sábado , 16 novembro 2024
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“Sejamos franco, ninguém tá entendendo nada”, diz colunista do UOL sobre os protestos de rua

Colunista do UOL, o portal da Folha de S. Paulo, Antonio Prata resumiu com objetividade o sentimento que perpassa o país diante da onda de protestos de rua: “Ninguém tá entendendo nada.”

O blog 24 Horas reproduz o artigo. Vale a pena:

 

A passeata

Tinha punk de moicano e playboy de mocassim. Patricinha de olho azul e rasta de olho vermelho. Tinha uns barbudos do PCO exigindo que se reestatize o que foi privatizado e engomados a la Tea Party sonhando com a privatização de todo o resto.

Tinha quem realmente se estrepa com esses 20 centavos e neguinho que não rela a barriga numa catraca de ônibus desde os tempos da CMTC. (Neguinho, no caso, era eu). Tinha a esperança de que este seja um momento importante na história do país e a suspeita de que talvez o gás da indignação, nas próximas semanas, vá para o vinagre.

Sejamos francos, companheiros: ninguém tá entendendo nada. Nem a imprensa nem os políticos nem os manifestantes, muito menos este que vos escreve e vem, humilde ou pretensiosamente, expor sua perplexidade e ignorância.

Anteontem, depois da passeata, assisti ao “Roda Viva” com Nina Capello e Lucas Monteiro de Oliveira, integrantes do Movimento Passe Livre. Ficou claro que, embora inteligentes e bem articulados, eles tampouco compreendem onde é que foram amarrar seus burros. “Vocês começaram com uma canoa e tão aí com uma arca de Noé”, observou o coronel José Vicente. Os dois insistiram que não, o que há é um canoão, e as mais de 200 mil pessoas que saíram às ruas no Brasil, segunda-feira, lutavam por transporte público mais barato e eficiente. A posição dos ativistas de não se colocarem como os catalisadores de todas as angústias nacionais e seguirem batendo na tecla do transporte só os enobrece –mas estarão certos na percepção?

Duzentas mil pessoas de esquerda, de direita, de Nike e de coturno por causa da tarifa?

“Por que você tá aqui no protesto?”, perguntou a repórter do “TV Folha” a uma garota na manifestação do dia 11: “Olha, eu não consigo imaginar uma razão para não estar aqui, na verdade”, foi sua resposta. Corrupção, impunidade, a PEC 37, o aumento dos homicídios, os gastos com os estádios para a Copa, nosso IDH, a qualidade das escolas e hospitais públicos são todos excelentes motivos para que se saia às ruas e se tente melhorar o país –mas já o eram duas semanas atrás: por que não havia passeatas? Será porque a chegada do PT ao poder anestesiou os movimentos sociais, dificultando a percepção de que o Brasil vem melhorando, melhorando, melhorando e… continua péssimo? Ou será porque agora o Facebook e o Twitter facilitam a comunicação?

Se as dúvidas sobre as motivações –que brotam do solo minimamente sondável do presente– já são grandes, o que dizer sobre o futuro do movimento? Marchará ou murchará? Caso cresça: conseguirá abaixar a tarifa? E, no longo prazo, terá alguma relevância? Mais ainda: adianta ir às ruas, fazer barulho? Ou a própria passeata extingue o impulso de revolta que a criou e voltamos todos para o mundinho idêntico de todos os dias, com a sensação apaziguadora de que “fiz a minha parte”?

Não tenho a menor ideia, estou mais confuso que o Datena diante da enquete, mas num país injusto como o nosso, em que a única certeza parecia ser a de que, aconteça o que acontecer, o Sarney estará sempre no poder, as dúvidas dos últimos dias são muitíssimo bem-vindas.

Antonio Prata é escritor. Publicou livros de contos e crônicas, entre eles “Meio Intelectual, Meio de Esquerda” (editora 34). Escreve às quartas na versão impressa de “Cotidiano”.

 

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