domingo , 28 abril 2024
Goiás

Luiz Carlos Orro, pivô do escândalo do Mutirama, rompe com Isaura Lemos e abre crise no PCdoB de Goiás

Secretário de Esporte e Lazer da prefeitura de Goiânia na época em que estourou o escândalo do Mutirama, o inconfundível Luiz Carlos Orro renunciou à função de vice-presidente do PCdoB de Goiás e divulgou uma carta com ataques ao comando do partido – em especial à deputada estadual Isaura Lemos e à vereadora Tatiana Lemos.

Veja a carta na íntegra:

Carta aos dirigentes do Partido Comunista do Brasil

Luiz Carlos Orro

Camaradas:

Renunciei nesta semana à vice-presidência estadual, cargos da Comissão Política e do Secretariado Estadual. Continuarei a exercer o mandato de membro do Comitê Estadual do PCdoB de Goiás, para o qual fui eleito na Conferência Estadual de 2013.

Nos últimos três anos desenvolvemos em Goiás intensa dedicação ao crescimento e reforçamento político e organizativo do PCdoB/GO.

Sob a direção do ex-presidente Fábio Tokarski, exercida de forma ampla e democrática, afinada com os novos tempos vividos pelo partido, de construir um grande partido de quadros e de massas, debateu-se com o coletivo partidário e até mesmo foram vencidas resistências à incorporação de nova força política (sob o comando de Euler Ivo/Isaura Lemos), aplicando-se com determinação a orientação emanada da Direção Nacional.

Com alegria e esperança, muitos de nós recebemos com boa-fé, camaradagem e solidariedade, camaradas que reingressavam no partido do qual haviam se afastado por decisão própria há cerca de 20 anos. Novos militantes do movimento de moradia, novos Comitês Municipais, novos mandatos parlamentares, houve um crescimento do partido em Goiás.

Até mesmo relações pessoais tentamos reatar, confiantes de que também eles tivessem amadurecido e aprendido com os anos e as novas condições da democracia brasileira, a conceber e praticar uma política elevada, de exercer a tolerância e compreender como natural da vida política a ocorrência de divergências de opiniões; de ciscar pra dentro, de pensar no partido em primeiro lugar e no reconhecimento do valor dos quadros, formados em longos anos de experiência no partido comunista, tesouros e pivôs da ação do partido.

Nesse esforço, foi possível caminhar com razoável unidade na aprovação do projeto eleitoral de 2012, mesmo diante de sinceras dúvidas de muitos de que a candidatura própria de Isaura à Prefeitura de Goiânia poderia levar o partido a situação de isolamento perante seus aliados e poderia pôr a perder anos de atuação e construção política, o que de fato ocorreu.

Ano passado, até a renovação da Presidência antes mesmo da Conferência Estadual foi possível efetivar, medida aprovada com ampla unidade. Mas bastou essa assunção para que a nova presidenta, Isaura, e seus correligionários vindos do outro partido, travassem o processo para a eleição da Secretaria de Organização e vice-presidência estaduais e da Presidência do Comitê de Goiânia, como parte da renovação dos órgãos dirigentes.

Na sequência da tragédia de desmonte da democracia interna, os ocupantes das Secretarias Executivas da Comissão Política Estadual foram destituídos em uma espécie de golpe branco; as decisões monocráticas e autoritárias da presidência passaram a substituir a concepção estatutária marxista-leninista da elaboração e da direção coletivas, que até mesmo debaixo de ditadura os comunistas preservaram.

Esse movimento de encapsulamento da ação partidária e do domínio das instâncias dirigentes pelo agrupamento oriundo do PDT foi efetivado também com o isolamento de lideranças como Denise Carvalho e numerosos quadros que com ela retornaram ao partido em 2011, com destacada atuação nas áreas de cultura, comunicação, intelectualidade, mulheres, GLBT.

