Em artigo publicado na edição de quinta-feira do Diário da Manhã, o jornalista Helvécio Cardoso afirma que populismo contaminou o debate sobre Segurança Pública nas eleições deste ano. Helvécio afirma que os dois favoritos na disputa, Iris Rezende (PMDB) e Delegado Waldir (PR), iludem o eleitor com uma promessa que não podem cumprir: a de acabar com a violência em Goiânia.
O jornalista afirma que Iris está há dois anos preparando-se para concorrer ao cargo de prefeito, mas que até agora não tem proposta alguma para Segurança na Capital. E que prometer acabar com o que chama de “caos” na cidade é uma promessa tão irreal quanto foi a de consertar o transporte coletivo em seis meses, que ele fez na eleição de 2004.
Helvécio critica a ideia de Waldir de transformar a Guarda Municipal em uma espécie de superpolícia: “Um equívoco. O papel institucional da Guarda Metropolitana é proteger prédios públicos e certos logradouros. É um corpo de vigilantes, não um destacamento de dragões do intendente”.
Enquanto Iris e Waldir falam pelos cotovelos no debate sobre Segurança, completa o jornalista, questões cruciais sobre transporte coletivo, saúde, educação e trânsito estão ficando de lado.
Confira o artigo na íntegra:
Segurança pública e eleições
Há uma conceitual diferença entre populismo e demagogia. O populismo, prática fundada por Péron, é a relação imediata do governante com as massas, passando ao largo das instituições de mediação política, como os partidos e os movimentos populares. Já o demagogo é o que fala pelos cotovelos, dispensa a si próprio de provar o que afirma, promete coisas implausíveis e arroga-se o direito de ofender quem quer que seja. O demagogo é a leviandade em estado puro. O demagogo é o pescador de águas turvas. Espalha dor para vender alívio. Dissemina medo para vender segurança. Há populistas e populistas que são, ademais, demagogos. Collor de Mello, quando presidente, foi populista, mas não fazia demagogia. Cometeu erros, mas não foi leviano. Lula é populista, mas governou direito, apesar de estar sob acusações terríveis, feitas em geral por demagogos.
Nesta campanha eleitoral que começa, a demagogia já vai mostrando a cara. A segurança pública está posta como tema principal do debate eleitoral. Posta demagogicamente. Os candidatos líderes das intenções de votos, Iris e Valdir, já levantaram a bandeira. Embora não seja competência da prefeitura assegurar a paz das ruas e garantir a ordem pública, estes dois candidatos vão se apresentar como campeões da luta contra a delinquência.
Iris foi buscar para ser seu vice prefeito o Major Araújo. Trata-se de um parlamentar atuante, embora às vezes confuso e um tanto incoerente. É um homem sofrido, homem de bem, ninguém pode negar. Desconheço fatos que o desabonem moralmente. Mas ser um oficial da PM não faz dele o portador da solução definitiva para o problema da criminalidade. Waldir é um rapaz bem-intencionado, mas ter sido delegado não faz dele um expert em segurança pública. Ainda que fizesse, como expert ele deveria saber que prefeitos não protagonizam a luta contra a bandidagem. Cabe ao governo estadual lidar com criminosos, inibir a atuação destes, reprimi-los e puni-los.
Iris já deu o tom do seu discurso a respeito do tema. Já disse que a segurança está “um caos” e que o povo “vive amedrontado”. Originalidade não é o forte de Iris. Há dois anos, ele usava o mesmo chavão para definir o governo de Marconi: “É o caos”. Apesar de ser um homem vivido, razoavelmente instruído, bacharel em Direito, advogado criminalista, Iris padece de uma grave deficiência: é incapaz de encontrar qualidades positivas em um adversário, normalmente encarado por ele como inimigo.
Dizer que a segurança está “um caos” não é apenas um reducionismo revoltante. É uma falsidade abjeta. Iris teria fatos incontroversos para testemunhar a favor desta tese? Não tem. Que argumentos apresenta para demonstrar a existência deste caos? Nenhum, exceto sua palavra, que ele julga ter, por si só, autoridade suficiente para gerar convicção em toda gente. Quando Iris propõe a volta dos mutirões, pode estar sendo apenas populista; quando, porém, afirma que a segurança está um caos, está sendo positivamente demagogo.
Se a segurança está mesmo um caos – vamos admitir ad agumentandum –, caberia a ele, como candidato, expor o seu plano para chamá-la à ordem. E o que ele propõe? Ainda não sabemos. Apesar de estar há dois anos se preparando para disputar a prefeitura, ainda não traçou sequer as diretrizes de um programa mínimo para a segurança pública, se fosse factível a prefeitura atuar em segurança pública. A verdade é que Iris não tem proposta alguma.
Mas ele sempre poderá invocar seu passado de gestor autoproclamado eficiente e tranquilizar o eleitorado na base do “deixa comigo que eu resolvo”. Já vimos este filme. Na campanha de 2004, Iris garantiu, em debate televisivo, que em seis meses resolveria o problema do transporte coletivo de Goiânia, que é gravíssimo, porque cronicamente deficiente. Promessa vã. Nada resolveu. O transporte coletivo de Goiânia continua tão ruim como sempre foi.
