Veja texto assinado pelo jornalista Euler Belém no Jornal Opção sobre o livro de Romeu Tuma Jr:
Euler de França Belém
“Dr. Tuma Junior: faça um favor ao Lula e fulmine o senador Perillo”
O deputado federal, Sandro Mabel, do PMDB, é citado pelo delegado Romeu Tuma Junior como interessado na destruição do governador de Goiás
Um dos mais escandalosos pedidos para fulminar alguém me foi feito pelo ex-ministro da Justiça Luiz Paulo Barreto. Um dia, ele me chamou no seu gabinete e, um tanto lívido, disse: “Isso aqui veio de cima, lá do Planalto, do Gilberto Carvalho, secretário particular do presidente Lula. Ele quer que você atenda a um pedido do Lula e mande para o DRCI investigar isso aqui”. O “isso aqui” do ministro da Justiça era um envelope numa pastinha que ele me entregou, com um dossiê contra Marconi Perillo. O motivo era simples: Perillo havia alertado o presidente Lula, antes de todo mundo, sobre a existência do Mensalão. E o Lula, sempre rancoroso e louco por vendetas, achava que Marconi é quem estava por trás das denúncias do Mensalão. Voltando. Pergunto ao ministro se ele está louco. Quem fez isso aqui? Ele responde: “Foram eles lá com o Sandro Mabel”. Insisto que não deveria ter aceito, e como ministro da Justiça deveria ter alertado o presidente e o Gilberto dos riscos de crime de responsabilidade! O ministro Luiz Paulo Barreto me fala: “E agora, Tuma, agora que peguei essa porra, eu faço o quê?”. Respondo, incontinenti, que não trabalho esquentando dossiês feitos na calada da noite, à socapa. Disparo: “Só aceito isso se tiver remetente oficial”. O ministro responde: “Você tem de aceitar porque o presidente e o Gilberto Carvalho querem investigar se o Perillo tem passaporte falso e contas no exterior”. Retruco: “Se vira, porque não dá para esquentar dossiê”.
O ministro tentou consertar, e ligou para o deputado Sandro Mabel e para o Gilberto Carvalho, segundo ele, autor e coautor do serviço. Ali eu já começava a cometer um dos meus delitos que muito me honra: o sincericídio. Sempre fui franco. Eu passei a dizer, então, para todo mundo que a minha missão no governo era impedir que o ministro da Justiça e o presidente cometessem erros. Avisei meu pai sobre a tentativa do dossiê. Por quê? Por uma questão de justiça. Afinal, ele era o corregedor do Senado e já começava o zunzunzum na mídia; o Perillo era o vice-presidente e caberia ao “Velho” apurar as denúncias contra o senador goiano desafeto de Lula. Para evitar desgastes desnecessários, avisei: “Cuidado que tem sacanagem!” Ele me respondeu: “Esses caras são malucos”. Digo a você, leitor, que um pau de madeira de lei para toda obra, como foi o ex-ministro da Justiça Márcio Thomaz Bastos, talvez aguentasse numa boa o rojão de ver jogado na imprensa esse tipo de dossiê. Mas o Luiz Paulo não aguentaria. O próprio Pedro Abramovay tinha me afirmado isso com todas as letras.
Cheguei a dizer ao meu pai que, ao admitir aquele tipo de coisa, o Lula “queria” ir para a cadeia. Meu pai entrou na jogada, não se conteve, mandou apurar, mas contou para o Perillo do dossiê. O então senador Perillo me ligou, reservadamente, disse que queria convocar publicamente o Lula, o Gilberto Carvalho e o ministro Luiz Paulo para explicar o episódio, e perguntou se podia me convocar. Jamais convocou, talvez para me preservar, mas em vão, pois naquela altura a PF já estava gravando, há tempos, as minhas conversas.
