Reportagem do Jornal Opção deste domingo afirma que o sucesso ou não do programa Rodovida vai pautar a sucessão estadual em 2014. Ou seja: se cumprir o prometido, Marconi Perillo vence a eleição.
Veja:
Rodovida
Sucesso ou fracasso na entrega do asfalto prometido vai pautar a sucessão estadual
Não será tão simples como em 2008, quando Iris conseguiu se reeleger prefeito em Goiânia, mas Marconi pode e precisa capitalizar — e muito — cumprindo as metas do programa de pavimentação
Operários trabalham em trecho da GO-040 coberto pelo programa Rodovida: governo promete cumprir todo o cronograma até o fim do próximo ano
Elder Dias
“Apelo à oposição que continue discutindo o tema rodovias em 2014. Queremos debatê-lo na campanha. Se eles não levarem adiante, podem ter certeza de que a gente vai se lembrar dessa pauta.” A proposta-desafio é do presidente da Agência Goiana de Transportes e Obras (Agetop), Jayme Rincón, e mostra o que estará em jogo como trunfo pelo lado do governo na sucessão estadual: o mesmo que a oposição considerava como arma até pouco tempo atrás.
Criticar o programa Rodovida, menina dos olhos do governo estadual, foi a primeira tática anti-Marconi no que diz respeito a ataques à gestão em si, escândalos à parte. Especialista no tema asfalto, foi Iris Rezende quem primeiro deu o alerta ao grupo oposicionista: é melhor buscar outras bandeiras para contrapor ao discurso do Palácio das Esmeraldas, porque a tendência é de que, até o fim de 2014, o governo consiga mesmo cumprir ou ficar muito próximo do que prometeu fazer em termos de pavimentação.
A explicação não é difícil e tem precedente. Iris Rezende conquistou o eleitor goianiense em 2004, quando disse que asfaltaria todas as ruas habitadas de Goiânia. Conseguiu cumprir, na quase totalidade, o compromisso de campanha, o que lhe garantiu uma reeleição tranquilíssima — apesar de não ter cumprido a promessa (essa sim, inexequível) de resolver o problema do transporte coletivo da cidade em seis meses.
Sem problemas: o asfalto garantiu o passeio eleitoral de Iris em 2008. E pode ser o passaporte para a virada de seu principal opositor no próximo ano, a despeito da dificuldade em executar o restante da extensa pauta. Marconi Perillo está hoje bem atrás nas pesquisas de intenção de voto que o PMDB monitora, mas ambos os lados sabem que daqui a um ano o quadro pode ser outro. Vai depender da eficiência da máquina estatal em fazer valer o que prometeu.
Se a maior parte das obras físicas — Credecs, hospitais, centros de convenções e outros prédios — não deve ficar pronta a tempo de gerar dividendos eleitorais, a oposição não pode contar com o mesmo no que diz respeito ao asfalto. E é nisso que o governo joga todas as fichas.
Para quem duvida da aposta, basta dar uma passada pela Agetop. O nome da agência tem muito menos evidência do que o de seu filho dileto: o programa Rodovida está estampado em banners, paredes, porta de entrada e tudo o mais. É para esse rumo que está apontado o governo Marconi: se de fato a Agetop cumprir o que promete a publicidade, as coisas podem virar a favor do Palácio das Esmeraldas.
Um grande passo para isso, além da reconstrução de rodovias diversas, está na duplicação das vias da região metropolitana de Goiânia. O prometido, garante Rincón, será cumprido. “Já estamos executando a GO-070 de Inhumas até Itauçu e vamos inaugurar até dezembro; na mesma rodovia vamos licitar o trecho de Itauçu a Itaberaí. De Goiânia a Bela Vista, a fase é de assinatura de contrato e a obra começa em 30 dias na GO-020. Na GO-080, estamos finalizando o projeto de Nerópolis a São Francisco de Goiás.”
Fiscalização
As obras do Rodovida passam por quatro crivos: o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), de onde saem recursos, exige que além da fiscalização da própria Agetop, haja um controle externo. Mais dois órgãos também fiscalizam as obras: a Controladoria-Geral do Estado (CGE) e o Tribunal de Contas do Estado (TCE).
