O Jornal Opção deste domingo, 13, destaca que as polícias de Goiás estão entre as mais bem pagas do país, superando as polícias de vários Estados, como o Rio de Janeiro. “Semear pânico e produzir ameaças nas redes sociais são sinais de que alguns policiais de Goiás não entenderam que na democracia ninguém está acima das leis e há indícios de que já se esqueceram da história recente do Estado”, opina o editorial. Confira.
“Editorial
Policiais estão mais contra a sociedade do que contra
o governo quando paralisam atividades
Semear pânico e produzir ameaças nas redes sociais são sinais de que alguns policiais de Goiás não entenderam que na democracia ninguém está acima das leis e há indícios de que já se esqueceram da história recente do Estado
A ditadura civil-militar instalada no Brasil em 1964 e extinta em 1985 fez um mal enorme às polícias e às Forças Armadas. Tanto que, mesmo com 30 anos de democracia, policiais e militares ainda são vistos por alguns setores da sociedade, notadamente os de esquerda, como se fossem monstruosos. Às vezes tomam-se as instituições por aquilo que fazem ou deixam de fazer ovelhas desgarradas. Aqueles que avaliam instituições pelos extremos — e não pela média — quase sempre deixam de compreendê-las e, assim, acabam por reforçar e vulgarizar preconceitos. As sociedades democráticas, em todos os países, não prescindem de polícias e forças armadas. Portanto, no mais das vezes, é preciso atribuir responsabilidades por falhas não às instituições em si — o que frequentemente pode representar uma injustiça —, e sim a grupos ou a indivíduos isolados. As polícias de Goiás — a Civil e a Militar — têm um histórico positivo. Há problemas, é certo. Entretanto, na média, são apontadas como de excelente nível — modernas, competentes e decentes. Há quem diga que a prisão do serial killer Tiago Henrique Gomes da Rocha demorou e, por isso, várias pessoas foram assassinadas. As mortes, todas elas, são lamentáveis e as famílias que perderam seus entes queridos têm o direito de reclamar. Mas é preciso ressaltar que a investigação que levou à detenção do assassino sugere uma polícia que, tecnicamente avançada, não precisou usar “técnicas” arcaicas “técnicas”, como a tortura. Usou-se a ciência — recursos tecnológicos — para localizá-lo e prendê-lo. Os policiais cumpriram as leis, elaboraram inquéritos e, deste modo, a Justiça pode julgá-lo a partir de informações irretorquíveis, portanto, confiáveis.
Exatamente pelo motivo de que as polícias de Goiás têm excelente nível e são comprometidas com a sua sociedade — com sua proteção — é que se tem de lamentar atos acontecidos recentemente e que continuam reverberando nas ruas e, sobretudo, nas redes sociais. A Operação Produtividade Zero, articulada pelo Comitê Integrado de Representação das Entidades de Segurança, sugere que, se Polícia Civil como um todo merece louvores, há setores que, desgarrados e fora de controle, lembram, aqui e ali, os militares que articularam os porões da ditadura, notadamente entre o final da década de 1960 e primeira metade da década de 1970. O presidente Ernesto Geisel, com certo esforço, conseguiu enquadrar parte dos homens dos porões — inclusive afastando generais e coronéis que permitiam “suicídios” forjados de prisioneiros — com a finalidade de garantir a Distensão e, na sequência, a Abertura. Agora, em plena democracia, os poderes Executivo e Judiciário precisam ficar atentos à possibilidade de surgimento de novas excrescências que se comportam como se fossem não policiais legais, e sim parapoliciais. Juízes e desembargadores, assim como promotores de justiça, precisam ficar atentos ao que está ocorrendo. Uma pressão por salários, supostamente apenas por aumentos salariais, pode, se não controlada no nascedouro, produzir movimentos que se comportam mais como milícias, acima das leis, do que como polícias. Ninguém, literalmente ninguém, está acima das leis — nem os policiais. O que pensam que podem desrespeitar as leis, e felizmente são poucos, são, decerto, viúvas da ditadura. Se necessário, devem ser investigados e, até, expurgados da polícia. Não se trata, é claro, de promover caça às bruxas, e sim de proteger a sociedade.
Incentivar o desguarnecimento da sociedade, como a tal Produtividade Zero — inclusive com cenas que lembram táticas terroristas —, como forma de pressionar por aumentos salariais, significa pelo menos três coisas. Primeiro, chantagem — e não reivindicação legal e legítima. Segundo, desrespeito à sociedade. Semear o pânico nas redes sociais — com palavras ou vídeos abusivos —, para pressionar o governo, é um indicativo de que não se respeita a sociedade. Fazer reivindicações públicas é legal. Entretanto, produzir medo não é, em definitivo, papel de policiais decentes e adaptados à democracia. Terceiro, ao se colocar acima das leis, tais policiais parecem não perceber que também são cidadãos e, no lugar de descumpri-las, devem se ver e se portar como seus guardiões.
