O Superior Tribunal de Justiça (STJ) rejeitou, na última terça-feira, 01/06, recursos do Ministério Público do Estado de Goiás (MPGO) e do Ministério Público Federal (MPF), confirmando o trancamento de Ação Penal proposta contra Edna Ferreira Gomes, João José Elias, Reginaldo Gomes do Nascimento e João Teixeira de Faria, o João de Deus, pela prática do crime de falsidade ideológica.
Em março de 2019, João de Deus e as outras três pessoas foram denunciadas por supostamente inserirem informações falsas em declaração pública, na qual uma jovem relatou não ter sido vítima de abuso sexual. Por essa razão, o MPGO entendeu que eles buscaram alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante: “a declaração falsa foi feita no intuito de fazer prova da inocência de um dos corréus em processo no qual seria acusado”, disse a acusação.
A Vara Criminal de Abadiânia/GO recebeu a denúncia e, então, o Escritório Demóstenes Torres impetrou Habeas Corpus em favor de Edna Gomes, alegando que a conduta era atípica (não configura crime), pois não houve violência nem constrangimento quando a declaração pública foi lavrada em cartório.
Também se argumentou que o documento não tinha potencialidade lesiva, isto é, era incapaz de influenciar o Poder Judiciário no julgamento dos acusados, uma vez que o Ministério Público, à época, já possuía inúmeros outros relatos sobre os casos investigados.
Além disso, a defesa expôs que a própria declarante já havia mudado a versão dos fatos relatados na escritura pública, antes mesmo de as informações serem utilizadas para algum fim.Assim, as declarações prestadas não poderiam “alterar a verdade de fato juridicamente relevante”, como descreve o artigo 299 do Código Penal, que trata da falsidade ideológica.
Outro ponto alegado foi que o delito de falsidade só pode ser cometido diretamente pela pessoa (crime de mão própria).
No caso, nem a jovem que prestou as declarações apontadas como falsas nem a escrevente responsável por lavrar a procuração foram denunciadas pelo MPGO; assim, os demais envolvidos não poderiam ser coautores de algo praticado por terceiros que sequer figuram como acusados.
O pedido foi acolhido pelo Tribunal de Justiça de Goiás, que determinou o trancamento da Ação Penal quanto a esse ponto.
Segundo o relator, Desembargador Luiz Cláudio Veiga Braga, “não denunciada a pessoa que prestou a falsa declaração, porque atípica a sua conduta, a eventual participação da paciente no comportamento sem feição penal revela indiferente no âmbito do Direito Punitivo”. Acrescentou que a suposta inverdade no documento não teria potencialidade lesiva, “já que a prova deve ser colhida na angularização do contraditório e da defesa plena, para assumir os contornos de elemento de convicção e produzir resultado juridicamente relevante”. Como o fato foi considerado atípico, o TJGO estendeu a decisão aos demais acusados, incluindo João de Deus.
Em seguida, o Ministério Público do Estado de Goiás apresentou Recurso Especial, visando reformar a decisão no Superior Tribunal de Justiça, mas o Tribunal goiano o negou.O MPGO recorreu novamente, com Agravo em Recurso Especial, rejeitado de forma monocrática pelo Ministro Nefi Cordeiro, sob o argumento de que para “a configuração do delito de falsidade ideológica, [é] necessária a demonstração do dolo específico na conduta do agente”.
Conforme decidiu o relator, o TJGO entendeu, “de forma fundamentada, pela atipicidade da conduta, bem como pelo não exaurimento da potencialidade lesiva da falsidade ideológica”.
Tanto o Ministério Público de Goiás quanto o Ministério Público Federal interpuseram Agravo contra essa última decisão, mas a Sexta Turma do STJ, por unanimidade, negou provimento a eles, seguindo voto do relator, Olindo Menezes (Desembargador Federal que substitui o recém-aposentado Nefi Cordeiro). Votaram também a Ministra Laurita Vaz e os Ministros Sebastião Reis Júnior, Rogerio Schietti Cruz e Antonio Saldanha Palheiro.
Questionado sobre o caso, o advogado Demóstenes Torres disse: “num processo criminal, importam os fatos, não as pessoas. Hoje, no Brasil, a grande maioria se preocupa com a capa do processo e ignoram seu conteúdo. É necessário reconhecer quando há crime, mas também quando o Ministério Público processa indivíduos sem base jurídica alguma, como aconteceu agora”.
Confirma-se, portanto, a primeira absolvição conseguida pelo médium.