Crusoé – Gameleira de Goiás é uma típica cidadezinha de interior. Com 3,8 mil habitantes, está localizada a pouco mais de 200 quilômetros de Brasília, mas parece perdida no tempo e no espaço. A pequena sede do município se esparrama ao longo de uma única avenida, ao redor da qual se concentram pequenas casas térreas e o modesto comércio local. A cidade tem uma única escola. Em 8 de dezembro do ano passado, Gameleira foi indicada como destino de nada menos que 20 milhões de reais. Dinheiro do orçamento paralelo do Ministério do Desenvolvimento Regional.
Curiosamente, quem fez a indicação foi Márcio Bittar, um senador do MDB do Acre que, à primeira vista, não tem relação nenhuma com o município. Bittar é da cozinha do Planalto e goza de ótima relação com o presidente da República. No Congresso, ele tem ocupado postos-chave. Foi relator da chamada PEC emergencial e, mais recentemente, da proposta orçamentária para este ano – o que significa que, em 2021, será ele o responsável por coordenar o destino das gordas “emendas de relator”, estimadas em 18 bilhões de reais.
Dos recursos remetidos a Gameleira de Goiás que aparece na planilha secreta do Planalto, equivalente a 13 vezes a arrecadação anual de impostos do município, mais da metade já consta no sistema oficial do governo federal como paga. Só que, na prática, não há qualquer sinal de benfeitoria na cidade com esses recursos. Nesta semana, Crusoé foi até Gameleira à procura de uma resposta para o mistério.
No papel, embora seja suficiente para reformar a cidade inteira, o dinheiro deveria ser gasto com asfaltamento e recapeamento de ruas. Só que, até hoje, não há qualquer obra na cidade. No departamento de licitações da prefeitura, um dos dois funcionários que davam expediente na tarde de quarta-feira, 13, disse nunca nem ter ouvido falar do repasse. “São 20 milhões? É dinheiro que não acaba mais. Daria para revolucionar (a cidade)”, surpreendeu-se.
Os moradores dizem nem lembrar da última vez que foi feita uma obra em Gameleira. O prefeito, Wilson Tavares, do Democratas, disse não conhecer o senador Márcio Bittar, mas demonstrou estar ciente da transferência de recursos.
“A gente não fica sabendo. Como é uma emenda extraorçamentária, eu não sei quem colocou pra mim”, disse. À diferença do que mostram os sistemas oficiais, o prefeito afirma que não recebeu até hoje nenhum repasse. Indagado se 20 milhões de reais não seria um valor alto demais para gastar com asfaltamento e recapeamento de ruas da minúscula cidade, o prefeito se apressou em dizer que tem mais planos para a cifra. “Eu preciso fazer calçada, reformar praças, preciso fazer um estádio, ponte”, afirmou. Crusoé tentou falar com o senador Márcio Bittar. Ele até respondeu a uma primeira mensagem, mas depois de perguntar e ser informado sobre qual era o assunto , sumiu.