A presidente da Associação dos Magistrados do Estado de Goiás (Asmego), juíza Patrícia Carrijo, defende a destinação de porcentagem das vagas de ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) para juízes de carreira, “possuidores de todos os atributos necessários para julgar e decidir de acordo unicamente com o que determinam as leis de nosso país, sem vícios ou categorizações conceituais”. Para a magistrada, o pleito “é legítimo” e “deveria ser intuitivo”. O assunto foi pauta de artigo assinado pela juíza e publicado no site do jornal Folha de S. Paulo.
Citando a Obra Os Irmãos Karamázov, de Fiódor Dostoiévski, a presidente alerta para o prejuízo que pode ser ocasionado quando há falta de foco na Justiça. “Ao trazer o debate para a nossa realidade — esta, sim, rica em detalhes — só se tem na Justiça a fonte certa para se produzir justiça. E os juízes de carreira, ambientados desde o ingresso na carreira no cenário judicial e social de nosso país, têm como o saber-fazer decidir sobre demandas que vão, a partir de suas decisões, afetar milhares de vidas.”
Leia o artigo na íntegra:
Escolhe, pois, a Justiça
Da obra Os Irmãos Karamázov, de Fiódor Dostoiévski, o Livro XII é o desfecho do caso de parricídio que ocupa boa parte da história nela narrada, ao detalhar o julgamento de Dmítri, acusado de assassinar o pai, Fiódor. Embora tenha ocorrido em uma pequena cidade, o caso abalou toda a Rússia. O título do livro — “Um Erro Judiciário” —, é trecho de uma frase do advogado de defesa, Fetiukóvitch, ao júri: “Livrem-se de cometer um erro da Justiça, um erro Judiciário”. Em vão foi sua advertência, pois, baseada nas evidências circunstanciais, a Corte condenou o réu, que tinha todas elas em seu desfavor, mas era inocente.
Dentre os inúmeros aspectos que colaboraram para o erro, um muito grave, mas não mais que os demais, foi a falta de foco na Justiça em si por parte do promotor Hippolit Kiríllovitch, que via no caso oportunidade de revanche contra o advogado, e a pressão dos populares e do júri, composto por funcionários públicos, comerciantes, camponeses e pequenos burgueses, todos da cidade. Resumindo, sem entrar em detalhes, o julgamento levou mais em conta o fenômeno que se tornou o caso do que o próprio caso.
Ao trazer o debate para a nossa realidade — esta, sim, rica em detalhes — só se tem na Justiça a fonte certa para se produzir justiça. E os juízes de carreira, ambientados desde o ingresso na carreira no cenário judicial e social de nosso país, têm como o saber-fazer decidir sobre demandas que vão, a partir de suas decisões, afetar milhares de vidas. É o juiz de carreira o agente mais discreto e focado na Justiça, que, longe de presunção, é detentor de perspicácia que se basta para encontrar o ponto certo do equilíbrio que orienta a Justiça.
Possuidores de todos esses atributos necessários para julgar e decidir de acordo unicamente com o que determinam as leis de nosso país, sem vícios ou categorizações conceituais, é espantoso que nós juízes de carreira não tenhamos porcentual garantido na ocupação das vagas de ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), foz onde deságuam as contendas com maior capacidade de causar impactos a toda a Nação.
Distante de quaisquer que sejam e de onde quer que venham os qualificadores que possam alçar um cidadão a um dos 11 postos de ministro, nós juízes de carreira nos apegamos, para pleitear um porcentual, exclusivamente ao nosso detalhado conhecimento sociológico e à vivência jurídica, possibilitados pela experiência de trabalho após aprovação em concurso público, que seleciona os mais capacitados. Pleiteamos, com total respeito e sem desfazer do mérito das demais carreiras, o que deveria ser intuitivo: determinada porcentagem das vagas de ministro do STF para juízes de carreira.
Esta seria, certamente, a melhor maneira de a justiça trabalhar pela Justiça.
*Patrícia Carrijo, juíza de Direito e presidente da Associação dos Magistrados do Estado de Goiás (Asmego).