Veja reportagem do jornal Tribuna do Planalto:
Telejornalismo goiano em xeque
Manifestações populares que dominaram as ruas do país neste ano revelaram não só as fraquezas dos governos, mas também da imprensa. Além da crise de credibilidade que afeta a mídia nacional, em Goiás, a falta de qualidade do jornalismo na TV assusta os telespectadores e os especialistas da área
As manifestações que varreram o país não mostraram só o descontentamento da sociedade com o governo. Elas também revelaram a crise pela qual a mídia brasileira passa. Durante os protestos, repórteres foram hostilizados, carros de reportagens queimados e até a sede da rede Globo, no Rio de Janeiro, foi depredada. Goiânia também não escapou da fúria popular. No protesto do dia 24 de junho, a sede da TV Serra Dourada foi atingida com pedras e um de seus carros de reportagem foi incendiado, com outros dois: um da TV Anhanguera e outro do jornal O Popular, veículos de comunicação do Grupo Jaime Câmara (GJC).
As coberturas tendenciosas, feitas com pouco contato e conhecimento a respeito dos manifestantes e suas reivindicações, foram o motivo da revolta contra os grandes veículos de comunicação. Para a pesquisadora Ana Carolina Rocha Pessoa Temer, professora de pós-graduação em Comunicação da Universidade Federal de Goiás (UFG) e coautora do livro a Arte de Ensinar e praticar telejornalismo em Goiás, o jornalismo usou mal o seu capital simbólico: a credibilidade. “Agora, está pagando o preço, o público está cobrando que ele faça o seu papel,” explica.
O desrespeito às minorias, o julgamento prévio de suspeitos e o emprego do sensacionalismo é prática comum também no telejornalismo goiano. A pesquisadora explica que essa é uma tendência nacional que representa uma nova concepção de audiência, reflexo do crescimento da classe C, público que, hoje, é o maior consumidor de televisão e que cobra programas mais populares. “As redespressionam as emissoras locais para manter a audiência, mesmo que comprometam a qualidade. Esse sacrifício parece ser temporário, mas não é”, sentencia.
O professor de telejornalismo da Pontifícia Universidade Católica de Goiás (PUC Goiás), Enzo de Lisita, lembra que a origem do telejornalismo popular em Goiás remonta a década de 1990, na TV Serra Dourada, onde foi coordenador de jornalismo. Mas a guerra pela audiência forçou as outras emissoras a trabalharem no mesmo caminho e muitas delas se perderam nesse processo, apelando para o sensacionalismo.
Mudanças
A TV Anhanguera, por exemplo, fez uma abordagem conservadora durante quase 50 anos e agora tenta ser popular, o que, na visão de Lisita, não é perfil dela. “Ser popular não é ser popularesco. Não precisa apelar para discutir os problemas da sociedade. Mas uma coisa ainda é boa na TV Anhanguera: morto não sangra lá. O problema é que eles estão demorando a achar o caminho deles, porque as pesquisas indicam que eles não tem conseguido audiência,”avalia.
As mudanças não só na linha editorial, mas também no corpo de profissionais da TV Anhanguera causam espanto no público. Os repórteres locais estão, gradativamente, deixando a rede e sendo substituídos por outros de fora do estado, como o mineiro Saulo Lopes que ganhou popularidade depois cantar uma paródia durante uma reportagem, constrangendo a entrevistada (veja mais no quadro). “Tem repórter que é palhaço, não está fazendo jornalismo, está fazendo palhaçada, aparecendo mais que a notícia. Isso é muito ruim, porque o nível está caindo,” critica Lisita.
O presidente do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Estado de Goiás, Cláudio Curado, diz estar acompanhando a situação na TV Anhanguera que, segundo ele, é preocupante. “O talento local está sendo desvalorizado. Passaram a pagar apenas o piso e ainda coagem os repórteres a serem contratados como radialistas, o que diminui ainda mais o salário. Uns aceitam, outros não, o que está criando uma divisão dentro da redação,” critica. Ele também destaca que o sensacionalismo e a apelação vistas nos jornais são resultado de uma política empresarial que não investe na contratação de bons profissionais.
Alternativa às coberturas tradicionais
Inconformado com a cobertura dos grandes veículos de comunicação sobre as manifestações que ocorreram em Goiânia, o produtor cultural Vitor Cadilac, 22, se aliou a três amigos para transmitir os protestos pela Mídia Ninja. Munidos de celulares e câmeras amadoras, eles acompanham as manifestações e transmitem, de perto e ao vivo, o relato dos manifestantes.
