quarta-feira , 20 novembro 2024
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Polêmica do estacionamento do Flamboyant: jornalista diz que shopping pode estar tentando excluir classe C de seu público

Veja artigo de Elder Dias, no site do Jornal Opção:

Polêmica do estacionamento

A classe C agora tem carro. Mas não há vagas no Flamboyant
Estratégia de aumento abusivo no valor do estacionamento parece tática do shopping em busca da escolha de seu próprio público entre as classes mais altas

Elder Dias
O aumento absurdo da taxa de estacionamento no Flamboyant causou furor nas redes sociais. A resposta foi imediata e contundente, e o protesto dos frequentadores e simpatizantes da causa e do shopping veio também em forma de ironias e sátiras textuais e visuais.
Uma delas mostra a atriz Carolina Ferraz no papel da vilã Norma em “Belíssima”, novela das oito (que sempre começa depois das nove) produzida pela Globo entre 2005 e 2006. Em uma cena marcante com Edson Celulari (no papel de Guilherme), ela grita “Eu sou rica! Rica!!!”. Pois, com uma foto desta cena, que virou meme na web, um internauta desconhecido e engenhoso criou a charge que ilustra este artigo. “Sou rico, posso estacionar no Flamboyant”. Uma brincadeira oportuna.
O que é preciso sempre notar é que todo chiste, para provocar reação, deve ou ser um simulacro de um contexto possível ou ter respaldo em certa memória discursiva. Falando “no popular”: toda brincadeira tem um fundo de verdade.
E a verdade que pode estar aparecendo em todo este contexto é uma real intenção de a administração do Flamboyant estar provocando a segmentação do público do shopping. Ninguém considere que uma atitude assim foi apenas uma formulação desastrada; foi algo pensado, discutido, elaborado e resolvido de forma sistemática.
Primeiro centro de compras no formato shopping em Goiânia e em Goiás, o Flamboyant perdeu o caráter de lugar privado no imaginário da população. É um ponto de encontro tradicional para a diversão da juventude e para negócios profissionais. Dessa forma, além de ser abrigo de lojas diversas, passou a desempenhar um papel de prestador de serviços.
Por isso, o impacto de uma cobrança dessas causa reações indignadas: afinal, as pessoas têm hábitos. O Flamboyant se incorporou aos hábitos de grande parte da população goianiense. Com o aumento abusivo, há rotinas — lúdicas e comerciais — que estão ameaçadas. A taxação do estacionamento por minuto lembra que “perder tempo” no shopping, agora é também perder dinheiro.
No momento em que outro grande shopping se instala na cidade — só a frente do Passeio das Águas tem mais de 700 metros de extensão —, o que significa uma medida de tamanho alcance? Reitere-se a impossibilidade de amadorismo decisório, incabível diante da gravidade do impacto e de um empreendimento do tamanho de um Flamboyant.
Analisemos o caso, então, como decisão friamente tomada: os administradores do shopping acham que o caminho para o Flamboyant — hoje cercado de condomínios fechados e apartamentos de luxo — é buscar uma segmentação “por cima” de seu público. Talvez considerem que as exigentes classes A e B vão responder positivamente ao oferecido convite à elitização do local.
É uma aposta de risco calculado. Ora, para quem tem mais dinheiro, pagar estacionamento é algo indolor diante do sacrifício que é rodar uma dúzia de minutos para achar uma vaga. As castas mais altas querem maximizar seu conforto e pagarão com gosto o preço para usufruí-lo.
Talvez o que a área de planejamento do Flamboyant pense seja exatamente isto: já que o estacionamento fica lotado quase o tempo todo nos horários de pico (e aqui vale a clássica lei da oferta e da procura), o que ocorrerá se aumentarmos significativamente o valor da taxa? Abriremos mais vagas para quem não está vindo (ou está vindo menos) ao shopping por falta de comodidade para estacionar (“já que hoje em dia qualquer um tem carro”, emendaria alguém menos politicamente correto no brainstorm da reunião).
Quando eu era criança e adolescente, no fim dos anos 80 e início dos 90, lembro-me de ido algumas vezes — não muitas, já que era menino da periferia — ao Flamboyant. Todas de ônibus. Hoje, a garotada não aceita mais pagar esse mico. Nem a garotada nem a classe C, que hoje tem carro e, diga-se, também tem o forte argumento do precário serviço de transporte público da cidade. Em suma: pouca gente vai de ônibus ao Flamboyant.
Goiânia cresceu. A segmentação é uma das características do processo de metropolização e já ocorrem em bares, boates, restaurantes e lojas em geral, que pela localização e pelos preços adotados, escolhem seu público consumidor. Com o estacionamento saturado e planejando uma expansão voltada a uma elite, mesmo que continue a abrigar (ainda) lojas-âncoras populares — Riachuelo, C&A, Americanas etc. —, o Flamboyant talvez ache que a classe média assalariada passou a ser um estorvo. Com o aumento, está literalmente a empurrando para os demais shoppings, especialmente o noviço Passeio das Águas.
Para terminar com uma expressão do internetês, eles querem gente “fyna” e “ryca”. E essa casta precisa, para respirar e gastar, do dobro de metros quadrados que geralmente acomodam os emergentes, aqueles que um dia já sofreram nos “transurbões” da vida. Flamboyant, agora, não será para qualquer um.

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