O Brasil e o mundo estão estarrecidos com a onda de denúncias de mulheres sobre as práticas de abusos sexuais – muitas poderão vir a ser enquadradas como crimes de estupro – contra o médium João de Deus. Os 10 depoimentos publicados pelo jornal O Globo e pelo programa Conversa com Bial, da TV Globo, se multiplicaram em questão de horas e número de denúncias chega perto dos 300 casos.
Os depoimentos revelam que a prática seria recorrente e antiga, e a pergunta que fica é: Por que a imprensa de Goiás jamais farejou os casos de abuso que estavam debaixo do nariz de seus “repórteres” e sequer pesquisou a folha policial e judicial de João de Deus, onde encontrariam alguns casos já registrados?
O jornal O Popular, para citar apenas um exemplo, demorou a entrar no caso, diminuindo e desmerecendo as denúncias, todas gravíssimas e assustadoras, como se não “acreditasse” nos momentos de puro desespero e violência vivido pelas mulheres que se apresentaram espontaneamente como vítimas de João de Deus.
Como jornalismo não se pauta por crença, mas pela dúvida permanente, a imprensa nacional cumpre o papel do bom e necessário jornalismo investigativo, em toda parte.
O bom jornalismo é resultado da tenacidade do jornalistas em duvidarem do discurso formal, da aparência e do visível. Mergulha em águas profundas e turvas, buscando a verdade e levando a luz para a escuridão. O jornalismo do Globo e da TV Globo mostra que há muito a ser revelado para além da política, que virou uma espécie de obsessão nas redações.
Em Goiás, e mesmo no Brasil, pelo menos até agora, os “milagres” de João de Deus nunca foram submetidos às perguntas básicas da mais simples investigação jornalística. A ciência é a régua do jornalismo, que tem método e se sustenta em informação factível, aferível. Confirmados os casos de abuso, eles comprovarão que enquanto a plateia é distraída pelo espetáculo da judicialização da política – necessária, mas quem vem pecando muitas vezes para se manter viva no noticiário à custa de factoides – atrocidades inomináveis estão acontecendo atrás de portas que o jornalismo deveria abrir, mas não quer.