Jayme Rincón tenta demonstrar que, também por conta disso, hoje os processos licitatórios estão mais transparentes do que no passado. O fato de ter alcançado um grande desconto nas licitações dos trechos, às vezes acima de 20%, deixou dúvidas sobre a qualidade do que seria realizado. “No Rodovida Reconstrução 1, quando o desconto chegou à média de 24% do valor, todo mundo falou que não iriam dar conta de executar. Mas foi quando estourou a crise no Dnit e as empresas pararam, procuravam por serviço e pegaram tudo por preço mais baixo. Na segunda edição do programa, o desconto já caiu para 16% a 17%. O mercado vai se acomodando por si só”, raciocina.
Agetop rebate críticas feitas pela oposição ao programa
Em entrevista ao Jornal Opção há três semanas, o deputado federal Ronaldo Caiado (DEM) mostrou-se preocupado com o que considerava rápida deterioração de uma das obras de reconstrução do programa Rodovida, na GO-164, a chamada Estrada do Boi. “Eu estava circulando de Goiás a São Miguel do Araguaia e percebi que nem colocaram ainda as faixas de sinalização, mas o asfalto novo já tem lombadas e solta ‘cascas’. Esta é a situação: faz-se de conta que estão asfaltando, mas é uma casca de ovo que vai ser responsabilidade do próximo governo”, criticou o parlamentar.
O presidente da Agetop recebeu a denúncia de Caiado com tranquilidade. “É uma desinformação. No caso da GO-164, o serviço não foi concluído. O Tribunal de Contas detectou um problema e o lote atrasou. Quando o problema foi resolvido, entramos no período de chuvas. Falta fazer o principal, que é a capa asfáltica.” E arrematou. “Dessa forma que veio a crítica, foi na verdade um elogio, haja vista que talvez o trabalho de base tenha sido tão bem-feito que o deputado nem tenha notado a diferença e se confundiu.”
Outro trecho bastante criticado — citado inclusive na edição passada deste jornal — é na Rodovia GO-330 e está entre Ipameri e Cristianópolis. Segundo Rincón, o trecho não tem a ver com o programa Rodovida. “Há 15 quilômetros que haviam sido recapeados no governo anterior, fazia menos de um ano, pelo programa Prea [Programa de Recuperação de Estradas Asfaltadas]. Sabíamos que havia o risco de deteriorar, mas não podíamos mexer porque era preciso comunicar ao tribunal e notificar a empresa responsável.”
UFG faz advertência sobre qualidade da pavimentação realizada
Por meio de um convênio, a Controladoria-Geral do Estado (CGE) estabeleceu uma parceria com a Escola de Engenharia Civil e Engenharia Ambiental (EEC) para fazer trabalho de análise das obras de pavimentação do programa Rodovida. O primeiro ciclo, iniciado em 2011, foi concluído em 2012. No fim do ano, o contrato foi renovado por novo período, embora, por causa da questão climática, este ainda não tenha sido levado a campo, o que deve ocorrer a partir de maio.
A avaliação por parte da instituição teve a professora Lilian Rezende como responsável e fez parte da pesquisa de mestrado da acadêmica Ludmila Costa, que defendeu o trabalho no ano passado, dentro da linha de pesquisa Mecânica de Solos Tropicais, em um conjunto de estudos intitulado “Avaliação e acompanhamento de projetos, obras e serviços de pavimentação”, coordenado por Lilian.
É a professora quem faz o relato do que foi observado até o momento no Rodovida e chega a uma conclusão: as rodovias goianas, em geral, não estão sendo construídas para suportar tráfego pesado — o que é um problema relativamente sério para um Estado com economia baseada em commodities e que precisa de condições ideais para escoar sua produção. O problema é que carretas, bitrens e treminhões carregados são objetos acima da capacidade de suporte do piso executado. Ou seja: em geral, seria necessário um reforço na estrutura maior das estradas do que o realizado atualmente.
