eu tomo cada situação de maneira específica. É claro que acabamos fazendo alguma generalização, mas sempre com essa ressalva: que em cada pessoa encontramos um motivo.
–– Que tipo de motivo, Cristiano?
–– Por exemplo, alguém que é casado e tem família. Às vezes, ele se engaja em muito trabalho e muita pressa. É possível que essa pessoa tenha problema de relacionamento e, por isso, corra dessas relações. Mas é um caso específico. De modo geral, não existe apenas esse tipo de pressa.
–– Mas isso em relação ao trabalho. E quem vive conectado por outros motivos, por exemplo, o vício pela internet, redes sociais…
Nesse momento, o celular de Carlos tocou. Um novo email havia chegado. Por questão de respeito, deixou o celular de lado e ouviu a resposta de Cristiano.
–– Algumas pessoas têm milhares de amigos no Facebook e são consumidas por horas conversando com esses amigos. O interessante é que, geralmente, são assuntos inúteis, isto é, não tem um objetivo certo. E tudo isso influencia em problemas para a própria pessoa.
O celular de Cristiano tocou e ele pediu licença para atender. Então, Carlos aproveitou o momento para ler o email que havia chegado. Era a resposta da Déborah. Em seu jeito leve de escrever –– habilidade que poucos têm –– ela relatou: