Por causa do excesso de penduricalhos agregados ao longo dos anos ao salário e juízes e desembargadores, ficou quase impossível determinar hoje quanto o poder Judiciário gasta com folha salarial no Brasil, diz editorial publicado nesta segunda-feira de Natal pelo jornal O Estado de S. Paulo. Estima-se que, entre janeiro e novembro de 2017, segundo o Estadão, estes penduricalhos tenham custado aproximadamente R$ 890 milhões aos cofres públicos.
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A farra dos penduricalhos
A banalização dos benefícios pecuniários pagos à magistratura tornou impossível saber ao certo qual é o custo efetivo do Poder Judiciário com a folha de pagamento de seus juízes, desembargadores e ministros. Ao todo, são 91 tribunais e em quase todos seus integrantes ganham verba de representação, bonificações e gratificações sob a forma de auxílio-moradia, auxílio-alimentação, auxílio-saúde, auxílio-livro, auxílio-paletó e vários outros penduricalhos pagos com dinheiro dos contribuintes. Como cada tribunal tem sua lista de penduricalhos, a área técnica do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) estima que existam em todo o País 40 tipos distintos de gratificações, representações e adicionais aos salários dos juízes.
Com base em informações atualizadas enviadas ao CNJ sobre os vencimentos de cada um de seus magistrados, o Estadão Dados constatou que, no período entre janeiro e novembro de 2017, esses penduricalhos custaram R$ 890 milhões aos cofres públicos. Descobriu, igualmente, que os penduricalhos pagos aos 14 mil magistrados dos Tribunais de Justiça representam, em média, 30% de seu salário básico. Descobriu, ainda, que três em cada quatro juízes estaduais recebem auxílio-moradia, independentemente da cidade onde trabalham e do fato de possuírem ou não residência própria.
Além disso, como os penduricalhos são pagos a título de verba indenizatória, e não como vencimentos, os valores não são levados em conta no cálculo do teto salarial estabelecido pela Constituição para a administração pública, que hoje é de R$ 33,7 mil. Pela pesquisa do Estadão Dados, um terço dos juízes estaduais tem vencimentos líquidos superiores ao teto. A remuneração nacional média desse grupo é de R$ 42,5 mil. Em Rondônia, a média é de R$ 68,8 mil. No topo da lista, um magistrado desse Estado recebeu recentemente R$ 227 mil no contracheque. E, em julho, um juiz de primeira instância do Estado de Mato Grosso recebeu quase duas vezes e meia esse valor.
Ao defender os penduricalhos da magistratura, que sempre esteve entre as categorias mais bem pagas do funcionalismo público, os presidentes dos tribunais alegam que, se não receberem salários equivalentes aos diretores jurídicos das grandes empresas, os juízes não seriam eficientes na defesa da cidadania e na decisão das questões de alto relevo público. Independentemente da falta de uma relação lógica entre uma coisa e outra, pois a eficiência de um magistrado depende de sua competência, de seu esforço e de sua responsabilidade, os dirigentes da Justiça também não negam que a multiplicação dos penduricalhos foi a resposta que o Judiciário deu ao Executivo, quando os responsáveis pelas finanças públicas alegaram não dispor de recursos para aumentar ainda mais os já polpudos salários dos magistrados. Há três anos, o presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) chegou ao disparate de invocar a necessidade de um padrão mínimo de elegância dos juízes para justificar a concessão dos penduricalhos.
O principal argumento da magistratura é que esses benefícios são previstos por lei, motivo pelo qual seu pagamento não seria irregular. O problema, porém, não está na legalidade dos benefícios, mas na sua falta de legitimidade, afirma o ex-presidente do STF Carlos Ayres Britto, profundo conhecedor das artimanhas dos magistrados para burlar as limitações impostas pela Constituição que juraram cumprir. “À medida que há claraboias nesse teto, perde-se a noção dos custos do Judiciário”, afirma o ex-ministro.
A farra dos penduricalhos no Judiciário chegou a tal ponto que até juízes aposentados entraram com ações reivindicando, em nome do princípio da isonomia, os mesmos “direitos” dos magistrados da ativa. Isso mostra o grau de descolamento da realidade por parte de uma corporação incapaz de perceber a crise econômica em que o País se encontra e de compreender que, embora os Poderes sejam independentes, o cofre é um só e a responsabilidade sobre o que nele sai e entra é do Executivo.