Em 1º de outubro do ano passado eu já havia comunicado a camaradas do Secretariado Nacional minha avaliação de que a nova presidenta não estava à altura da tarefa de conduzir o processo de construção da unidade interna, mensagem que continha os seguintes trechos:

“Com muita tristeza e angústia, após refletir por esses dias, imbuído da minha responsabilidade como membro do CC e do CE-GO, envio a vocês minhas considerações sobre a tragédia deste último sábado e apresento aos camaradas a minha avaliação de que deteriorou-se de vez a situação política do partido em Goiás.

Há mais de 3 anos muitos de nós estamos tentando, com muito esforço, promover a integração e a construção da unidade, em prol da ampliação e do fortalecimento partidário, conforme a orientação nacional. Foram tempos difíceis, com duplo comando, praticamente dois presidentes no período e tudo o mais que já foi debatido.

De boa fé elegemos Isaura para a presidência estadual em julho, na expectativa de prosseguir o caminho da integração. Fica evidente que essa decisão assim isolada, fatiada, não foi a melhor, pois o debate sobre demais reajustes de direção empacou, e na Conferência de Goiânia encerrou-se de vez.

Muito abalado, reitero minha convicção de que tal caminho não tem como prosperar sob a liderança de Isaura.

Na Conferência Municipal de Goiânia, que sequer chegou a ser concluída, com dezenas de delegados/as indignados e revoltados deixando a Conferência, neste último sábado, assistimos a uma cena explícita de incivilidade política, de prática de exclusão, de amputação, por parte de camaradas que adentraram ao partido oriundos do PDT, aqui aplicando os métodos trazidos de lá, totalmente estranhos à tradição dos comunistas.

O significado dessas condutas reprováveis sinalizam não um partido que se abre para crescer e receber novas lideranças, novos filhos/as do povo. Sinalizam para o sectarismo, a mesquinhez, o autoritarismo que só aceita o sim senhor. Quem foi recebido de braços abertos há poucos anos, agora decide quais cabeças vão rolar. A prosseguir nesse desvio de rota, o recado é claro, para dentro e para fora: o de que o partido agora tem dono.

O PCdoB de Goiás não merece e não pode viver sob poder obsessivo do grupo ou corpo que veio do PDT, na base do goela a baixo. Vejo sentimentos de indignação entre nós, que deixamos a Conferência em protesto, assim como sinto também a vontade de prosseguir a luta pelo socialismo, pelo Brasil, os trabalhadores e o nosso povo. O que se pede é um ambiente partidário de democracia e tolerância, de respeito, onde se tenha o prazer e a alegria de militar, de contribuir para o partido avançar, se ampliar e se fortalecer, e não retroceder aos métodos da ocupação, controle e exclusão.”

Propuseram os dirigentes nacionais naquela época que se prosseguisse a aposta no avanço da integração e unidade sob a presidência recém-eleita. De minha parte, ainda tentei, pensando no bem do partido; muitos outros decidiram tentar mais uma vez.

Hoje é forçoso reconhecer o fracasso desse movimento de integração e de construção da unidade política e ideológica no PCdoB de Goiás.

Essa corrente política recém-retornada ao partido não quis e não praticou a incorporação acordada, pretendida; não conhece e despreza a estupenda ampliação da democracia interna construída no partido nos últimos 20 anos, período em que estiveram fora.

Pelo contrário, trouxeram concepções e métodos da política tradicional que aplicaram e desenvolveram em outro partido, estranhos à cultura comunista; querem impô-los a ferro e fogo na condução da vida partidária.

Hoje, infelizmente, tenho que dizer que não dá mais. Concluo que erramos na condução desse processo, do qual participei; é preciso que o partido em Goiás e o Comitê Central avaliem em profundidade esse movimento de reintegração; lições devem ser tiradas para o futuro, medidas urgentes em defesa do partido tem que ser tomadas.

