quinta-feira , 28 março 2024
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Veja o artigo de PX Silveira sobre cultura que foi censurado pelo caiadismo

O governador Ronaldo Caiado e a cultura a pente fino

Se a cultura não consegue ser destaque positivo na gestão governamental, que ao menos não o seja negativamente, virando notícia das páginas que acolhem denúncias contra práticas indevidas na gestão pública. Pois este é o perigo que estamos correndo. 

Em recente reportagem de jornal, o representante da área cultural no Estado, Edival Lourenço, é citado duas vezes por ter seu filho nomeado como superintendente no mesmo governo em que ele é secretário.

O tratamento já estaria a caminho, é o que parece. Considerado um dos mais relevantes órgãos públicos da atualidade, a Controladoria Geral do Estado de Goiás formou comissão para averiguar a aplicação do decreto antinepotismo. Trata-se de uma ação que vem ao encontro dos anseios da sociedade e do zelo, até agora, que o governador Ronaldo Caiado empenha em seu governo. 

Algumas constatações já estão à mão, bastando para isso ler, por exemplo, a jornalista Fabiana Pulcineli, em O Popular: “Parentes ganham cargos no governo” (07/04). Até o momento, segundo a jornalista,14 integrantes da família Caiado fazem parte do governo. E 27 outros casos foram identificados, tendo como base os decretos publicados no Diário Oficial do Estado (DOE).

Não se deve pôr todos no mesmo saco. O Supremo Tribunal Federal estipulou que os cargos de secretários são de confiança e, por isso, podem ser ocupados por parentes. No caso, o mérito -e não o proveito, deve definir tais nomeações. 

 Entre outros casos, existem os de flagrante desrespeito ao entendimento do decreto antinepotismo do Estado. Infelizmente, é aonde o gestor cultural aparece, na seção errada das notícias que esperamos. Pois não bastasse as coisas da cultura no âmbito estadual estarem em um mais-ou-menos-morno-mais-pra-menos-que-pra-mais, vem agora a lume a acomodação indevida de pai e filho nas hostes do mesmo governo Caiado. 

Antes de ver a questão das nomeações familiares estritamente à luz do disposto no Decreto Estadual nº 7.257, já de saída podemos afirmar que fica aí configurado um absoluto desdém com as práticas anunciadas pelos novos ares governamentais, gerando desgastes para um secretário que a única coisa que tem feito é capengar no vazio (vide os artigos no Diário da Manhã: “E a cultura, governador Caiado?”, “Ronaldo Caiado e os 100 dias na porta do inferno”, “Caiado e a salvação da cultura”, entre outros tantos). 

Se nos artigos pregressos falamos principalmente da falta de pro-atividade de gestão, neste de agora viemos falar da falta de práticas republicanas. E perguntamos: afinal, o jeito de se fazer a politica vai mudar ou não? 

Depois de uma eleição em que sagrou-se vencedora a opção da renovação ética, da transparência e do desprendimento na conduta pública, diríamos que é muito cedo para se fazer silêncio e adotar práticas que vão de encontro às expectativas do eleitorado. 

E quando o revés acontece justamente no âmbito da representação cultural do governo, o alerta torna-se ainda mais ensurdecedor, pois é uma área que lida com os valores simbólicos da cidadania plena a que queremos chegar, e tida como à parte no jogo escuso da disputa de poder. Perde-se em dobro, seja em confiança, seja em esperança.

Pois eis que avançando contra a onda do bom senso no trato com a coisa pública -e indo frontalmente contra todas as evidências previstas no referido Decreto, na ocasião da nomeação do filho do secretário da cultura, Edival Lourenço Junior, como superintendente da secretaria de Desenvolvimento Econômico e Inovação (SEDI), ainda segundo a jornalista de O Popular, foi apresentado parecer de advogado que ignora solenemente o disposto na legislação específica, em seu Artigo 1º, apontando ele que “a relação de parentesco entre pessoas que atuarão em secretarias distintas em um mesmo governo estadual, por si só não caracteriza nepotismo, na medida em que deve ser observada a existência de parentesco direto com a autoridade nomeante”. Errado.

Em outras palavras, querem obnubilar o que é claramente disposto na lei e dela supor o que lhes é de interesse. Diz o Decreto em questão (nº 7.257, de 17/03/2011) em seu Artigo 1º: “Quem for nomeado para qualquer cargo de provimento em comissão da Administração direta, autárquica e fundacional do Poder Executivo deverá apresentar, no ato da posse, declaração por escrito negativa de vínculo de matrimônio, união estável ou parentesco em linha reta, colateral ou por afinidade, até o terceiro grau, inclusive, com os seguintes agentes públicos: I – Governador do Estado; II – Vice-Governador; III – Secretário de Estado”; e assim por diante, até cargos de chefia de gabinete. 

O Decreto antinepotismo do Estado é suficientemente claro. Quem haverá de fingir que não o entende? Ele estabelece a proibição de nomeação para cargos comissionados de quaisquer parentes até o terceiro grau do governador, vice-governador, secretários de Estados (alô, Edivais!) e dos demais cargos de chefia ou direção superior. E ainda há, no mesmo Decreto, a previsão de se incorrer em crime de falsidade ideológica, como parece ser o caso, pois ele exige de quem for nomeado para qualquer cargo em comissão, que apresente, no ato da posse, declaração negativa de vínculo familiar com os agentes públicos citados na lista.

Ao nepotismo direto, que conhecemos bem, e ao cruzado, em que um gestor troca com outro gestor as nomeações de seus interesses, junta-se agora o nepotismo light ou transversal, em que não há a troca de nomeações, mas nomeações consanguíneas que, mesmo se atendendo às questões de mérito, são previstas, especificadas, declaradas nepotistas e, ainda assim, ignoradas. Não é o parecer de um advogado que vai mudar as linhas retas do Decreto, felizmente. Nem tampouco o alegado preparo e eficiência dos nomeados, por melhores que sejam.  

Tanto um Edival, quanto o outro, são inegavelmente pessoas estudadas e acima da média. No entanto, a posição no governo estadual do secretário da cultura e de seu filho superintendente é, no mínimo, equidistante da boa conduta, que passa longe e ao largo, em tempos em que mais do que ter responsabilidade pública, moralidade pessoal e ser ético, é preciso firmar exemplos e fazer parecer que assim o seja. O que, infelizmente, já vitimou outras pessoas igualmente estudadas e acima da média.

E o pior de tudo é ver a cultura em Goiás, já um tanto descrente e enormemente carente, se tornar refém de práticas dissimuladas e não mais cabíveis nos dias de hoje, diminuindo sua transparência perante o jogo do poder e, com ela, a espontaneidade de sua força e seu vigor exemplar.  

            Px Silveira, Instituto ArteCidadania, presidente

 

 

O governador Ronaldo Caiado e a cultura a pente fino