segunda-feira , 23 dezembro 2024
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Ditadura militar, feminismo e escravidão estão entre os temas do Enem censurados pelo governo Bolsonaro

Entre os temas do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) censurados pelo governo Jair Bolsonaro, em 2019, estão questões sobre a ditadura militar brasileira, feminismo e a escravidão. Uma charge da Mafalda, personagem de quadrinhos criada pelo cartunista argentino Quino, foi retirada do exame daquele ano, pois, segundo a comissão do governo federal, “gera polêmica desnecessária”, informou a revista Piauí.

A charge em questão questiona a situação da mulher na sociedade. Mafalda vê sua mãe apreensiva ao vê-la entrar no jardim de infância e tenta tranquilizá-la: “Sabe, mamãe, eu quero ir para o jardim de infância e estudar bastante. Assim, mais tarde não vou ser uma mulher frustrada e medíocre como você!”. Enquanto a mãe fica desolada, Mafalda, feliz, comenta: “É tão bom confortar a mãe da gente!”

Em 2019, o então presidente do Inep, Marcus Vinícius Rodrigues, montou uma equipe para analisar ideologicamente as questões do exame, que se reuniu durante dez dias, carimbando “sim” e “não” para aprovar ou rejeitar questões. Ao final, 66 questões da prova inicial foram retiradas. “Numa planilha de Excel, os censores apresentaram justificativas sucintas – e mal explicadas – para suas escolhas”, informa a Piauí, que teve acesso a um documento até hoje não divulgado em que servidores do Inep pediram a reabilitação de parte das questões censuradas em 2019.

Censura

Além de Mafalda, também a cantora pop norte-americana Madonna foi censurada. Uma questão da área de linguagens usava a letra da música Papa Don’t Preach para falar de gravidez na adolescência. O argumento da comissão de censura: “gera polêmica desnecessária”. Segundo a reportagem, “essa foi a justificativa mais usada de todas: serviu para excluir 28 questões da prova”.

Também seis questões sobre a ditadura militar brasileira foram censuradas. “Uma delas citava o poema ‘Maio 1964’, escrito por Ferreira Gullar, que fala sobre a violência e as prisões políticas ocorridas nas semanas seguintes ao golpe”, destaca a Piauí, informando que nesse caso a comissão do governo Bolsonaro alegou “descontextualização histórica do texto”, motivo que foi usado contra poema de Paulo Leminski sobre a ditadura.

“Uma outra questão, que citava uma letra de música escrita por Chico Buarque (não se sabe qual), foi censurada com a seguinte explicação: ‘Leitura direcionada da história / Sugere-se substituir ditadura por regime militar’”, informa. “Também foi censurada uma questão sobre a prática de tortura pelos militares. Ao consentir com a exclusão da pergunta, os servidores comentaram: ‘Um instrumento que apresente itens que se refiram apenas a um lado da história se mostraria inadequado e polêmico’”, continua.

Charges e poemas abordando religião, mesmo que não fosse o tema da pergunta, também foram censuradas. Até mesmo na prova de matemática, os censores do Inep disseram que um item “gera polêmica desnecessária em relação à ideia de casal”. Da mesma forma, numa pergunta sobre cuidados com relação ao vírus HIV que afirmava que o uso de camisinha é “o meio de prevenção mais barato e eficaz” contra a Aids, a comissão do governo censurou e justificou: “gera polêmica desnecessária / Direcionamento do controle de saúde”.

“Na mesma toada, foi excluída uma questão que falava sobre a proliferação de doenças. O item explicava que a hanseníase tende a se espalhar com facilidade em presídios no Brasil, devido à superlotação e às condições precárias em que vivem os presos. ‘Gera polêmica desnecessária em relação ao sistema penal’, disse a comissão”, informa a reportagem.

“Questões sobre escravidão, violência policial ou movimentos sociais foram parar na gaveta em 2019. Três questões que falavam de ‘conflitos sociais’ foram excluídas do Enem com a alegação de que faziam ‘leitura direcionada da história’ (essa justificativa foi usada para censurar 19 itens). Um item que falava sobre a abolição da escravatura e a ‘persistência das condições precárias dos pobres negros no Brasil’ foi excluída da prova porque, segundo a comissão, houve uma ‘descontextualização histórica do texto’. Uma outra questão que falava sobre segurança pública mencionava, em uma das alternativas de resposta, a violência da polícia na Bahia. Também foi censurada. ‘Ofensivo à força policial baiana’, explicou o trio de censores”, destaca. (Brasil247)