Não há clima interno para o debate respeitoso das questões políticas e organizativas; até inverdades valem hoje como argumento; há flagrantes descumprimentos de compromissos firmados e intermediados pela Direção Nacional com a atual presidenta por ocasião do 13º congresso do partido, no qual ela foi eleita para o CC com ressalvas, justamente para avaliação da efetividade dos compromissos de mudanças de atitudes, como informado na plenária final do Congresso.

Nada disso funcionou. Ligou-se aqui o moedor de gente, com a nefasta prática do massacre psicológico e administrativo, do assédio e coação de militantes; um clima de inquisição insuportável, de chefatura de polícia. Vão se tornando tristemente famosas as tais “reuniões de enquadramento” no gabinete da presidenta deputada. Nada a ver com o partido do debate livre e consciente, fundado na dialética e na análise multilateral que o nosso método do centralismo democrático garante.

Essa condução desvirtuada resultou em obstrução e manobras para impedir que o partido discutisse amplamente o aproveitamento e a viabilização de lideranças respeitáveis e competitivas para o projeto eleitoral de 2014, como Aldo Arantes e Denise Carvalho. Hoje, o que os hegemonistas querem implementar é um projeto dos tempos antigos do PDT, de sempre ter candidaturas casadas com duplo objetivo: uma pra eleger, outra para se projetar para a próxima eleição.

Avalio que um projeto eleitoral tão estreito (Isaura estadual/Tatiana federal), de sentido predominantemente endógeno, voltado para dentro, focado em limitadíssimo círculo familiar e de militantes contratados, não atende aos interesses do PCdoB nos dias atuais. Todos sabem que a contribuição dos comunistas goianos para o projeto nacional de elegermos 20 deputados federais exige que lancemos uma candidatura de maior fôlego, que possa agregar amplas forças sociais e políticas externas, para que o PCdoB possa voltar a eleger um congressista em Goiás.

É preciso ter um projeto eleitoral para todo o partido, que garanta inclusive a reeleição da cadeira na Assembléia Legislativa. Isso é avaliação política, nada tem a ver com preferência pessoal, é um debate que o partido tem que fazer, precisa fazer, não pode ser manipulado nem obstruído.

Mas não. O hegemonismo, o pragmatismo exacerbado, o exclusivismo de projetos de atuação política e eleitoral hoje imperam e impedem a ampla e plural atuação dos comunistas goianos. Exemplo cabal desse quadro distorcido foi a decisão de utilização das pílulas do horário gratuito de rádio e Tv deste semestre, que não foi debatida em nenhuma instância partidária: a presidência destituiu efetivamente o secretário de comunicações do Comitê Estadual e decidiu como quis o conteúdo e aparições (só saíram Isaura e Tatiana).

Calar as vozes divergentes é hoje uma obsessão hegemonista, seja através da manipulação da lista de participação em reunião, seja pela supressão de reuniões, como o adiamento de supetão da reunião do Comitê Estadual que ocorreria nesta data de 22 de março, quando a direção estadual havia sido convocada para debater apenas a alternativa a federal aceita pelos atuais comandantes do partido. Aliás, essa reunião do Comitê Estadual foi também adiada, sabe-se lá por que, por mais uma decisão individual, sem passar pelas instâncias coletivas.

O ambiente interno está intoxicado. Aplica-se o fisiologismo/empreguismo como método de cooptação, a degola e demissão sumária de quem critica, são numerosos os casos. Quer-se impor o sistema do “sim, senhor”, a paz dos cemitérios. Faz-se demagogia com militantes do movimento de moradia, tentando criar-se falsa e inexistente contradição entre “moradores da periferia e intelectuais” do partido, um desserviço ao necessário esforço de educação política e ideológica de novos militantes. É a velha tática trotskista,com intuito único de artificializar tensionamentos e manter coesão entre os seus.

Com a nova direção, passou-se a uma situação de déficit civilizatório interno. Há evidente despreparo para o exercício da maioria conquistada, manejada como se fosse pré-histórico tacape a estuporar as mentes indóceis. Já ocorreram episódios de selvageria política, como o ocorrido na Conferência de Goiânia em outubro passado, com a amputação e exclusão pura e simples de lideranças partidárias, a base de rasteira manobra de orientação de votos em bloco.

