“O nauseante episódio ocorrido na úlrima quarta-feira (21/07) nas proximidades do camelódromo da Praça da Bíblia, em Goiânia (GO), quando o advogado Orcélio Ferreira Júnior foi agredido por policiais do Grupamento de Intervenção Rápida Ostensiva (Giro) enquanto tentava intervir na prisão de um flanelinha é um exemplo infelizmente bastante eloquente do desprestígio da advocacia goiana, de um modo geral, e criminal, especialmente.
Em todas as profissões, há o joio e há o trigo. Em todas. Por isso adianto que reconheço e sei que, também na polícia, há profissionais honrados, de excelência e que merecem o mesmo respeito com que nos tratam. O que ocorreu ontem não representa, portanto, toda a corporação, isso é óbvio. Mas há de ser apurado com firmeza, porque ontem se cruzou o limite do aceitável. Chega!
Pela natureza de nossas funções, nós, advogados criminalistas, vivemos às voltas em delegacias, complexos prisionais, balcões de fóruns – principalmente quando nas subseções, casas de albergado, unidades de internação de adolescentes entre outros locais evidentemente carregados de uma energia pesada, histórias tristes, eventualmente perigosos, de estruturas quase sempre precárias. São ambientes que, entretanto, não podemos nos furtar a frequentar, para conseguirmos cumprir a contento nosso trabalho.
Há tempos temos denunciado, sempre sem sucesso, a quantidade de vezes em que nossos direitos e prerrogativas, no exercício de nosso ofício, são desrespeitados frequentemente, para não dizer diariamente. E, mais grave ainda, essa não é uma realidade vivida apenas pelos criminalistas. Advogados e advogadas de outras áreas também passam por isso, em outros contextos. Eu, que convivo com colegas que militam nessa área, conheço uma infinidade de fatos absurdos, dignos da mais pura indignação e que jamais chegaram a público. Em alguns casos, porque, de tanto vivenciar isso, alguns se tornaram resilientes à situação e desistiram de exigir o devido respeito; noutros, porque de alguma forma, a depender do caso, se sentem ameaçados mas, para a grande maioria, o que é pior, porque perderam totalmente a confiança na instituição que deveria nos representar efetivamente.
Houve um tempo em que ser advogado ou advogada era fator de prestígio. A liturgia era respeitada. O tratamento dispensado à categoria pelas autoridades policiais era cordial, respeitoso e digno da grandeza e importância de nossa atuação, tanto para as pessoas cujos interesses eram defendidos quanto para a sociedade. O artigo 133 da Constituição Federal e, também o artigo 2º da Lei nº 8.906/1994, reconhece ser, a advocacia, função indispensável à Administração da Justiça, por se tratar de um serviço de interesse público, com função social, mesmo quando em atuação apenas no âmbito privado.
Somos, portanto, uma categoria de profissionais que, em termos hierárquicos, se posiciona em pé de igualdade com a magistratura e o Ministério Público.
A realidade, contudo, é bem diferente do que manda a Carta Magna e isso precisa mudar.
Repito: Isso vai ter de mudar e urgentemente! Aliás, há muitas mudanças que já passaram da hora de acontecer.
O que ocorreu ontem com nosso colega Orcélio Ferreira Júnior é inadmissível, repugnante, inconcebível, inaceitável e não ficará, ah, mas não mesmo, livre de consequências.
Eu acredito na força da mobilização. Eu acredito no poder da união. Ontem à noite, me reuni com outros colegas criminalistas, tão impactados e solidários quanto eu com a situação de Orcélio e o encontramos na Central de Flagrantes, onde, injuriados, exauridos, decidimos que chegamos ao limite. Não dá mais.
Os dias passarão, mas esse fato, anotem, acompanharemos diuturnamente, e de muito perto, na expectativa de que seja devidamente apurado pelo Ministério Público, pela Secretaria de Segurança Pública e pela Corregedoria Geral da Polícia Militar. E, francamente, essa será apenas uma primeira demonstração do que a advocacia goiana pode e deve fazer, ainda que desprovida de representatividade efetiva. Unidos podemos muito. E faremos. Vamos virar essa chave e mudar esse estado de coisas. O que não dá mais para aceitar é ver um colega cuja profissão é considerada essencial para a sociedade ser tratado como uma marginal, um bandido Somos a advocacia. Temos honra e dignidade e exigimos respeito para todos. E o teremos. De uma forma ou de outra.”
Pedro Paulo de Medeiros é advogado criminalista