A revista Carta Capital, em reportagem assinada pelas jornalistas Bia Barbosa e Mariana Martins, classifica como “ato golpista” a escolha dos membros do Conselho de Comunicação do Congresso Nacional, que funciona como órgão auxiliar ao Parlamento para assuntos relacionados a comunicações.
Este Conselho será capitaneado pelo ex-presidente da Ordem dos Advogados do Brasil em Goiás (OAB-GO) Miguel Cançado.
Veja o que diz a reportagem:
Conselho de Comunicação do Congresso: participação para inglês ver
Por Bia Barbosa e Mariana Martins*
O desfile de golpes praticados pelo Congresso Nacional contra os interesses da sociedade parece não ter fim. Nesta quarta-feira 15 tomou posse, com a presença dos presidentes da Câmara e do Senado, a nova gestão do Conselho de Comunicação Social (CCS), órgão auxiliar do Parlamento para projetos relacionados às comunicações. Após praticamente um ano sem funcionamento do CCS, foram empossados conselheiros que, na realidade, não foram eleitos.
Exato. A sessão do Congresso do dia 8 de julho, que supostamente escolheu os 13 titulares e suplentes do órgão, não registrou quórum mínimo de 257 deputados e 41 senadores para deliberação – no dia, menos de 90 deputados e apenas 14 senadores estavam reunidos. Segundo a Lei 8.389, de 30 de dezembro de 1991, que cria o CCS, o Conselho deve ser eleito em sessão conjunta das duas Casas. Ainda contrariando o Regimento Comum do Congresso Nacional, a pauta desta votação não foi distribuída aos parlamentares com a antecedência de 24h, bem como as indicações não foram submetidas à votação secreta em plenário.
Como se não bastasse a flagrante violação de dispositivos constitucionais e legais, ainda foram nomeados para uma das vagas destinadas à sociedade civil dois ministros de Estado: Henrique Eduardo Alves (Turismo – titular) e Aldo Rebelo (Ciência e Tecnologia – suplente). Entre os ocupantes de outras vagas para a sociedade civil estão um ex e um atual servidor da Secretaria de Comunicação do Senado e a diretora do Instituto Palavra Aberta, que só tem organizações empresariais como associadas. Vale lembrar que o setor empresarial já possui vagas próprias na composição do CCS.
Em nota pública, organizações e movimentos com o Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC) afirmaram que “o Congresso Nacional dá um novo golpe contra a sociedade civil, desrespeitando por completo este espaço de participação social e demonstrando não ter discernimento nem mesmo para reconhecer, de forma transparente e republicana, as organizações sociais que atuam no campo das comunicações no país”.
Para tentar barrar tamanha afronta, a deputada Luiza Erundina (PSB-SP), juntamente com outros parlamentares e entidades sociais, deu entrada em um mandado de segurança no Supremo Tribunal Federal (STF) para anular o ato que nomeou os novos integrantes do Conselho. A posse realizada nesta quarta, portanto, encontra-se sob judice. Os autores da ação defendem que o processo que levou à homologação da nova composição do CCS foi ilegítimo, inconstitucional e antirregimental. O Supremo deve pronunciar-se após o recesso do Judiciário.
Neste cenário, o professor e pesquisador do Laboratório de Políticas de Comunicação (LaPCom) da Universidade de Brasília (UnB), Murilo César Ramos, um dos indicados como suplentes para as vagas da sociedade civil, renunciou à sua indicação e não tomou posse, para não legitimar o processo.
O mesmo, no entanto, não aconteceu com os demais indicados, que ocuparam seus assentos de maneira vergonhosamente silenciosa. Nem mesmo o protesto das entidades signatárias do mandado de segurança, realizado durante a cerimônia de posse no Salão Nobre do Senado, foi suficiente para constranger os novos conselheiros. Por ordem do presidente da Casa, os cartazes – que diziam “Sociedade civil excluída do Conselho de Comunicação Social: #GolpenoCCS” – foram recolhidos. Pasmem, na posse do Conselho de Comunicação Social, é vedada a liberdade de expressão; é vedado o direito de, mesmo silenciosamente, manifestar-se.
A sessão seguiu, sem que nenhum dos conselheiros fizesse menção ao fato. Justo eles que lá estão para defender, de saída, a liberdade de expressão e o direito à informação, ambos “garantidos” na Constituição Federal.
Em entrevista concedida à imprensa após a posse, o ministro Aldo Rebelo se defendeu, alegando que não foi escolhido como representante do governo, mas como jornalista. “Sou jornalista, pago o sindicato e a confederação há mais de 30 anos. Portanto, acho que tenho legitimidade para participar. A legitimidade é conferida pela lei. Não houve nenhuma violação. Os membros do Congresso escolhem. Há uma eleição. Portanto, não há irregularidade”, afirmou.
OAB na presidência
Após a sessão solene de posse, teve início a reunião que elegeu o presidente e vice-presidente do Conselho. Foram escolhidos para dirigir o órgão o advogado Miguel Ângelo Cançado, representando a OAB, e Ronaldo Lemos, pesquisador. Neste momento, o representante dos trabalhadores radialistas, Nascimento Silva, manifestou-se sobre o fato de a eleição do CCS estar sendo questionada na Justiça e de ministros de Estado terem ocupado vagas da sociedade civil. Sua fala, tampouco, ecoou entre seus pares. Todos mantiveram-se surdos a um mandato que já começa falido em sua representatividade.
Desde seu início, o Conselho funciona sem critérios claros para sua composição, sobretudo no que diz respeito às cinco vadas da sociedade civil. Por isso, em abril de 2014, um significativo conjunto de entidades, que acompanham de perto o trabalho do Conselho e reconhecem sua importância para o diálogo com a sociedade sobre assuntos estratégicos para o país, lançou uma plataforma defendendo maior transparência e participação no processo de escolha dos representantes do Conselho de Comunicação Social.
Neste documento, foi proposto que, entre os critérios que o Congresso deveria considerar para indicar os representantes da sociedade civil, deveria constar justamente o fato do conselheiro/a ser representante de meios comunicação comunitários, universitários e públicos ou de organizações atuantes no tema das comunicações – visando, justamente, a garantia da pluralidade no âmbito do órgão. Na ocasião, também foi defendida como premissa a equidade nas questões de raça, gênero e regionalização dos representantes. Com base nestes critérios, foram indicados, com o apoio da Frente Parlamentar pela Liberdade de Expressão e o Direito a Comunicação com Participação Popular (Frentecom), da Câmara dos Deputados, um conjunto representativo de nomes.
Nesta quarta-feira, uma maioria de homens brancos, que defendem interesses privados, passou a compor a nova gestão do CCS.
* Bia Barbosa e Mariana Martins são jornalistas e integrantes do Intervozes.