Vivemos aqui meses e dias de angústias. Não posso mais me calar diante de atos e manifestações de vingança e rancor, pois aqui se inaugurou o período da desforra por parte dos que voltaram. Vira e mexe, levantam em reuniões que o partido tem que rever a Conferência Extraordinária de 1991. Afirmam que é necessário fazer um acerto de contas com o passado. Procuram culpar e atacar o saudoso camarada João Amazonas, líder comunista da época, que hoje não pode mais se defender. Utilizam e manipulam o nome de atuais dirigentes nacionais, como maneira de reforçar suas ações e pretensões. Arre, ninguém merece tamanho desatino.

Aos trancos e barrancos, eclipsou-se a democracia interna; hoje se fazem reuniões formais, mas o verdadeiro centro de decisão é outro, decidem num pequeno e estreito círculo, fato manifesto várias vezes em momentos de ajustes de funções na direção. Quer-se aqui substituir o funcionamento de instâncias do partido por uma invencionice, as “reuniões estaduais dos mandatos”, em que somente os escolhidos a dedo participam. O partido precisa avaliar e checar a validade do novo método introduzido por eles, de se fazer Conferência Municipal através de mobilização telefônica e à base da nada sutil ameaça: ”quem não fizer a Conferencia/ata até tal dia perderá o comando do partido no município, vamos nomear outro Comitê Provisório”.

Nas decisões políticas fundamentais, enquanto se vai enrolando a Comissão Política e Secretariado estaduais, pululam na imprensa e nas rodas da política goiana os comentários depreciativos de que já negociaram o apoio do PCdoB com um dos governadoriáveis. Fazem relatos parciais e facciosos sobre o quadro político, como a presidenta apresentou à Direção Nacional nesta semana.

O que se pratica agora, a decisão presidencial monocrática, individual, rompe a institucionalidade estatutária; até a figura do presidente-sombra se introduziu nos últimos anos; há o recorrente descumprimento de normas estatutárias, inclusive em relação à contribuição financeira de dirigentes.

O método de direção de hoje é o da desqualificação, do ataque pessoal do militante/dirigente que levanta uma crítica, é o da recusa em debater o argumento apresentado. O livre debate e a persuasão foram substituídos pela imposição ao estilo voz de comando, como se fosse possível adestrar e enquadrar pessoas que lutam pela sublime causa do socialismo, da igualdade. Militante comunista, revolucionário consciente, não aceita cabresto. Goela abaixo não; não e não.

A corrente política vinda do PDT, que constitui maioria e hoje empalma a direção, pode muito, mas penso que não pode tudo, muito menos desrespeitar a história do partido e seus militantes goianos dos últimos 20 anos.

Essa minha atitude é individual e de acordo com a minha consciência, percepção e condições do momento. Reflito que nas circunstâncias anormais por que passa o partido hoje em Goiás, minha melhor contribuição para com a causa comunista seja a de afastar-me dos órgãos executivos partidários em que exerci várias funções por quase 35 anos.

Conclamo que todos/as militantes comunistas de Goiás indignados com esse descalabro permaneçam no Partido Comunista do Brasil, seguindo adiante na luta, com suas convicções, em suas áreas de atuação, reforçando os movimentos sociais, de maneira ampla e diversificada, pois é incabível e antimarxista a pretensão deles de impor um modelo único de militante, ou área de atuação, a manu militari. Devemos guiar nossa atuação buscando referência nas ricas resoluções do 13º Congresso, nas decisões do Comitê Central e no documento do 8º Encontro sobre Questão de Partido.

O partido, historicamente, não tem donos, e ninguém pode nos tirar a honrosa condição de membro do Partido Comunista do Brasil.

Goiânia, 22 de março de 2014.

Luiz Carlos Orro de Freitas

Membro do Comitê Estadual do PCdoB/GO