Cadilac, apesar de não ser vinculado a Mídia Ninja, cobriu duas manifestações em Goiânia e mandou o material para a equipe dos ninjas de São Paulo, que publicaram o conteúdo para todo o país. Ele explica que tomou essa iniciativa para incluir Goiás no circuito do midialivrismo, prática que já ganhou adeptos em outros estados. “O mídia ninja traz personagens e o retrato do novo mundo, de uma nova proposta de se viver, de estar se debatendo e do registro das coisas que acontecem,” define.
O movimento independente é, em certa medida, uma alternativa ao jornalismo atual, pois assume suas preferências políticas. Na análise da pesquisadores Ana Carolina Rocha Pessoa Temer, professora de pós-graduação em Comunicação da Universidade Federal de Goiás (UFG), a iniciativa tem a vantagem de não estar atrelada aos interesses comerciais e econômicos, mas o modelo não possui a técnica e ética que o jornalismo tradicional carrega.
Saiba mais
Discurso de ética e respeito O diretor de jornalismo da TV Goiânia, Ricardo Bagnete, afirma que a linha editorial da emissora é pautada na “seriedade, ética e respeito ao telespectador”. Segundo ele, o programa Chumbo Grosso, por ser policial, aborda assuntos polêmicos e seu formato ao vivo permite que o apresentador faça comentários que podem ser equivocados. O diretor de jornalismo da TV Serra Dourada e apresentador do Jornal do Meio Dia, Jordevá Rosa, diz que o foco na participação popular é o segredo para a liderança da emissora no horário do almoço que, segundo ele, já dura 13 meses. A reportagem também entrou em contato com
a TV Record e a TV Anhanguera, mas elas não responderam aos questionamentos até o fechamento desta edição.
Vexame na telinha
Repórter cantor
No aniversário de Campinas, o repórter Saulo Lopes da TV Anhanguera fez uma reportagem com os moradores do bairro que pediam a melhoria no trânsito. O jornalista aproveitou para cantar e até recebeu uma declaração de amor de um dos telespectadores. Ele ainda entrevistou, ao vivo, a secretária Municipal de Trânsito de Goiânia, Patrícia Veras. Para encerrar, cantou uma paródia de uma música de Lô Borges: “Quando entrar setembro, as vagas vão aparecer aqui. Pode falar assim?”. A entrevistada, obviamente, ficou constrangida e respondeu desconcertada.
Jargão que detona
O repórter Victor Andrade, da TV Anhanguera, passou por uma saia justa durante uma cobertura do Go Music Festival, em agosto. Na entrevista ao vivo com a banda Detonautas, liderada pelo polêmico Tico Santa Cruz, o jornalista pediu, em clima descontraído, que os músicos dessem uma “palhinha”. Os músicos, porém, cantaram “Eu quero tchu, eu quero tcha”, dos sertanejos João Lucas e Marcelo, e “Gangam Style”, do rapper coreano Psy. No final, o apresentador do telejornal, Marcelo Rosa, se mostrou visivelmente irritado: “Poupam a voz, mas não poupam a brincadeira.”
Estupro na TV
Em março, as fotos de um estupro de uma criança, ocorrido numa praça pública da cidade de Quirinópolis, no sul de Goiás, foram estampadas na capa do jornal Diário da Manhã e chocaram os goianienses. A TV Anhanguera e TV Serra Dourada mostraram as cenas do estupro, mas desfocaram a imagem. Já o programa Balanço Geral, da TV Record, comandado pelo apresentador Oloares Ferreira, veiculou as cenas com a criança e com o agressor, desfocando apenas as partes íntimas dos envolvidos.
Dança da barata
O apresentador do programa Chumbo Grosso da TV Goiânia, Batista Pereira, ganhou repercussão nacional em julho, ao ser surpreendido por uma barata que subiu em sua perna durante a apresentação do programa, que é ao vivo. O apresentador, famoso pelo tom agressivo com que trata os entrevistados, simulou, ironicamente, uma crise de medo. “Nossa gente, eu tenho medo de barata! Não tem um homem para matar essa barata nesse estúdio?,” gritava. Em fevereiro deste ano, a TV Goiânia foi condenada a pagar uma indenização de R$ 20 mil a uma mulher por danos morais. Em 2008, ela foi acusada de assassinar o marido que, na verdade, havia cometido suicídio ateando fogo no próprio corpo. “Se cru é bom, imagina assado”, debochava Pereira.