Leia o artigo exclusivo do jornalista Helvécio Cardoso sobre a pré-candidatura do prefeito de Anápolis ao governo:
O vazio anti-discurso de Gomide
Helvécio Cardoso
Antônio Gomide tá com tudo e não tá prosa. No momento em que escrevo, o alcaide anapolino já andou por 9 cidades goianas, cidade polos, devendo ainda visitar outras 12, terminando sua vilegiatura pré-eleitoral em Goiânia, no dia 29 de março. Essas andanças preliminares tem o objetivo de mobilizar a militância petista, animar a companheirada, afiar os punhais para a luta.
A comissão executiva do Diretório Estadual do PT fez publicar, em edição extraordinária, o “Informativo do Partido dos Trabalhadores de Goiás”, com tiragem de 5 mil exemplares, contendo notícia do lançamento da candidatura de Antônio Gomide e uma entrevista com o distinto, além de um programa de reuniões em várias cidades goianas.
Comentarei a entrevista. Antes, porém, devo me deter um pouco, só um pouco, para não ser prolixo, no texto da notícia em que o “PT apresenta Antônio Gomide como pré-candidato ao governo do Estado”. Pré-candidato é o carvalho. Uma estúpida legislação eleitoral impede que postulantes a cargos eletivos anunciem a qualquer tempo suas pretensões. Nem sempre foi assim. Íris Rezende fez, em l980, comício em praça pública de Morrinhos lançando sua candidatura ao governo do Estado em l982.
Para burlar a legislação desmiolada, os políticos dizem que são “pré-candidatos”, o eufemismo mascarador. Postulante seria o vocábulo adequado se houvesse outro pretendente disputando com Gomide a indicação. Não há. E tampouco se fala em levar à convenção a proposta de coligação com o PMDB, com o PT abrindo mão de encabeçar a chapa. Falemos claro, então: Gomide é o candidato do PT, eis o fato político. Deverá ser homologado em convenção, ato formal que habilita o partido a solicitar registro de candidatura, o fato jurídico. Importa, aqui, o fato político.
O redator do IPTGO conclama as oposições à unidade, sob a bandeira do PT, obviamente, argumentando que essa unidade “gera força política necessária para construir a vitória de um programa em consonância com o governo Dilma”… etc, patati patatá.
Chega a ser aborrecido ouvir o PT falar em “programa”, “Projeto político”, “agenda” e outros clichês do jargão petista. Pura fraseologia oca, pois embora se fale tanto de programa, é justamente isso que o PT não tem. Aliás, nenhum partido oposicionista tem. Falam disso como de coisa existente. Mas esta coisa não existe. Inútil procurar. Se perguntarmos ao próprio Gomide onde está seu programa de governo, sua plataforma eleitoral, ele mesmo não saberá dizer. A propósito, tempos atrás, em entrevista ao Diário da Manhã, afirmou que ia mandar fazer um.
O PT se lança à luta eleitoral sem um programa e até mesmo sem uma correspondente crítica ao governo estadual. Não concedo ao leviano discurso insultuoso do PT contra o atual governo a dignidade de “crítica”. O PT vai à luta louvando-se apenas nas virtudes do seu candidato. Que Gomide é um sujeito honesto e um administrador probo, não se discute. Está fora de questão as elogiáveis qualidades de sua gestão em Anápolis. É um cidadão de bem, um homem honrado, gentil, simpático e afável. Mas não estamos a tratar de um concurso de miss simpatia. Quero saber de propostas, alternativas, de programas, de princípios, de estratégias de governo. Quero saber, enfim, o que o PT faria concretamente se lhe fosse dado governar o Estado.
Por tudo que tenho visto e lido até agora, sou forçado a concluir que o PT não tem nada a oferecer a Goiás. Gomide não sabe o que fará se for governador. Ele acha que o importante é, primeiro, chegar lá: depois se vê o que fazer.
