Reportagem de O Popular mostra mais um absurdo na saúde de Aparecida de Goiânia. A reportagem acompanhou, de forma anônima, o atendimento em unidades de saúde e constatou que muitas vezes os pacientes são atendidos pelo médicos em consultas que não duram nem 1 minuto.
Leia a matéria:
Saúde
Consulta relâmpago nos Cais
Atendimento a pacientes em sete de oito postos em Aparecida e Goiânia duram bem menos do que indicado
Galtiery Rodrigues 22 de dezembro de 2013 (domingo)
Saúde
Meses de espera por 30 segundos de consulta na rede pública
Há 8 meses, Maria de Nazaré busca saber causa de dores
Ainda estava escuro na madrugada de quinta-feira, dia 19, quando a empregada doméstica Maria de Nazaré Sousa de Oliveira, de 29 anos, acordou para ir ao Centro de Atendimento Integrado à Saúde (Cais) do Jardim Nova Era, em Aparecida de Goiânia. Mais uma vez, os sintomas de tontura, desmaios repentinos e dores no corpo, sentidos há oito meses, lhe atormentavam. Ela ficou 40 minutos dentro de um ônibus, chegou às 6h40 no local, preencheu a ficha, passou pela triagem, foi chamada três horas depois por um dos médicos do pronto-socorro da unidade e a consulta durou exatos 37 segundos e 69 milésimos.
O POPULAR presenciou tudo. A reportagem passou a semana percorrendo anonimamente os corredores de unidades básicas de saúde de Goiânia e Aparecida. Foram oito Cais, 24 consultas cronometradas e uma constatação: mais de dois anos e meio depois do POPULAR repercutir os 33 segundos da consulta da dona de casa Vanusa Souza Cunha, na edição de 6 de fevereiro de 2011, a situação no Sistema Único de Saúde (SUS) se repete, continua a mesma. O que mudou foi só a unidade, mas o cenário de corredor lotado, consultas de portas abertas, ligeiras e feitas por médicos sem a vestimenta usual (jalecos ou roupas brancas) é bastante comum.
Apesar da indignação, Maria de Nazaré deixou a sala do médico com semblante de normalidade, como se aquele tempo de consulta fosse algo natural. Na verdade, a mulher que há oito meses busca respostas nos Cais de Aparecida e tenta saber a origem dos desmaios misteriosos já não se espanta mais com esse tipo de tratamento. “Uma vez, o médico falou que eu tinha suspeita de câncer, depois outro disse que eu tinha problema na cabeça e teve até uma médica que falou que alguém tinha feito macumba para mim, porque a Medicina não conseguia diagnosticar a doença. Não sei mais em quem acreditar”, relata a doméstica que já perdeu 15 quilos, nesse período.
No último capítulo da peregrinação de Maria de Nazaré, vivido na quinta-feira, ela não ouviu nenhuma hipótese do médico, mas também saiu da unidade sem resolver o problema. Sentada de frente para o consultório em meio ao grupo de pacientes ao qual pertencia, ela foi a última a ser chamada. Assim que Maria entrou, a reportagem disparou o cronômetro. Ela nem chegou a se sentar. O médico, trajando camiseta, calça jeans e tênis, não pediu para que ela se acomodasse, tampouco lhe olhou diretamente. Apenas perguntou o que ela sentia e, já com caneta e receita na mão, preencheu rapidamente o espaço em branco indicando que ela fizesse um exame de sangue.
Trinta e sete segundos depois, Maria deixou a sala com a prescrição e entrou na fila do exame. O resultado saiu já eram quase 13 horas e ela voltou ao consultório para entregá-lo. O mesmo médico avaliou, disse que o exame não apresentava alterações e que ela poderia voltar para casa. Nesse momento, a indignação guardada nos últimos oito meses aflorou e Maria questionou, dizendo que estava, sim, doente, sentindo-se mal e que precisava de tratamento. Ameaçou, inclusive, que só sairia do Cais, depois que fosse encaminhada ou tivesse o problema resolvido. O caso precisou ser passado para outro médico e este pediu para que ela voltasse no dia seguinte. “Acontece que eu não tenho condições para ficar pagando ônibus nesse vai e vem que não termina”, diz.
Briga
O mesmo médico que atendeu Maria de Nazaré protagonizou outra situação nos corredores do Cais Nova Era. Assim que terminou de consultá-la pela primeira vez, ele saiu da sala. No mesmo instante, as funcionárias da unidade levaram um novo grupo de pacientes para aguardar em frente ao consultório, porque eles seriam os próximos a serem atendidos. Passaram-se 15, 20 minutos e nada do médico retornar. Mais de meia hora depois, uma das mulheres, já impaciente e após questionar vários funcionários sobre o paradeiro dele, descobriu que o médico era o homem de camiseta azul e calça jeans que estava conversando no corredor e mexendo no celular. Deu-se início à discussão.
A mulher perguntou ao médico porque ele não estava atendendo, se tinha vários pacientes o esperando. Ele pediu que ela se sentasse e o aguardasse como os demais. O clima esquentou e ela retrucou falando para ele criar vergonha e que lá não era lugar nem momento para “namorar” pelo celular. De repente, no pronto-socorro, só se ouvia a voz dos dois. Alterada e nervosa, a mulher voltou a se sentar e o médico só retornou ao consultório 15 minutos depois. Ele chamou um por um dos pacientes e, na vez dela, ao fim da consulta, ela parou na porta e disse para que ele colocasse pelo menos um jaleco para atender as pessoas.