Iris limitou-se a fazer uma licitação fajuta para legalizar o que era ilegal e institucionalizar o papel do Setransp na formulação e execução da política de transporte coletivo urbano, onde o que menos conta é o direito do usuário. Este precedente nos autoriza presumir que Iris acabará prometendo livrar Goiânia da bandidagem em 6 meses.
Repita-se: em reduzindo ao caos o problema da segurança em Goiânia, Iris falta com a verdade. Seria bom para todos se ele, do alto do seu saber e da sua experiência, colocasse uma crítica racional, sóbria e fundamentada à política estadual de segurança. Que ele apontasse o que está de errado e o que pode ser feito para corrigir as falhas. Uma oposição séria, verdadeiramente patriótica e imbuída de elevado espírito público, faria exatamente isto. Optando pela demagogia rancorosa, ele presta desserviço à sociedade, demonstra total ausência de civismo.
O governo de Marconi não é perfeito, claro. Há nele coisas criticáveis tanto quanto as elogiáveis. Mas ninguém pode negar que este governo não é omisso e que está agindo. A nomeação de José Eliton para a pasta da Segurança Pública é prova disso. José Eliton vem atuando intensamente para superar as dificuldades, que não foram criadas por ele. Trabalha incansavelmente para solucionar problemas. O governo está agindo, fazendo acontecer. As polícias e os órgãos de inteligência se desdobram no combate à criminalidade. Todo este esforço tem como efeito a melhoria dos índices relacionados ao controle da violência. Se quisesse, poderia, mas não vou aqui desfiar séries estatísticas demonstrando que, a partir de José Eliton, as forças policiais passaram a atuar de forma mais eficiente. Não é esta a questão.
O problema está em que Iris, mesmo afrontado por evidências que berram, prefere o cômodo e demagógico niilismo de sempre à reflexão equilibrada que diferencia o estadista do fanfarrão de esquina. Nele, a imensa vaidade, como uma negra sombra pungueada, não permite que reconheça algo de positivo no governo de seu adversário. Tem sido assim. Para ele, o governo de Ary Valadão não prestou, apesar das inúmeras realizações e das ações desenvolvimentistas que aí estão. O governo de Mauro também não valeu nada, tanto que Iris, ao assumir em 83 seu primeiro governo estadual, desmantelou o que ainda sobrara do plano MB, um plano arrojado que nem os governadores do ciclo ditatorial conseguiram destruir.
De Santillo, então, nem se fala. Henrique Santillo governou em meio a dificuldades tremendas, enfrentou embaraços criados por Iris, sofreu calado a sabotagem interna do irismo, e teve por fim sua obra administrativa impiedosamente vilipendiada pelo todo poderoso do PMDB, ele, o sr. Iris Rezende. Ainda hoje Iris e os peemedebistas se comprazem na abjeção de denegrir a pessoa de Santillo e desmerecer a obra dele. Consequência: o PMDB foi varrido do mapa eleitoral de Anápolis, terra de Santillo. Iris não se elege mais governador porque o povo anapolino, que nunca aceitou as ofensas de Iris a Santillo, nega-lhe ostensivamente o voto. Assim como foi extinto em Anápolis, o PMDB sairá destas eleições extintas na maioria das cidades importantes de Goiás.
Acredito até que Iris possa vir a ser eleito prefeito de Goiânia. Ele é favorito, lidera as pesquisas. Mas o que faz dele um forte candidato é a inexistência de adversários à altura. Neste momento, o único que parece ameaçá-lo é o delegado Valdir. Mas até mesmo ele tem suas falhas e suas deficiências como candidato. É um homem carismático, tem forte identificação com as massas, mas é politicamente inábil, como prova o recente episódio do impedimento do Dr. Calil como seu companheiro de chapa. O fato de ser populista não o desmerece, mas ele pode estar a um passo da demagogia. Corre o risco de se precipitar neste abismo caso se deixe levar pela vaidade e pela presunção. Muita gente boa se perdeu por não saber lutar contra suas sombras negras.
Para a segurança pública, Valdir tem uma proposta: fazer da guarda metropolitana uma espécie de superpolícia. É um equívoco. O papel institucional das guardas civis municipais é proteger os prédios públicos e certos logradouros. É um corpo de vigilantes, não um destacamento de dragões do intendente. Bem armada, mas mal orientada, esta guarda, em cujos membros se inculcam a falsa noção de que são autoridades policiais, pode acabar virando muito mais um fator de perturbação da ordem do que numa força auxiliar das organizações de segurança pública constituídas na forma da lei.
Enquanto os candidatos priorizam um tema que não de competência da municipalidade, questões cruciais vão caindo na irrelevância. Transporte coletivo, saúde, educação, trânsito, urbanização, cultura – enfim, aquilo que afeta diretamente aos munícipes e constitui responsabilidade dos municípios vai sendo adiado para quando Deus mandar bom tempo.
Helvécio Cardoso, jornalista