“Os estudantes da Universidade da Flórida não conseguem saber como estão sendo protegidos da covid-19 pela instituição.
A universidade está escondendo seu plano de resposta a emergências sob uma brecha legal que visa impedir que terroristas e nações inimigas –e não vírus– explorem as fraquezas do governo.
À medida em que a disseminação do coronavírus se acelerou nas últimas semanas, autoridades locais, estaduais e federais dos Estados Unidos bloquearam informações do público. Eis alguns exemplos:
- no Texas, a cidade de Palestine proibiu 1 repórter de participar de uma reunião do conselho da cidade, em 23 de março. Havia menos de 10 pessoas na sala–limite permitido. Também não autorizou que o público ouvisse a reunião por meio de 1 número de telefone gratuito, conforme exigido por lei estadual;
- o Conselho do Distrito de Columbia (Washington) decidiu em 19 de março que os funcionários do distrito não precisam mais responder prontamente às solicitações de registros públicos;
- o FBI não envia mais informações on-line ou por e-mail devido à pandemia. Se alguém quiser informações, deve enviar sua solicitação pelo correio;
- em todo o país, jornalistas estão sendo impedidos de conversar com funcionários de hospitais públicos e outros locais que atendem os infectados. Com os administradores limitando o acesso aos hospitais, os jornalistas não conseguem dizer ao público o que está acontecendo.
SEMANA NEBULOSA?
E isso é só nos Estados Unidos. As Filipinas ameaçam os jornalistas com pena de prisão por espalharem notícias falsas sobre o coronavírus, e o Comitê de Proteção a Jornalistas está monitorando as prisões de repórteres na Venezuela, Níger, Índia e outros países.
Ironicamente, a maioria desses casos de repressão de informações começou em meados de março, durante a Sunshine Week –época em que organizações de notícias e outras promovem os direitos dos cidadãos de acessar informações do governo.
Algumas agências afirmam que responder a solicitações de informações não é uma função essencial. Pesquisas sugerem que o acesso às informações do governo é realmente essencial para a nossa saúde e bem-estar. A abertura de informações do governo leva a água potável mais limpa, alimentos mais seguros para restaurantes, menos corrupção e mais confiança no governo.
James Hamilton, economista de Stanford, descobriu que para cada US$ 1 gasto pelas organizações de notícias em relatórios investigativos baseados em registros públicos, o público obtém US$ 287 em benefícios. O livre fluxo de informações contribui para uma sociedade e uma economia melhores. É 1 retorno positivo do investimento
De fato, as empresas usam a informação pública mais do que qualquer 1 –estudos mostraram que, em algumas agências federais, 3/4 das solicitações da Lei da Liberdade de Informação são submetidas por interesses comerciais. Manter 1 fluxo livre de informações realmente melhora a máquina econômica do país –o que poderia ser mais importante do que nunca, dado seu estado atual.
A CRISE COMO OPORTUNIDADE
A suspensão recente de informações lembra as ações tomadas imediatamente depois dos ataques terroristas de 11 de setembro de 2001, quando os governos ocultaram registros que mostravam as condições degradadas de pontes e represas norte-americanas.
Em vez de limitar as informações públicas, no entanto, as agências podem usar essa crise como uma oportunidade de levar a governança para 1 nível adiante –tornando o governo ainda mais acessível ao público.
Mais de 130 organizações sem fins lucrativos de 1 amplo espectro de indústrias e persuasões políticas emitiram uma declaração, em 20 de março, na qual pediam uma resposta que atenda ao interesse público. “Pedimos veementemente às agências governamentais que se comprometam com seu dever de incluir o público no processo de elaboração de políticas, incluindo as relacionadas à covid-19, bem como as funções rotineiras da governança”, escreveram as organizações.
A National Freedom of Information Coalition, uma organização sem fins lucrativos que fornece educação e pesquisa para os cidadãos na aquisição de informações do governo, organizou a declaração. Atuo como presidente da coalizão, testemunhei várias vezes no Congresso sobre a Lei da Liberdade de Informação, dou aulas sobre o tema e publico pesquisas sobre a qualidade do acesso a informações nos Estados Unidos.
Eis algumas das recomendações:
- adie as decisões comerciais não essenciais do governo até que a pandemia diminua, quando o público possa novamente se envolver totalmente;
- transmita as decisões necessárias em reuniões on-line ao vivo, acessíveis a todos, incluindo oportunidade para perguntas do público. Grave as reuniões e as publique para que as pessoas possam visualizá-las mais tarde;
- não conduza interesses públicos por canais privados, como mídias sociais, mensagens de texto e chamadas telefônicas. (Isso é válido sempre, mas especialmente agora.) Todas as comunicações oficiais devem ser preservadas e tornadas acessíveis ao público on-line;
- publique documentos e dados on-line normalmente, para que as pessoas não precisem solicitá-lo e os funcionários do governo não tenham que recuperá-los e divulgá-los;
- os funcionários podem proporcionar aos jornalistas maior acesso a hospitais e outras instalações de saúde, aplicando precauções de segurança e protegendo a privacidade das vítimas.
Os esforços para tornar o governo mais acessível agora podem resultar em melhorias permanentes no futuro, para melhor atender os cidadãos que estão em casa ou muito ocupados com o trabalho e a educação dos filhos para participar de uma reunião do governo local. Às vezes, é preciso uma crise para se unir e avançar, enquanto cidadãos e governo trabalhando juntos, totalmente engajados e bem informados.
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*David Cuillier é professor associado de jornalismo na Universidade do Arizona e presidente da Coalizão Nacional de Liberdade de Informação. Este artigo foi republicado do site The Conversation sob uma licença Creative Commons.”
- O texto foi traduzido por Ighor Nóbrega (link).