segunda-feira , 23 dezembro 2024
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Em artigo, Karla Jaime critica a intolerância que impera nas redes sociais

A jornalista Karla Jaime escreveu artigo em O Popular, desta quinta-feira, em que analisa a intolerância da galera das redes sociais. Veja a íntegra do artigo:

Intolerância

A afirmação recorrente é animadora. Vivemos em um mundo globalizado, com amplo acesso à informação e imediata interatividade. A opinião pública ganha assim aparato tecnológico para amplificar o contraditório, o que, em tese, enriquece as possibilidades de troca de pontos de vista e compreensão dos fenômenos. A prática, porém, não apenas desanima como assusta. O rolo compressor nas redes sociais é a face mais visível da intolerância neste que seria o reino da liberdade de expressão. Contraria-me e devoro-te. Decifrar? “Até daqui a pouco ou até nunca mais”, como na canção do Kid Abelha.

Para tentar compreender, decifrar, a premissa é observar, ouvir, estar disposto a ser surpreendido e ter convicções abaladas. Nada a ver, portanto, com a artilharia dos batalhões que entram em campo virtual em defesa de suas causas ou para combater o inimigo – alguém que tenha a ousadia de divergir dos que não aceitam opinião contrária e são avessos à autocrítica. O dogma pode ser literalmente religioso, mas também se disfarça em discurso politicamente correto ou de contestação do padrão dominante. No segundo caso, os autores – ou melhor seria, repetidores, porque ecoam idêntico mantra –, passam longe de constatar a incoerência que consiste em reforçar o que negam: afinal, não defendem o reconhecimento e o respeito à diversidade?

Dois aspectos sobressaem nesse efeito manada no mundo virtual com poder de determinar ganhos e perdas (quem já teve a honra atingida sabe a dimensão do dano). Efeito muitas vezes transposto para ações reais como instrumento de mobilização e transformação, com resultados positivos, mas que também podem se revelar nefastos pela ausência de reflexão.

Um deles, é a negação da crítica. Ser criticado não é nada fácil nem agradável, mas como evoluir sem passar pelo crivo do olhar alheio? É pelo olhar do outro que construimos nossa subjetividade. Ser suscetível constitui o humano, não há como escapar, apesar do medo que isso provoca, ao evocar a sempre temida rejeição. Desejamos reconhecimento, aplauso, no mínimo aceitação. Como admitir quem nos contesta? Exercitando a convivência, com humildade, bom humor e abertura ao novo, à diferença, que, ao questionar, pode acrescentar, transformar, sem colocar em risco a identidade. Certezas absolutas protegem, mas também limitam, e adeus à tal liberdade que serve de bandeira a tantos engajamentos.

O segundo aspecto é o da busca de respaldo pelo grupo, pela onda predominante. Mesmo argumentos frágeis ganham ressonância quando entoados por multidões. É preciso coragem para ser voz destoante do brado geral, ainda que o gesto heróico resulte quase inútil: quem grita só quer mesmo gritar. Não aguenta ouvir, refuta essa hipótese. Crê que já sabe, despreza a chance de aprender, se renovar. Assim, enquanto a gritaria marcha, insensível, a razão, a empatia e o diálogo quedam, massacrados.