Recordemos o caso. Estamos em 11 de agosto de 2005. O governador de Goiás, Marconi Perillo (PSDB-GO), confirmou que avisara ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva sobre a existência do suposto pagamento de mesadas a parlamentares, o Mensalão, 15 meses antes de o caso vir à tona, em junho daquele ano. Em ofício remetido ao Conselho de Ética da Câmara, Perillo atestou que fez o alerta no dia 5 de março de 2004, quando Lula foi à cerimônia de inauguração da fábrica da Perdigão em Rio Verde (GO). O deputado Roberto Jefferson (PTB-RJ) havia dito, também ao Conselho de Ética, que foi o primeiro a levar o caso ao presidente. Ao que parece, Lula deu mais ouvidos ao petebista. Depois de avisado por Jefferson, o presidente teria mandado cortar o pagamento das mesadas, segundo a versão do próprio parlamentar. No documento, Perillo relatou ao presidente ter ouvido “rumores sobre a existência de mesadas a parlamentares em Brasília”, embora não possuísse provas. O governador confirma também que dois funcionários da Presidência da República, o motorista e um segurança que acompanhavam Lula, testemunharam a conversa. “Não sei quais foram as providências tomadas”, declara o tucano. Perillo diz, no ofício, que narrou ao presidente uma conversa com a então deputada Raquel Teixeira (PSDB-GO), hoje secretária de Estado em Goiás. Nela, a parlamentar afirmou que o deputado Sandro Mabel (GO), líder do PL na Câmara, sugeriu-lhe que mudasse de partido. Em troca, levaria uma mesada de R$ 30 mil, além de um bônus de R$ 1 milhão no fim do ano. “O senhor presidente da República disse que não tinha conhecimento (do pagamento de mesadas) e que ia tomar as providências que o assunto requeria”, estabeleceu Perillo.
Aparentemente, Lula não moveu um dedinho sequer para acabar com o esquema. Seis meses após o alerta feito por Perillo, o Jornal do Brasil publicou reportagem em que o deputado e então líder do governo na Câmara, Miro Teixeira (PT-RJ), denunciava a existência de um esquema para fazer deputados votarem com o governo mediante o pagamento de mesadas. A história ficou esquecida até que o deputado Roberto Jefferson (PTB-RJ) afirmou, em entrevista ao jornal Folha de S. Paulo, que o esquema de compra de parlamentares, já relatado pelo governador de Goiás e por Miro anteriormente, existia de fato.
Depois de avisar Lula sobre o suposto Mensalão, Perillo diz que não recebeu outras informações a respeito. “Certo de ter levado o assunto ao conhecimento da maior autoridade do país, e como também não tinha provas testemunhais concretas, resolvi dar por encerrado o assunto”. As respostas de Perillo foram encaminhadas por escrito ao Conselho de Ética. Os deputados pensaram em convidá-lo para narrar o caso pessoalmente, mas o governador preferiu responder a um questionário. O mesmo método adotado para ouvir o ministro do Turismo, Walfrido dos Mares Guia. Tão logo estourou o escândalo de Jefferson, o Planalto divulgou nota oficial, afirmando que Lula não se lembrava do relato feito pelo governador de Goiás, o que justificaria o fato de o presidente não ter tomado qualquer providência…
Lula não perdoou isso em Perillo. Lula é vingativo, e não engole sapos. Nisso é o contrário do meu pai, o maior engolidor de sapos que já conheci. Lula traz a vingança como um bolo duro na garganta, que ele guarda por anos a fio — e manda sempre alguém expelir o desconforto para ele, algum teleguiado de aluguel.
Trago aqui guardado o dossiê que o Planalto forjou contra o Perillo. Tudo por conta do que expus acima: Lula não o perdoou dessa história toda. Mais à frente você verá o fac-símile desse dossiê montado contra Perillo. O dossiê me foi entregue pelo ministro da Justiça, Luiz Paulo Barreto. A ordem era intempestiva: manda ao DRCI para fulminar Perillo.
Vamos à cronologia do papelório. Em 15 de abril de 2010, o chefe de gabinete do Ministério da Justiça, Donald Magalhães Hamú, recebeu requerimento de investigações do advogado de Perillo, Antônio Carlos de Almeida Castro, o Kakay. O pedido postula remessa à secretaria nacional de Justiça, sob minha responsabilidade. A 15 de abril, eu despacho ordenando que o pedido seja encaminhado ao departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional, o DRCI, com ressalva de que me deem um parecer até as 17 h do dia 28 de abril.
A 20 de abril, o senador Romeu Tuma, corregedor do Senado, oficia a mim, pleiteando que eu investigue o caso do senador Perillo, levando em conta que, “tendo em vista denúncia do próprio senador, o dossiê era falso”. A 26 de abril, o coordenador-geral do departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional, Leonardo do Couto Ribeiro, em resposta às minhas demandas, é taxativo: “Informo a Vossa Senhoria que não há, atualmente, qualquer procedimento adotado pelo departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional que faça referência ao senador Marconi Perillo”.
