O Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1) julgou, no início do mês, recurso de apelação de uma estudante de medicina da Universidade Federal de Goiás e anulou ato do reitor, que havia determinado o cancelamento de sua matrícula. A aluna foi aprovada no vestibular no início de 2017, pela categoria L2 do Edital – candidatos autodeclarados pretos, pardos ou indígenas, com renda familiar bruta per capita igual ou inferior a 1,5 salário mínimo que tenham cursado integralmente o Ensino Médio em escolas públicas (Lei n.º 12.711/2012). Em seguida, a UFG validou os documentos apresentados e matriculou no curso.
Em novembro daquele ano, a Universidade criou a Comissão de Heteroidentificação, para a fiscalizar, dali em diante, o sistema de ingresso dos estudantes cotistas, conforme critérios fenotípicos – na prática, uma banca avalia se os postulantes às vagas se enquadram nas categorias que declararam.
A instituição acabou recebendo uma onda de denúncias anônimas contra alunos aprovados nos vestibulares anteriores, por supostamente não cumprirem os requisitos da política de cotas. Como centenas de outros discentes, essa estudante, após 4 semestres cursados, teve sua matrícula cancelada. Segundo a Comissão, que reanalisou os documentos, a aspirante a médica não se enquadraria na condição de negra ou parda, e sua renda familiar excederia 1,5 mínimo por pessoa, pois sua mãe tinha uma disponibilidade financeira de R$ 85 mil declarada no Imposto de Renda.
A estudante questionou o ato na justiça e conseguiu se manter no curso com uma liminar de primeira instância, mas, no mérito, ação foi julgada improcedente. A defesa, então, pediu nova liminar, dessa vez no TRF-1, até que fosse julgado o recurso de apelação. O relator, desembargador federal Antônio Souza Prudente, a deferiu, ao dizer que a UFG havia ficado “inerte por longo lapso temporal no tocante à aferição da veracidade da […] declaração de cor, gerando […] uma expectativa de plena aceitação da sua matrícula, renovada por sucessivos períodos letivos, sem qualquer contestação”.
Dias após a decisão, o Ministério Público Federal recomendou à UFG que anulasse todos os atos de cancelamento de matrículas anteriores a novembro de 2017 nos casos em que houve reavaliação dos candidatos autodeclarados pretos, pardos ou indígenas. A Universidade acatou a recomendação, mas, a respeito da estudante de medicina, manteve o rompimento do vínculo por suposto não preenchimento do requisito “renda”.
No último dia 18, o TRF-1 atendeu, por unanimidade, ao recurso de apelação, esclarecendo que a aluna se encaixa em todos os critérios. Como esclareceu o relator, Souza Prudente, “renda familiar” e “disponibilidade financeira” são coisas distintas; o fato de a mãe da estudante ter uma reserva de recursos não traduz o quanto recebe por mês, ressaltando que a família possui 6 integrantes, cuja renda mensal média per capita não ultrapassa o 1,5 salário mínimo exigido por lei. Reiterando a decisão liminar, disse que a Universidade agiu em desacordo com o edital e não poderia reinterpretar os documentos após tanto tempo, em prejuízo da discente.
Para a desembargadora federal Daniele Maranhão, não houve fraude alguma no caso e nem se pode admitir um “estado policialesco” (sobre as denúncias anônimas), sobretudo se a UFG já havia avaliado a situação financeira da família. Ainda lembrou que o financiamento estudantil teria prejuízo, pois os recursos seriam investidos em alguém que não concluiria seus estudos. Por fim, como registrou o desembargador Carlos Brandão, não se pode modificar uma situação consolidada, se os requisitos de renda foram atendidos.
Atuaram no caso os advogados Caio Alcântara e Thiago Agelune, do escritório Demóstenes Torres Advogados.