Experimente buscar pela hashtag #Agnelo_Queiroz no Twitter. Surgirão dezenas de mensagens de apoiadores do governador petista do Distrito Federal. Por que um gestor questionado por sua atuação pífia e por ligações com infratores tem tanta popularidade na internet? Já Renan Calheiros (PMDB-AL), presidente do Senado, sabe que não reuniria muitos apoiadores se convocasse um protesto a seu favor. Mas, na rede, a opinião parece mais equilibrada. Uma simples busca pelo nome do peemedebista em caixas de comentários deixará a impressão de que o senador possui um heterogêneo e extenso grupo de apoio.
Desde que voltou ao comando do Congresso, em fevereiro, o senador Renan Calheiros tenta refazer sua imagem. O esforço passa por uma estratégia de guerrilha virtual. Na última sexta-feira, por exemplo, um deles tentava neutralizar os impactos da notícia de que os garçons de Renan recebem 18 000 reais por mês do Senado: “Eu sou garçom e sei que é possível ganhar uma grana dessa! Bom é o Renan Calheiros, que reconhece isso!”. A ocupação de espaços destinados aos leitores em portais jornalísticos também é parte essencial da estratégia.
O gabinete de Renan tem um histórico de parceria com P&P Inteligência de Marketing, do publicitário Wilmar Soares Bandeira. Ele é ex-secretário de Comunicação do governo de Alagoas e trabalhou na campanha eleitoral de Renan em 2010. A empresa recebeu 244 000 reais desde novembro de 2010. Wilmar tem uma justificativa um tanto suspeita: diz que sai pela internet produzindo comentários em nome de Renan simplesmente porque gosta do senador. E por que usar nomes falsos? “Eu gosto de fazer comentários; e às vezes você até dá um nome qualquer”, tenta explicar. O empresário afirma que não presta serviços a Renan desde setembro.
Outra pista importante: o gabinete do deputado Renan Filho (PMDB-AL), herdeiro do presidente do Senado, costuma fazer pagamentos à empresa Iny Marketing, que atua exatamente na divulgação em redes sociais: apresenta-se em seu site como parceira da P&P e promete a seus clientes “Fidelização e engajamento de seguidores no Twitter”. Cícero Gomes, dono da empresa, é alagoano de Murici, a terra natal dos Calheiros. Ele interage com vários dos perfis falsos que apoiam Renan no Twitter. Mas jura que nada tem a ver com a farsa: “O que eu faço é um trabalho de monitoramento”.
O time de militantes virtuais de Renan também inclui integrantes do Sindicato dos Guardas Civils de Alagoas e funcionários nomeados pelo senador para seu gabinete. É o caso de Luciano Camelo, que havia sido empossado por ato secreto, acabou exonerado e retornou com o cargo de motorista. Também atuam Dmitriv Ivanov Wanderley de Barros, Eucene Gomes Tenório Acioli e José Valderi Melo, todos lotados no escritório de Alagoas.
Tanto o senador Renan Calheiros quanto o deputado Renan Filho negaram que patrocinam a militância dos perfis falsos na internet. “Eu posso assegurar que o Cícero apenas faz o monitoramento das redes. Ele não cria perfis falsos”, afirma o deputado, que também justifica as conversas com usuários forjados. “Todo mundo que fala comigo, que elogia algum projeto, eu retuíto. É lógico que isso ajuda o meu trabalho. Eu não tenho como saber se as pessoas existem ou não.”
Agnelo – Outro político enrolado que recorre a estratégias questionáveis é o governador do Distrito Federal, Agnelo Queiroz (PT). O site de VEJA localizou cinquenta perfis falsos que funcionam apenas para divulgar o nome do governador no Twitter. A hashtag #Agnelo_Queiroz, usada pelos falsários, liga o nome do governador a notícias positivas e ajuda a reverter a imagem ruim do petista, alvo de várias denúncias de corrupção.