Policiais também não devem ser instrumentos de grupos políticos. A polícia não é partido político e, assim, não cabe a ela fazer oposição seja ao PT, seja ao PSDB ou a qualquer outro partido que esteja no poder. A função da polícia é proteger a sociedade, seus cidadãos, contribuindo para evitar o crime e, quando este acontecer, investigá-lo e contribuir, com inquéritos bem feitos, para que seus autores sejam julgados e punidos pela Justiça.
Ressalte-se que, se setores (poucos mas barulhentos) da Polícia Civil comportaram-se à maneira de células terroristas — não deixa de ser curioso que buzinas foram distribuídas, na porta do Palácio Pedro Ludovico, por um motorista, um homem gordo, que dirigia uma nova e caríssima Land Rover —, a Polícia Militar não aderiu ao protesto mais contra a sociedade do que contra o governo. Pelo contrário, a PM não saiu das ruas e efetuou prisões, cumprindo seu desiderato — e até, em certos casos, substituindo a Polícia Civil.
A Polícia Militar entendeu, com correção e responsabilidade, que as batalhas por aumentos salariais, que são corporativas, não devem excluir a defesa da sociedade. Semear insegurança, criar pânico e produzir ameaças nas redes sociais significam apenas, como insistimos acima, que setores minoritários da Polícia Civil — e não a Polícia Civil como instituição de amplos méritos — ainda não aprenderam a conviver na democracia e, por isso, acreditam que a sociedade deve subordinar-se aos seus interesses.
As polícias de Goiás estão entre as mais bem pagas do país — superando as polícias de vários Estados, como o violento Rio de Janeiro, onde os criminosos combatem os agentes da lei usando armas poderosas, como fuzis, metralhadoras e bazucas (médicos cariocas especializam-se no tratamento de, sim, feridos de guerra) — e isto, é justo dizer, começou a partir de 1999, quando Marconi Perillo assumiu, pela primeira vez, o governo de Goiás. O tucano-chefe corrigiu injustiças, reorganizou as polícias, pagando-lhes salários mais justos. Esquecer benefícios é comum, mas, antes, os salários, além de baixos, eram pagos com atraso. Sob a égide do jovem gestor, o governo de Goiás, além de elevar os salários (e pagá-los em dia), modernizou os equipamentos e requalificou a carreira profissional. Nunca mais se atrasou os salários e o 13º salário, que passou a ser pago no aniversário do funcionário público. Benefícios obtidos, benefícios esquecidos? Parece ser a norma. Esquecer a história, escreveu o filósofo George Santayana, é sempre um risco. Os que a esquecem são os primeiros a convocar o que ela tem de pior para substituir o que se tem de melhor.
O leitor que leu o Editorial até aqui certamente fará uma pergunta: o governo não vai aumentar os salários dos policiais? O fato é que o governo não cancelou o aumento salarial dos policiais. Na prática, o aumento tão-somente ficou para o próximo ano, porque não há como pagá-lo agora. Quebrar o Estado, como ocorreu no Rio Grande do Sul, administrado por um político do PMDB — por sinal, bem intencionado —, é pior, muito pior, do que não conceder aumentos salariais. Aumentos salariais, neste momento, são contraproducentes tanto para a sociedade quanto para os servidores públicos. Por quê? Porque significará, para dizer pouco, que os salários vão começar a atrasar — repetindo governos do PMDB no passado recente. Não é nenhum cinismo sugerir que, mais do que prejudicar, o governo de Goiás está protegendo a sociedade como um todo e, também, seus funcionários públicos. Pode-se falar, ao modo de Max Weber, numa ética da responsabilidade.
Há uma crise nacional grave — tanto que economistas falam que a recessão pode se transformar, em 2016, numa depressão — que está abalando todos os Estados, uns menos, outros mais. Há governos de Estados que estão atrasando salários e paralisaram quase todas as obras, inclusive algumas que são essenciais. Goiás não é uma ilha, nem é Shangri-la, mas sua situação é bem melhor do que a de outros Estados. Porque o governador Marconi Perillo conteve gastos públicos, enxugou a máquina e demitiu comissionados. Porém, como a arrecadação caiu, devido à recessão que abala a indústria, o comércio e o setor de serviços, o governo não tem caixa para fazer face às reivindicações salariais. Aliás, os aumentos, segundo a lei, estão vinculados ao aumento da arrecadação.
Em termos de iniciativa privada, as demissões, no lugar de cair, estão aumentando. O cenário, portanto, não é dos melhores. Por isso, é preciso pensar mais na sociedade do que no próprio umbigo. Convém examinar os dados nacionais e estaduais. Ninguém está enganando ninguém.
Apela-se ao bom senso, pois a polícia de Goiás, repetimos, é de excelente nível. Espera-se que continue assim.”