Há um outro ofício, na verdade um Requerimento de Informações, cobrando as providências, vinda da Câmara dos Deputados, de autoria do deputado federal Carlos Alberto Leréia.
Sugeri ao gabinete do ministro remeter o caso à PF e pedi que investigassem a autoria do falso dossiê. Não sei se investigaram. Por quê? Porque o Planalto e seus aliados criaram esse dossiê falso, e queriam que eu o esquentasse, dando início a uma investigação que redundaria em nada, mas, enquanto isso, já teria sido distribuído à mídia, o Perillo condenado nos sites de busca e pesquisa, sua candidatura ao governo de Goiás aniquilada, uma reputação assassinada e a vingança saciada.
Por eu não ter aceitado participar desse mecanismo de matar reputação, e por Perillo ser um “alvo” há muito escolhido, o ex-presidente mandou voltarem à carga na CPI do Cachoeira. Aliás, a CPI do Cachoeira, em grande medida, só foi instalada por pressão do Lula para fazer um contraponto ao julgamento do Mensalão e para atingir o Perillo, que ele não perdoa. Tem ódio mortal.
Não há surpresa nisso. Quando deixou o governo, Lula avisou que, a partir daquele dia, só iria se dedicar a provar que o Mensalão foi uma farsa! Quem o conheceu de perto poderia prever do que ele seria capaz. A sorte foi que o ministro Gilmar Mendes não se intimidou com uma chantagem barata, bem típica daquele povo sem a assessoria do ex-ministro Thomaz Bastos. Para o bem de todos e futura felicidade geral da nação, mesmo que ainda não se reconheça, ele provou o contrário.
É forçoso aqui lembrar o incomparável Abraham Lincoln, presidente dos Estados Unidos: “Podemos enganar alguns por todo tempo, todos por algum tempo, mas não podemos enganar todos por todo tempo”.
Eu detesto generalizações, mas acho que o PT deveria fazer o que o atual governador do Rio Grande do Sul, Tarso Genro, e alguns outros petistas propuseram quando da crise aguda do aparecimento do Mensalão: uma refundação do partido, mas agora com a exclusão dos que usaram as instituições brasileiras como instrumentos de poder pessoal.
Eis o que Marconi Perillo relatou em seu pedido de investigação do falso dossiê, encaminhado ao então ministro da Justiça Luiz Paulo Barreto:
“Lancei minha pré-candidatura ao cargo de governador do Estado de Goiás por intermédio do conhecido Twitter, na última terça-feira, 6 de abril de 2010, fato que gerou grande repercussão na imprensa daquele estado e também em parte da imprensa nacional. Não por coincidência, na mesma data chegaram às minhas mãos documentos apócrifos, claramente forjados. A documentação lembra o conhecido Dossiê Cayman, forjado próximo às eleições de 1998 contra membros do governo do presidente Fernando Henrique Cardoso. O documento contra mim é cognominado ‘Concluding Report 1010096511153’, com a sugestiva menção ‘Top Secret Nassau Code’ – a primeira página é um pedido de transferência em inglês do Wachovia Bank NA para a conta número 6600034576 da Aztec Group S/A do Citibank NA de Nassau, Bahamas. Há também a cópia de um passaporte falsificado, número BG018117, em meu nome e com validade de 18 de junho de 1993 a 17 de junho de 2003. Segundo o dossiê, ‘existem depositados em nome de Marconi Perillo Jr, Aztec Group S/A, US$4.112.692,19 — 41 milhões de dólares’.”
Enfim, cumpri meu papel. Ordem ilegal não se cumpre; além disso, sugeri ao ministro providências. O mais interessante é que todas essas providências que tomei datam exatamente de uma semana antes de vazarem no Estadão aqueles grampos já investigados e arquivados, oito meses antes, contra mim!
(O trecho acima foi retirado das páginas 160, 161, 162, 163, 164, 165 e 166 do livro “Assassinato de Reputações — Um Crime de Estado”, de Romeu Tuma Junior, em depoimento ao jornalista e professor universitário Claudio Tognolli. Os documentos transcritos podem ser examinados nas páginas 526, 527, 528 e 529. O livro bombou e se tornou o principal best seller da editora Topbooks, com milhares de exemplares vendidos em poucos dias.)