A edição desta semana do Jornal Opção faz coro à denúncia que o Goiás 24 Horas faz há dias: a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que mata a Universidade Estadual de Goiás (UEG) não está tramitando às claras na Assembleia Legislativa, o que reforça a impressão de que o governador Ronaldo Caiado (DEM) não tem a menor intenção que manter a instituição em funcionamento.
“O que faz com que a comunidade da UEG se preocupe ainda mais é que a tramitação do projeto não tem ocorrido às claras. Até o início das discussões na Comissão de Constituição e Justiça, nem mesmo os deputados tinham conhecimento de seu teor. Apenas o líder do governo, Bruno Peixoto (MDB) teve acesso ao documento – e não fez a menor questão de agir com transparência”, diz o texto, assinado pelo editor do Opção, Rodrigo Hirose.
Abaixo, o texto na íntegra:
UEG completa 20 anos pedindo socorro
Inclusão do porcentual destinado à universidade no bolo da educação soma-se à expansão sem critérios ao longo dos anos e ameaça a instituição
A Universidade Estadual de Goiás (UEG) completa 20 anos este ano, mas não há clima para comemoração. Ainda que ostente números significativos, a instituição enfrenta a maior crise de sua história, com demissões e ameaça de fechamento de cursos e de campus. E, o pior, com séria possibilidade de perder ainda mais recursos, com a inclusão de sua fatia do orçamento estadual no bolo total destinado à educação no Estado.
A Proposta de Emenda Constitucional enviada pelo governo do Estado à Assembleia Legislativa inclui os atuais 2% que são reservados à UEG nos 25% que a Constituição Federal obriga que os governadores invistam em educação. Em Goiás, esse valor é de aproximadamente R$ 3,3 bilhões.
O que faz com que a comunidade da UEG se preocupe ainda mais é que a tramitação do projeto não tem ocorrido às claras. Até o início das discussões na Comissão de Constituição e Justiça, nem mesmo os deputados tinham conhecimento de seu teor. Apenas o líder do governo, Bruno Peixoto (MDB) teve acesso ao documento – e não fez a menor questão de agir com transparência.
Os 2% hoje destinados à UEG representam aproximadamente R$ 400 milhões. Para incluí-los na parcela total da educação, alguém sairá perdendo: ou a universidade, ou a educação básica. Nenhuma das duas alternativas parece adequada.
A história da Universidade Estadual de Goiás começou há muitos anos*. A sementinha foi plantada em 1961, com a abertura da Faculdade de Ciências Econômicas de Anápolis (Facea) – em 1990, elevada a Universidade Estadual de Anápolis, Uniana. No ano seguinte, foi a vez da Escola Superior de Educação Física do Estado de Goiás (Esefego) abrir as portas – décadas mais tarde, a ela foi incorporado o curso de fisioterapia.
Em 1999, o governo do Estado reúne sob a sigla UEG a Uniana e outras 28 autarquias estaduais. No ano seguinte, são abertos os câmpus de Caldas Novas, Minaçu e Itumbiara. Atualmente, são 41 câmpus, 66 polos e núcleos de Ensino à Distância. Em 2018, inaugura-se o curso de medicina.
No auge, a instituição chegou a ter 34 mil alunos. Em 2018, eram 26 mil, distribuídos em 158 cursos de graduação, 78 pós-graduações, 14 mestrados e 2 doutorados. Atualmente, são 3.555 servidores.
Os números são significativos, mas escondem algumas das razões da crise atual. A expansão de cursos e de unidades nem sempre seguiu critérios técnicos. O crescimento exponencial criou uma estrutura pesada para ser administrada. A folha de pagamento, segundo o Portal Goiás Transparente, é de R$ 22 milhões ao mês e compromete gravemente o orçamento total da universidade.
O Jornal Opção recebe constantemente reclamações de estudantes e de profissionais sobre as condições estruturais dos prédios da universidade. Aqui mesmo, dentro de Goiânia, observa-se o abandono do campus Laranjeira – o mato toma conta, a quadra está suja e abandonada, é um retrato do que ocorre em todo o Estado, em maior ou menor escala. Greves são comuns. No início do ano, os profissionais da Eseffego paralisaram os trabalhos por mais de dois meses.
A direção da UEG prepara um programa de reestruturação, que terá de ser avaliado e aprovado pelo Conselho Universitário. Entre as medidas a serem tomadas, estão a reordenação no número de câmpus e de cursos. Realmente, são medidas necessárias. Há cursos com pouquíssimos alunos e com baixa qualidade, de acordo com os exames nacionais que avaliam as graduações brasileiras. Existe também a distribuição inadequada de unidades, instaladas em municípios próximos.
Os cursos, em alguns casos, foram abertos apenas para atender interesses políticos e não técnicos. Dentro do planejamento de reordenamento, está a limitação das mesmas graduações em locais diferentes. Para ficar em um exemplo, há 17 cursos de pedagogia, um evidente excesso – basta notar que, em todo o Brasil, cada vez menos jovens têm interesse em seguir a carreira no magistério.
É preciso admitir que a Universidade Estadual de Goiás ajudou a democratizar o ensino superior no Estado. De acordo com a instituição, em 20 anos, aproximadamente 100 mil estudantes se graduaram.
Mas toda essa expansão criou uma máquina muito cara. O número de servidores temporários, por exemplo, é maior que o de efetivos, e há uma decisão judicial determinando o corte. Até o momento, foram feitas mais de 400 exonerações, mas, até o fim do ano, a reitoria tem de exonerar 1.490 servidores temporários. Entre eles, estão 700 professores.
Para este ano, o orçamento estadual reservou R$ 202 milhões para a UEG. São R$ 98 milhões a menos do que foi efetivamente executado em 2018. Basta fazer uma conta simples em cima da folha de pagamento, que em julho foi de R$ 22 milhões, para ver que a conta não fecha.
Para piorar a situação, há questões judiciais pendentes. O ex-reitor Haroldo Reimer pediu afastamento após denúncias de que teria feito nomeações irregulares para cargos no Pronatec. O reitor atual, Ivano Devilla, está no cargo interinamente, mas ainda não há sinalização de quando haverá (se houver) uma nova eleição.
Todos esses fatores, somados, colocam em risco a existência da UEG – que, apesar de todos os problemas, é uma inegável conquista dos goianos. O plano de reestruturação é necessário. Mas espera-se que as decisões técnicas se sobreponham aos desejos políticos – sob pena de se repetir os mesmos erros que a colocaram na encruzilhada em que se encontra.