sexta-feira , 26 abril 2024
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Tribuna do Planalto: partidos de oposição pisam na ideologia ao buscar filiados sem perfil da legenda

Júnior Friboi deixou de ser socialista e deixou o PSB, que já não combinava com ele, e foi para o PMDB.

O empresário Vanderlan Cardoso virou socialista da noite para o dia e filiou-se ao PSB.

O ruralista e direitista Ronaldo Caiado anuncia que vai apoiar Eduardo Campos, do PSB, à presidência da República.

Alcides Rodrigues e Sérgio Caiado, ex-arenista, pode acabar no PDT de Leonel Brizola.

Aonde vai parar esta salada ideológica em Goiás?

O fato é que o oportunismo eleitoral anda falando mais alto do que as ideias e programas partidários.

O jornal Tribuna do Planalto fez reportagem a respeito. Confira:

 

Partidos deixam ideologia de lado

Mudanças no cenário político goiano colocam em xeque perfil ideológico dos partidos, que se afastam de seus princípios ao filiar novas lideranças

Daniel Gondim – Repórter de Política

A proximidade das eleições estaduais provoca mudanças no cenário político goiano. Em 2013, porém, o que tem chamado a atenção é a quebra de paradigmas de partidos e lideranças políticas, que tem procurado filiar novos quadros, sem se importar com o perfil ideológico.

Recentemente, as mudanças de partido do empresário Júnior do Friboi (PMDB) e do ex-prefeito de Senador Canedo, Vanderlan Cardoso (PSB), reacenderam esse debate. O primeiro foi para o PMDB e já tem quatro partidos no currículo de diferentes ideologias, mesmo sem ter disputado nenhuma eleição. Já o segundo se filiou ao PSB, sigla historicamente ligada ao movimento de esquerda, contrastando com o perfil mais conservador do candidato ao governo em 2010.

Outros casos também po¬dem ser citados. O deputado federal Ronaldo Caiado (DEM), cuja trajetória política sempre foi ligada à defesa do segmento ruralista, sinaliza com uma aliança com o PSB. O ex-governador Alcides Rodrigues e o ex-secretário de Infraestrutura Sérgio Caiado, ambos do PP, herdeiro da Arena, principal partido de sustentação do regime militar podem migrar para o PDT, que tem ideologia trabalhista e raízes esquerdistas.

A falta de coerência nas filiações, porém, não impressiona cientistas políticos ouvidos pela Tribuna, que destacam o caráter pragmático da política goiana e brasileira. “Cobrar ideologia de um partido no Brasil hoje é fictício. Quando alguém busca um partido para se filiar, não procura mais um no qual ela identifique seus valores, mas só qual partido vai dar mais chances de ser eleito”, questiona o cientista político e Pró-Reitor de Pós-Graduação, Pesquisa, Extensão e Ação Comunitária da Unievan¬géli¬ca, Itami Campos.

“Há um pragmatismo dos políticos, mas também dos eleitores, que absorvem essas mudanças sem sofrimento. O que conta não é a ideologia do partido, mas qual projeto o candidato vai defender”, explica o cientista político e professor da Universidade Fede¬ral de Goiás (UFG), Pedro Célio Alves Borges.

Perfil

Dos casos citados, os de Vanderlan e Júnior possuem semelhanças. Os dois são empresários bem sucedidos, que entraram recentemente na política. Cardoso disputou sua primeira eleição em 2004, quando foi eleito para a prefeitura de Senador Canedo, enquanto Júnior se filiou ao primeiro partido político em 2005. Sem um perfil político “profissional”, ambos acabaram flertando com várias ideologias ao longo das respectivas carreiras, motivados apenas pela vontade de ser governador do Estado.

Eleito pelo PR, que tem um perfil mais conservador, Vanderlan chegou a disputar o governo pela sigla em 2010. Um ano depois, mudou para o PMDB, de onde saiu em 2012. Imedia¬tamente, começou a flertar com o PSC, sigla ligada ao segmento evangélico e também mais identificada com a direita, na qual Vanderlan tem grande influência. A mulher do empresário, Izaura Cardoso, é vice-presidente da sigla no Estado. No entanto, mudanças conjunturais acabaram o levando para o PSB, partido que tem raízes socialistas e chegou a ser extinto durante a ditadura.

A trajetória de Friboi é ainda mais errante, já que, inicialmente, ele esteve alinhado com a base aliada do governador Marconi Perillo (PSDB). Em 2005, ele filiou-se ao PSDB, mas, quatro anos de¬pois, migrou para o PTB, sendo cotado até para ser vice do tucano na eleição. Descontente com o fracasso nas negociações, migrou para o PSB, de onde saiu para o PMDB no último dia 15 de maio.

Uma das grandes críticas sofridas por Júnior é justamente a falta de um discurso político. Os entusiastas da candidatura de Friboi defendem que a experiência dele como empresário é importante para trazer visão empreendedora ao Estado. Por outro lado, há quem critique justamente o fato dele já ter sido aliado do governador.

Internamente, o passado recente de Júnior como aliado do governador incomoda algumas lideranças tradicionais. Para elas, o PMDB tem trajetória de oposição, já que é originário do Movimento Demo¬crático Brasileiro (MDB), que lutou pela redemocratização no Brasil.

Além disso, a falta de lastro político de Júnior também origina críticas a ele. “O Júnior está procurando quem vai dar uma carta de candidato para ele e para isso está comprando todo mundo”, argumenta Itami.