O trabalho da UFG se concentrou em fazer análise de cinco rodovias escolhidas pela CGE, em um trecho de oito quilômetros de cada uma delas. Houve problemas físicos em três: na GO-050, entre Trindade e Campestre; na GO-536, do trevo da GO-020 até Senador Canedo; e na GO-222, entre Anápolis e Nerópolis. Nesses trechos, as empreiteiras responsáveis pela execução tiveram de refazer o trabalho e corrigir falhas. Outra obra observada pela universidade onde houve falhas foi a da GO-112, entre Simolândia e Iaciara — mas o problema ocorreu por serviços medidos e pagos em duplicidade, o que, segundo a controladoria, será compensado nas medições seguintes.
“O resultado, em geral, demonstrou que as vias suportam até um tráfego de médio impacto”, diz a professora. Em outras palavras, as rodovias goianas não estariam, na visão da pesquisadora da UFG, preparadas para receber certa carga a mais de fluxo. O primeiro período de trabalho foi avaliado como positivo pela CGE, o que fez com que fosse firmado aditivo ao convênio de cooperação técnica para avaliação da qualidade das obras de reabilitação das estradas. O órgão do Estado julgou que, como consequência das inspeções realizadas com embasamento científico, houve a correção mais precisa de obras com problemas e uma maior atenção à execução das etapas.
E é exatamente com relação a esse ponto que a professora Lilian Rezende se mostra preocupada. “O que observamos nessa primeira etapa é que os trabalhos de pavimentação são muito empíricos. Faz-se a obra de uma forma padrão, sem que se tenha uma avaliação maior do terreno. Assim, falando popularmente, há 50% de chances de dar certo e 50% de risco de termos problemas”, diz. “Um estudo mais aprofundado faria com que esses riscos fossem bastante reduzidos, o que, em longo prazo, causaria uma queda no custo da obra e aumentaria muito a durabilidade.”
ANÁLISE
O caminho: menos “tudo” e mais “bem”
A exposição da professora Lilian Rezende sobre o quadro das rodovias goianas preocupa. Segundo ela, a malha viária estadual analisada suporta apenas cargas de médio porte. Isso equivaleria a um tráfego de veículos pequenos e médios e, de maneira não muito intensa, de ônibus, caminhões e carretas. Estruturas de mais de cinco eixos — os bitrens ou treminhões — teriam, a rigor, de ser vetados nessas estradas.
O problema é que são nelas que os motoristas que “transportam as riquezas do País” têm de passar no período de safra, para fazer o escoamento. Junte-se a isso o fato de que não há um sistema regular de pesagem dos veículos — embora a Agetop afirme que as balanças entrarão logo em operação — e temos uma vida útil reduzida do asfalto.
Por isso, talvez fosse útil, como salienta a professora, reconsiderar a forma de elaborar os editais para tais obras. Fazer muito com menor qualidade dá a ideia de algo eleitoreiro: como não se pode ao mesmo tempo asfaltar “tudo” e “bem”, o que fazer? “Tudo” significa quantidade; “bem” tem a ver com qualidade. Se o dinheiro não dá para fazer as duas coisas, pensando apenas em votos não há dúvidas de que o instinto político vai pender para a primeira opção.
Mas o custo da obra poderia ser muito menor — ou muito mais bem gasto — com um investimento mais eficaz na pré-obra: fazer a pesquisa do solo e de sua mecânica é essencial. Nesse sentido, foi um ótimo primeiro passo a iniciativa de o governo buscar a universidade. Pena ser ainda em um universo de amostragem muito restrito.
O fato é que em Goiás ainda se faz estrada — e asfalto urbano também, ninguém se engane — sem maiores cuidados. O que significa um alto índice de erros. Daí perguntam: mas por que as estradas privatizadas são boas? Ora, porque nelas o dinheiro sai do bolso de quem executa. No caso das obras públicas, a verba sai do cofrinho que cada brasileiro tem em casa. Um dinheiro suado que precisa ser mais valorizado com uma simples prática: fazer mais “bem” e deixar o “tudo” para quando for possível. Até porque, fazendo “bem”, o “tudo” vai ser consequência.