Gomide diz que o povo não aguenta promessas. É um bom pretexto para se esquivar à questão do programa, para não apresentar propostas, para não dizer à sociedade ao que veio. Ele quer ser eleito por suas virtudes pessoais, pela excelência de sua pessoa, pela cor dos seus olhos azuis – que são, de fato, azuis. Esse é o PT de hoje. Quanta diferença daquele PT barbudinho que, compenetradísimo, ingressava na História para programar novas práticas políticas. E que abominava o personalismo! O PT que se achava melhor que os outros justamente por ter um programa e se pautar por princípios doutrinários rigorosos. Um PT que não aguardava a apresentação da oportunidade, mas que, por saber, iria fazer a hora, e não esperaria acontecer.
Antônio Gomide acha que, repedindo suas boas práticas de gestão na prefeitura de Anápolis, vai promover um crescimento econômico que “venha com qualidade de vida para as cidades”. Quê? Gomide é candidato a governador ou a prefeito estadual? Eis aí o clone de vanderlan a conceber o governo estadual como uma ampliação da administração municipal.
“Crescimento econômico com qualidade de vida” é uma coisa boa. Eis aí uma frase que eu colocaria num quadro para pendurar na parede. Como, excelentíssimo cara pálida, o PT vai promover este crescimento? Em que ele se baseia. Qual a estratégia por trás? Qual a doutrina dirigente deste processo. Quais os agentes sociais? Como nada disso passa nem sequer remotamente pela cabeça dos petistas, que se comprazem na repetição de chavões usinados nos meios acadêmicos encabrestados pelo PT, ou nas sacristias da Teologia da Libertação, conclui-se que esse papo é mera empulhação. Conversa fiada para ilaquear a boa fé do povo.
O candidato petista afirma que vai vencer os desafios com “uma equipe competente, com coragem de enfrentar a burocracia e disposição para o trabalho”. Isso é o mínimo que se espera de qualquer governador. É um paradigma que foi estabelecido por Marconi. Todas essas qualidades que Gomide se atribui o povo goiano há anos atribui a Marconi Perillo. E muitos há que as atribuem até mesmo a Íris. O diferencial, portanto, não pode ser este.
Prosseguindo no seu culto à própria personalidade, Gomide afirma, com filosófica gravidade, que a chave de uma boa gestão “não é o discurso, mas sim o trabalho e a ação”. Os antigos diziam que governar bem é não roubar e não deixar roubar. Mas isto não basta. Uma boa gestão pressupõe um profundo e acurado conhecimento da realidade, cuja transformação requer planejamento estratégico, que por sua vez pressupõe uma doutrina, que é baseada em princípios. Tudo isso pode ser resumido na palavra discurso. A menos que se entenda por “discurso” o bla bla bla retórico dos politriqueiros e embromar a plateia, então Gomide está certo. Mas há incomensurável diferença entre o discurso competente e a conversa fiada dos demagogos.
O ato da criação do mundo, na tradição bíblica, foi um discurso, se tomarmos o vocábulo na sua mais pura acepção. Deus disse: “faça-se o mundo”, e o mundo se fez. Já ensinava o filósofo pré-socrático Anáxagoras que o mundo é uma materialização do “Nous”, o “espírito”, que é “logos” também, ou seja, a palavra racional e racionalizante. O homem é homem porque une à sua ação o discurso que orienta e justifica a sua ação. O que era o Plano MB senão um discurso?
Essa postura de Gomide rebaixa a atividade intelectual, a ação racionalmente pensada e executada. Demonstra afeição pelo eventual e pela improvisação. Ação desassistida da teoria – vale dizer, do discurso – é ação cega, inconsequente, contraproducente. Essa fraseologia soaria natural em íris Rezende; mas num partido que sempre se gabou de um suposto refinamento intelectual, desenhar o discurso fica parecendo apostasia, uma intolerável concessão ao mal gosto e à vulgaridade. Assim, o discurso petista se rebaixa ao mais abjeto populismo, e vira um anti-discurso.