Ao contrário do que ocorre com os perfis ligados a Renan, a maior parte dos perfis fictícios de Agnelo funciona de forma automática, como se fossem robôs espalhando periodicamente notícias sobre o governador e criticando adversários. Entre os alvos, estão os senadores Cristovam Buarque (PDT-DF) e Rodrigo Rollemberg (PSB-DF) e o ex-deputado Alberto Fraga (DEM).
Alguns perfis, no entanto, se comportam de forma mais elaborada. A principal personagem da turma é uma certa Lúcia Pacci, que se identifica como jornalista e socióloga e informa trabalhar em uma empresa que na verdade não existe. Ela mantém um blog em que, protegida pelo anonimato, faz ataques virulentos a adversários políticos e à imprensa. O deputado Fernando Francischini chegou a registrar boletins de ocorrência depois de sofrer ameaças. “Eles eram comandados por uma pessoa que fazia defesa do governo. Cada vez que eu tuitava alguma coisa, todos eles ao mesmo tempo respondiam com mentiras deslavadas”, diz o parlamentar.
A foto que Lúcia Pacci usa para se identificar na verdade é da atriz francesa Laurence Février. Procurando por Lúcia, a Justiça do Distrito Federal chegou a entregar uma intimação à jornalista Daniela Novais, que escreve para um site local. Ela disse ter ficado surpresa: “Não faço ideia de quem ela seja”, diz Daniela.
Um dos seguidores de Lúcia Pacci e de outros perfis falsos pró-Agnelo é o publicitário e marqueteiro político Sérgio Diniz Vieira, que trabalhou na campanha de Agnelo. Ele interage com os amigos inexistentes e compartilha conteúdo espalhado por eles. Diniz, que afirma não manter vínculo empresarial ou empregatício com o governo, é presença frequente em eventos de Agnelo Queiroz. A mulher dele, Rosa Sarkis, exibe em seu histórico profissional um trabalho com o fotógrafo Júnior Takamoto – o mesmo que a fictícia Lúcia Pacci apontou como seu antigo emprego. Além disso, o perfil da blogueira aponta São Carlos (SP), como terra natal. O site que Sérgio e Rosa mantêm é hospedado em uma empresa de… São Carlos. Sérgio diz que é tudo coincidência.
Tucanos – O senador mineiro Aécio Neves (PSDB) trabalha para aumentar sua popularidade de olho na eleição presidencial do ano que vem. Com alguma frequência, a equipe de comunicação do PSDB nacional é incumbida de produzir materiais críticos ao governo Dilma Rousseff. O resultado do trabalho, entretanto, não é publicado em páginas oficiais do partido, nem nos perfis oficiais mantidos no Facebook e no Twitter: chega a uma rede de perfis que, nas redes sociais, podem confundir um observador desavisado. Mas, em bom português, são todos falsos.
Com objetivos diferentes, a militância virtual ganhou um exército de perfis forjados para ajudar na propagação da imagem que os políticos gostariam de alcançar. Eles buscam atingir diretamente o eleitorado ao mesmo tempo em que atacam os rivais: um resultado dificilmente conquistado não fossem as facilidades da internet. Esse serviço durante uma campanha eleitoral para deputado, por exemplo, sai por volta de 25 000 reais. No caso de governadores e presidentes, o valor é um pouco maior.
A prática existe desde que publicitários e marqueteiros perceberam o gigantesco potencial das redes sociais. Inicialmente, a mobilização espontânea de militantes demonstrou ser eficiente. O passo seguinte foi organizar apoiadores pagos para criar uma onda artificial na opinião pública. A prática de usar blogs e plataformas sociais para propaganda dissimulada tem até nome próprio: seeding marketing – o “seeding” vem do verbo em inglês “semear”.
