Para quem ainda não engoliu o Goiás24Horas, vale a pena ler este artigo publicado no site do Observatório da Imprensa e assinado por Carlos Castilho.
O microjornalismo e os ‘dinossauros’ da comunicação
Por Carlos Castilho em 15/04/2013
O jornalismo é talvez a atividade mais duramente atingida pelas novas tecnologias de informação e comunicação, as famosas TICs. As mudanças começaram pela introdução de processos digitais, depois passamos à fase da comunicação interativa em tempo real e agora assistimos ao surgimento de uma nova forma de estruturar a produção de notícias. Tudo isto em menos de 30 anos.
As grandes empresas que dominaram o cenário jornalístico durante quase dois séculos, com base num modelo industrial de produção, se transformaram em verdadeiros dinossauros da informação e começam a ceder espaços para o surgimento de milhares de alternativas noticiosas independentes.
A indústria da comunicação jornalística se tornou pesada demais para acompanhar a agilidade quase instantânea da internet e sua sobrevivência na produção de notícias depende da identificação de um novo nicho no pulverizado mercado da informação. Mercado este que, ao contrário do convencional onde a notícia era um produto de venda (uma commodity), passa agora a girar principalmente em torno da produção de conhecimento socialmente relevante.
Não se trata de uma forma substituir totalmente a outra. A produção industrial de notícias/commodities vai continuar, mas não será mais hegemônica e nem muito menos massiva. Ela passa a conviver com produtores independentes, focados em nichos específicos de informações, como já pode ser visto no site Scoop, que reúne blogueiros dedicados à produção de informações de todos os tipos.
Quem fizer uma busca no site, que quase todo em inglês, usando a palavra “news” (notícia) encontrará nada menos que 4.176 blogs individuais lidando com todos os tipos de notícias (de atualidade até às bizarras, passando pelas utilitárias). Cerca de 60% dos blogs estão atualizados até o final de fevereiro.
Uma das características mais interessantes do projeto criado em 2011, em São Francisco (Califórnia), é o fato de os autores trocarem informações entre si, embora cada um deles mantenha a sua identidade. Um dos autores, Robing Good, tem uma comunidade de 577 outros blogueiros, que na verdade funcionam como curadores de notícias e informações. A curadoria é uma atividade em acelerada expansão na internet e consiste na seleção, contextualização e distribuição de notícias.
No microjornalismo, o principal elemento em jogo é a confiabilidade e personalização da notícia. O blogueiro, curador, jornalista – seja lá o nome que for usado – passa a ter uma relação direta com o seu público, ao contrário do que acontece na imprensa tradicional onde a relação é distante e impessoal.
No dia 23 de abril será lançado o livro TheEnd of Big: How Internet Makes David the New Goliath, cujo autor Nicco Mele, professor da Kennedy School of Governance, na Universidade Harvard, detalha como as mudanças provocadas pelas TICs na ecologia informativa da sociedade contemporânea criaram um ambiente hostil e inóspito para “os dinossauros” do mundo corporativo vinculado à indústria da comunicação jornalística. O livro também traça as linhas gerais das prováveis tendências futuras no contexto da produção de notícias jornalísticas.
O microjornalismo vai mudar os nossos hábitos informativos, na medida em que passamos a depender cada vez mais do fator confiança. Isso porque sofremos o impacto da avalancha informativa gerada pela combinação da internet e da digitalização. A grande imprensa não é mais capaz de fazer a seleção, contextualização e distribuição de notícias no grau de personalização e detalhamento que os usuários da internet começam a cobrar do jornalismo.
Estamos deixando de ter confiança em vastos conglomerados para acreditar em pessoas conhecidas e próximas (física ou virtualmente). Estas pessoas podem ser jornalistas de formação ou os chamados praticantes do jornalismo (exercem a atividade como hobby), mas ambos terão que assumir os valores como exatidão, relevância, pertinência (o que interessa a cada receptor da notícia) e transparência para conquistarem a credibilidade do seu público específico.
Questões como independência e objetividade, importantes no jornalismo de massa por conta da preocupação em atender o maior número possível de pessoas, tornam-se relativas no microjornalismo porque o autor terá que ser transparente em seus compromissos e opções políticas, religiosas, sexuais etc. para conquistar a credibilidade junto a seu público.
O lado financeiro do microjornalismo ainda é uma grande incógnita, mas as poucas experiências bem sucedidas até agora apontam no sentido de que a atividade dificilmente atingirá as taxas de lucratividade registradas pela grande imprensa nos áureos anos 1980 e 90. A cada ano que passa, aumenta o número de pessoas que passam a se informar por meio de microssites jornalísticos, em sua maioria abrigados em redes sociais.
O informe Estado da Imprensa Jornalística 2013, com dados norte-americanos, mostrou que de 2010 a 2012 dobrou o número de clientes do microjornalismo no país. Passou de 8% para 18% da população total. O fenômeno é ainda mais intenso entre os jovens de 18 a 24 anos, que em uma década serão os novos tomadores de decisões. Entre integrantes desta faixa etária, o salto foi de 11% para 35%. Esses números mostram que a demanda por notícias personalizadas e segmentadas já existe.