O Ministério Público do Estado de Goiás (MP-GO), por intermédio da 50ª Promotoria de Justiça de Goiânia, ingressou com ação civil pública declaratória de nulidade de ato administrativo contra o Estado de Goiás e o Grupo JBS, com pedidos de declaração de inconstitucionalidade da Lei Complementar nº 160/2017 e do Convênio ICMS 190/2017, bem como de ressarcimento ao erário contra o Grupo JBS. Na ação, é pedida a indisponibilidade de mais de R$ 949 milhões de quatro empresas filiais do grupo, a título de tutela provisória de evidência (não exige demonstração do perigo de dano – periculum in mora –, baseando-se unicamente na Evidência, isto é, na demonstração documental).
De acordo com a promotora de Justiça Leila Maria de Oliveira, que assina a ação, em 2014 o Estado de Goiás concedeu a quatro empresas filiais do Grupo JBS benefício fiscal no valor de R$ 949.104.111,06, em evidente caráter imoral e desproporcional. Para tanto, editou a Lei Estadual nº 18.459/2014, que ficou conhecida por Programa Regulariza, cuja redação foi posteriormente alterada pela Lei nº 18.709/2014. No mesmo ano, o Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz) editou o Convênio ICMS 26, autorizando o Estado de Goiás a dispensar ou reduzir juros, multas e demais acréscimos legais, além de conceder parcelamento do débito do ICMS.
O benefício foi concedido em ano eleitoral, além de ter provocado grande impacto negativo aos cofres do Estado, explica a promotora de Justiça. Segundo Leila Maria, a Lei 18.709/14, que alterou a redação do Programa Regulariza, teve vigência por apenas oito dias – de 22 a 29 de dezembro de 2014, tendo a promulgação da Lei estadual nº 18.709/2014 sido direcionada para, num momento de recesso dos órgãos públicos de controle, beneficiar, de maneira ilícita, as empresas requeridas.
Em destaque, pontuou que a Lei nº 18.709/14, em seu artigo 6-A, concedeu redução da multa, dos juros e da correção monetária em 100%, desde que fosse realizado o pagamento à vista e em moeda, de no mínimo, 40% de todos os créditos tributários de ICMS constituídos em nome da empresa devedora. Na ação, a promotora de Justiça ressalta que o Regulariza teve a adesão de 1.021 empresas, que possuíam, ao todo, R$ 1,7 bilhão em dívidas de ICMS. O desconto, para todas, atingiu R$ 1,3 bilhão, reduzindo o montante do débito para R$ 400 milhões.
A fim de ressaltar a desproporcionalidade e exorbitância do benefício concedido às quatro filiais do Grupo JBS, apontou que, apesar de as empresas terem débito de R$ 1.275.794.151,39, obtiveram redução de R$ 949.104.111,06, o que, segundo enfatizou, correspondeu a 73% (setenta e três por cento) do total do valor das dívidas amortizadas em razão do Regulariza. “O objeto da presente ação é o exorbitante e desproporcional benefício concedido às filiais de uma das empresas líderes globais da indústria de alimentos. Ou seja, é de conhecimento público que as empresas detêm grande poder econômico e que o desconto bilionário a elas concedido prejudicou sobremaneira o erário estadual”, escreveu a promotora de Justiça. Segundo ela, é preciso lembrar que o Estado de Goiás vive, desde 2010, um cenário de crise econômica, com dificuldades, por exemplo, relativas ao pagamento dos salários dos servidores públicos e à contratação de empréstimos.
Em relação à inconstitucionalidade da Lei nacional nº 160/2017 e do Convênio 190/2017, o MP-GO entende que referidos atos normativos não são aptos a sanar os vícios de inconstitucionalidade da Lei nº 18.709/2014, especialmente seu artigo 6º-A. Considerando que a remissão e a anistia de créditos tributários concedidos pelo Estado de Goiás foram feitas em desacordo com as regras constitucionais e que, segundo pacífica orientação dos Tribunais Superiores, não se admite no ordenamento jurídico brasileiro a constitucionalidade superveniente, o MP-GO requereu a declaração de inconstitucionalidade das normativas.
Ainda, especificamente em relação ao pedido de declaração de nulidade dos atos administrativos que concederam benefício fiscal às quatro filiais do Grupo JBS, entende a promotora de Justiça estar o art. 6º-A da Lei nº 18.459/2014, acrescentado pela Lei nº 18.709/2014, também eivado de nulidade, uma vez que editado em desconformidade com o Convênio ICMS 26/2014. Isso porque, apesar de a redação do convênio permitir somente a redução e/ou a dispensa de juros, multa e demais acréscimos legais, o dispositivo legal autoriza que seja reduzida a correção monetária dos créditos tributários de ICMS constituídos no nome da empresa, a qual, segundo ressaltou, trata-se de mera recomposição patrimonial e não poderia ter sido dispensada.
Além da renúncia de receita mediante anistia tributária, evidenciada na petição e considerada ilegal e inconstitucional, o MP-GO entende que também houve ilegalidade ao conceder benefício fiscal em ano eleitoral e ao incorrerem, as requeridas, em crime contra a ordem tributária, o que levaria à sua inabilitação para obter o benefício da anistia concedida pela Lei 18.709/2014. (Texto: João Carlos de Faria – Assessoria de Comunicação Social do MP-GO)