É claro que as pessoas querem ver resultados, como afirma Gomide. Mas, que tipo de resultado? Inflação em alta, baixo crescimento econômico, obras emperradas – eis aí alguns resultados da administração Dilma. E fiquemos só nesses para não sermos prolixos. É esse tipo de resultado que o povo quer ver? Não. Existem resultados e resultados. O resultado que todos querem ver é a materialização de um bom plano de governo. Um candidato deve antecipar os resultados daquilo que vai fazer. Chama-se a isso apresentar programa.
O partido deve apresentar um programa. Isso é diferente de promessas eleitorais lançadas ao sabor do momento. Um partido deve apresentar um programa a fim de que o eleitor o aprecie. Ao votar em um candidato, estará aprovando aquele programa. Deveria ser assim. O PT sempre advogou que fosse assim. Mas como, pontifica Gomide, “o povo não quer ver (sic) promessa na boca do político, querem (sic) ver resultados”, podemos esperar de Gomide uma campanha sem promessas, sem propostas, sem programa, sem discurso, sem conteúdo algum, apenas belos sorrisos e beijos em criancinhas, tudo bem ao gosto dos marqueteiros. Além de maltratar a língua de Bernardo Élis e de Gabriel Nascente, o ilustre prócer petista inaugura aqui uma nova e desmiolada doutrina: a do candidato sem discurso, sem programa, sem compromisso. Gomide, o candidato a gerente, não a governador. Gomide, o político apolítico, o candidato do PT que não é mais petista.
“O que vimos neste últimos anos foi um governo em Goiás perdendo a credibilidade e o prestígio junto à sociedade, preso ao marketing e no controle dos meios de comunicação”, declara o candidato a prefeito estadual.
É uma declaração que corrobora o que sempre digo. A oposição não tem uma crítica ao atual governo. O que passa por crítica nos arraiais oposicionistas é a irrisão, o insulto, o deboche, a maledicência e a calúnia. É certo que Gomide se pauta por alguma elegância, mantêm papas na língua. Mas o espírito é o mesmo: negar as evidências, reduzir toda crítica à mentirosa acusação de que o governo nada faz. O palavreado pode até ser educado, mas a má fé o preside. São tão cegos esses chefes oposicionistas que tropeçam até nas mais altas montanhas.
O governo não “vem perdendo credibilidade”. Credibilidade junto a quem, distinto cavalheiro? O governo Marconi realizou um árduo trabalho de saneamento das finanças estaduais, com isso habilitando-se a realizar operações de crédito, a celebrar convênios com a administração federal e trazer recursos para a batelada de obras que vem tocando. Quase todo santo dia empresas de fora assinam protocolos de intenção com o governo estadual para vir se instalar em Goiás. O governador está liderando uma frente de outros governadores estaduais visando defender a política de incentivos fiscais. Graças à ação direta do Estado, atuando como indutor do crescimento econômico, a economia goiana vem crescendo acima da média nacional. A cada nova pesquisa de opinião aumentam os índices de aprovação da atual gestão. Nas pesquisas de intenção de voto o governador vem subindo a cada rodada, começando a se distanciar de Íris Rezende. É um modo esquisito de perder credibilidade. Mais o governo goiano cresce em prestígio junto à sociedade, mais os petistas afirmam, movidos pelo mais ardente despeito, que este governo “vem perdendo credibilidade”.
Quanto à acusação leviana de que o governo estadual controla meios de comunicação, nem vale a pena discutir. Gomide não aponta sequer um caso específico, unzinho que seja que possa comprovar sua alegação. Que o PT em nível nacional faz isso, sabemos faz tempo, pois abundam denúncias comprovadas dessa prática. Portanto, deixa passar este tópico.
* Helvécio Cardoso é jornalista.