Aproximação

Se a trajetória de Júnior e Vanderlan pode ser explicada pelo fato de ambos não serem políticos “profissionais”, a aproximação do deputado federal Ronaldo Caiado com o PSB provoca surpresa, assim como a possibilidade de filiação de Sérgio Caiado e Alcides Rodrigues ao PDT.

Alcides e Sérgio, por exemplo, são políticos com origens na União Democrática Nacional (UDN), fundada em 1947 e que, depois do golpe de 1964, deu origem à Arena, o partido de sustentação do regime militar. Ronaldo Caiado também é originário da Arena, que, após o fim da ditadura, se dividiu em duas siglas. Mais tarde, a divisão levaria à criação do PFL, atual DEM, e do PP.

Por causa disso, a aproximação do democrata com o PSB causa estranheza. “Mi¬guel Arraes deve estar revirando no túmulo”, critica Itami Campos, referindo-se ao ex-governador de Pernambuco, falecido em 2005 e que é um dos principais ícones do PSB. O atual chefe do Executivo per¬nambucano é neto de Arraes.

Além disso, há quem avalie que Ronaldo Caiado pode perder espaço até mesmo dentro das próprias bases eleitorais, que são tradicionalmente identificadas com o pensamento mais conservador. Em 1990, o democrata, então no PSD (extinto logo depois), chegou a ser candidato à presidência para defender os interesses ruralistas.

O principal adversário de Caiado na eleição foi o PT, que tinha como candidato Luís Inácio Lula da Silva. No segundo turno, o democrata declarou apoio a Fernando Collor. Até hoje, por exemplo, o deputado federal é adversário ferrenho das administrações petistas.

No caso de Sérgio e Alcides, a filiação ao PDT ainda não é certa. Sem espaço no PP por causa das disputas políticas na eleição de 2010, a dupla estaria ensaiando uma volta ao cenário político. Devido a proximidade com a deputada federal Flávia Morais (PDT) e seu marido, George Morais, presidente estadual do PDT, o ex-governador poderia se tornar pedetista, contrariando os princípios do fundador da sigla, o ex-governador do Rio de Janeiro e do Rio Grande do Sul, Leonel Brizola.

A tradição trabalhista e socialista do PDT é tão grande que, atualmente, a sigla é a única no Brasil a integrar a Internacional Socialista, organização mundial que abriga partidos com inspiração socialista.
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Lideranças e suas contradições ideológicas

Júnior do Friboi (PMDB)

O mais novo peemedebista construiu uma trajetória política sem se importar com ideologias. Em 2005, filiou-se ao PSDB. Depois, em 2009, entrou para o PTB, chegando a ser especulado para ser vice do governador Marconi Perillo em 2010. Em conflito com o tucano, migrou para o PSB em 2011, de onde saiu para o PMDB, em maio desse ano.
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Ronaldo Caiado (DEM)

O deputado federal é sempre identificado com o segmento ruralista. Por isso, em 1990, foi candidato à presidência para defender a União Democrática Ruralista (UDR) e combateu a candidatura do PT de Luís Inácio Lula da Silva. Em 2013, porém, o democrata ensaia aproximação com a esquerda ao estabelecer uma aliança com o PSB.
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Vanderlan Cardoso (PSB)

O ex-prefeito de Senador Canedo começou sua trajetória política no PR, no qual disputou o Palácio das Esmeraldas em 2010. Um ano depois, migrou para o PMDB, de onde saiu em 2012. Sem partido, flertou por muito tempo com o PSC, sigla na qual mantém influência. No início do mês, porém, filiou-se ao PSB, partido historicamente ligado ao socialismo.
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Alcides Rodrigues (PP)

Ex-governador de Goiás entre 2006 e 2010, o pepista tem em sua trajetória ligação com a antiga UDN, que originou a Arena, partido de sustentação do regime militar brasileiro. Sem espaço no PP, Alcides é especulado para migrar para o PDT, partido com forte influência na classe trabalhista e tendência esquerdista.
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Cientistas divergem quanto à influência

Embora sejam unânimes em afirmar que os partidos políticos brasileiros não são mais pautados pela ideologia, os cientistas políticos ouvidos pela Tribuna têm opiniões diferentes sobre a influência disso no eleitorado.

“O eleitor está acostumado com essas mudanças. Há uma compreensão de que é da estrutura, faz parte do processo. A estrutura política bra¬sileira não é fundamentada em critérios ideológicos”, explica Pedro Célio Alves Borges.

Já Itami Campos argumenta que a falta de perfil altera o modo de o eleitor ver a política. “É algo a se lamentar o fato de as siglas terem ficado burocráticas, preocupadas apenas com o viés eleitoreiro. O eleitor se sente totalmente desalentado com o panorama partidário brasileiro”, garante.

Quem também mostrou-se incomodado com os partidos políticos brasileiros foi o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Joaquim Barbosa. “Nós temos partidos de mentirinha. Nós não nos identificamos com os partidos que nos representam no Congresso, a não ser em casos excepcionais. Eu diria que o grosso dos brasileiros não vê consistência ideológica e programática em nenhum dos partidos”, afirmou ele na segunda-feira, 20, em uma palestra ministrada em uma faculdade de Brasília.

Em seu discurso, Barbosa afirmou ainda que as siglas “querem o poder pelo poder”. “Esta é uma das gran-des deficiências, a razão pela qual o Congresso brasileiro se notabiliza pela sua ineficiência, pela sua incapacidade de deliberar”, arrematou. (D.G.)