O serviço prestado ao PSDB é sofisticado e inclui a criação de personagens virtuais que, apesar de existirem apenas na criativa imaginação de seus idealizadores, comportam-se como pessoas reais. O exército fictício de militantes mantém blogs e perfis nos sites Facebook, Twitter, Google+ e Youtube. Os perfis seguem um padrão: retratam pessoas jovens, de boa aparência e, claro, militantes de Aécio Neves. E, para atrair a confiança dos internautas, fazem comentários sobre esportes, cinema, variedades. Entre um post e outro, embutem um elogio ao senador ou uma crítica ao governo federal. Os publicitários acreditam que, dessa forma, podem conquistar o internauta.
O site de VEJA identificou alguns dos nomes por trás dos militantes falsos pró-Aécio. Um deles é Jorge Lopes Cançado, estudante de publicidade e diretor de Formação Política do PSDB mineiro. Ele se identifica como “analista de redes sociais”. É o mesmo cargo de Guilherme Parreiras, que também trabalha na manutenção dos perfis fictícios. Ambos moram em Belo Horizonte e trabalham na Brasil Comunicação. Ambos negaram qualquer ligação com a guerrilha virtual de Aécio – apesar dos indícios.
A empresa funciona em um escritório na Savassi, região central de Belo Horizonte. O dono da companhia é Zuza Nacif, publicitário ligado ao secretário-geral do PSDB, o deputado federal Rodrigo de Castro (PSDB-MG). Nacif é um nome já conhecido dentro do PSDB. Foi secretário de Comunicação de Lavras (MG) e atuou em campanhas de diversos tucanos, como a do atual governador de Minas Gerais, Antônio Anastasia. Hoje, com a ala mineira da sigla em evidência, ele tem influência no comando da comunicação social do partido.
O trabalho não se limita às redes sociais. Os analistas também monitoram notícias sobre Aécio Neves e deixam comentários favoráveis ao senador tucano. Para facilitar o trabalho, publicam mensagens idênticas em outros sites jornalísticos, o que demonstra que o objetivo é espalhar a falsa opinião e buscar convencer os leitores. Mas, na saga de atingir o maior número de pessoas, os próprios autores acabam se denunciando.
No dia 4 de março, Augusto Texeira, militante imaginário, escreveu um comentário em uma reportagem sobre o senador mineiro, cujo teor atacava “o populismo de Dilma no Nordeste”. Um comentário com expressões idênticas foi publicado no dia 3 de abril, dessa vez pelo publicitário Guilherme Parreiras. “Sou um muito simpatizante do Aécio e contra o PT. Sempre posto coisas relacionadas, leio muito sobre política e devo ter visto um comentário que achei bacana e copiei. Já fiz isso algumas vezes”, argumenta. Parreiras diz não se lembrar de onde conhece o militante-fantasma Augusto Texeira, que também é seu amigo no Facebook.
A assessoria de comunicação do PSDB afirma desconhecer a comunidade virtual (e falsa) pró-Aécio e acrescenta que o serviço jamais foi solicitado. A Brasil Comunicação também nega que este seja o serviço prestado pela empresa ao partido – embora admita manter um contrato com os tucanos.
Imagem – A criação de um exército de apoiadores fictícios compensa porque, além de relativamente barata, não oferece grandes riscos aos parlamentares e governantes. “Esses políticos estão buscando minimizar ou equilibrar as dosagens de intenções negativas que possam existir nesses ambientes contra a sua reputação”, diz Alexandre Atheniense, advogado especializado em direito digital. O jurista afirma que a prática não é crime, já que não está relacionada a alguém que já existe. “Mas é condenável”, reforça.
O pesquisador especialista em marketing político da ESPM Victor Trujillo ressalta os prejuízos que a prática pode trazer. “O nome do jogo hoje é transparência, honestidade. Os eleitores estão muito sensíveis. Se o candidato é desonesto já com uma coisa simples, isso diz tudo para o eleitor”, afirma Trujillo. “Essa é uma ação obsoleta, que não funciona e os resultados são contraproducentes do objetivo que se quer alcançar. Gera um desgaste perante a opinião pública.