Veja artigo da jornalista Cileide Alves, editora-chefe de O Popular:
O ovo da serpente
A operação da polícia para proteger o preso Guilherme Longo foi insuficiente. Acusado de matar seu enteado, Joaquim Ponte Marques, de 3 anos de idade, ele foi hostilizado por dezenas de pessoas durante a reconstituição do crime, sexta-feira, em Ribeirão Preto (SP).
Dedos em riste e enlouquecidas, as pessoas se sentiram no direito de julgar, condenar e, se não houvesse a barreira policial, poderiam até ter tentado impor o castigo com as próprias mãos ao preso, que nem é réu confesso, mas acusado pela polícia. Movendo essas pessoas está uma convicção de que se deve impingir grande sofrimento a autores de crimes que provocam forte comoção social.
A prisão, dia 15, de 11 condenados no processo do mensalão, entre eles o ex-ministro José Dirceu, o deputado federal José Genoino, e Delúbio Soares, todos do PT, saciou semelhante sentimento de vingança de boa parte da população contra políticos corruptos.
Inquestionavelmente a prisão de condenados em crimes contra a administração pública é um avanço. O escândalo do mensalão não foi ficção política ou piada de salão. Há provas nos autos de que foi montado um esquema financeiro de cooptação e, portanto, é fantasioso o discurso petista de que seus militantes são presos políticos.
Só que a mera prisão dos acusados, infelizmente, não vai tornar esse país melhor nem muito menos impedir novos escândalos. Fosse assim os casos de corrupção já teriam diminuído, o que não tem ocorrido. As sucessivas denúncias indicam que a corrupção continua entranhada em todas as estruturas de poder.
O impacto da prisão dos condenados e a satisfação com encarceramento de políticos poderosos, de banqueiros e de corruptores são insuficientes para melhorar a política, assim como hostilizar o padrasto do menino Joaquim não ajudará a reduzir a criminalidade.
Apesar das prisões, pouca coisa mudou no Brasil. Os políticos já se preparam para a quinta eleição desde que o escândalo estourou, em 2005, fazendo as mesmas barganhas por tempo no horário eleitoral gratuito de rádio e TV e acordos políticos inconfessáveis. O caixa dois das campanhas eleitorais também resiste bravamente.
Essas práticas têm induzido a população a criminalizar não apenas os acusados nos escândalos, mas a política em si, e esse é o grande ovo da serpente camuflado na ira generalizada contra tudo que vem do meio político.
O STF condenou a conduta dos dirigentes petistas e eles estão pagando pelos graves erros cometidos no passado. Mas essa condenação não pode ser estendida aos partidos e à política em si, que são necessários à construção democrática.
Para ser produtiva, a indignação popular precisa ser canalizada para provocar mudança na forma de fazer política. Só a manifestação de ódio, rancor e a satisfação do desejo de vingança nada mudam.